Capítulo vinte e quatro - Palavras sinceras

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Coração batendo a mil, cabelo ao vento... azul, uma cor fria, como eu? O céu agora impiedosamente cinza.  As folhas continuam lá, com seu verde, os troncos das árvores marrons como sempre. Meus pés doem, o tênis gasto bate no chão duro e continua em frente, sempre em frente. Meus joelhos se desdobram com agilidade, coração pulsando.

Lá estou novamente, parece que foi a séculos: telhados vermelhos, paredes brancas, uma porta feita a mão e várias janelas, e seu maldito gramado verde. Aproximo-me com cautela, a porta está entre aberta. Devo bater? Devo entrar?

Alguns objetos quebrados. E gotas de sangue por toda parte, subindo as escadas, parecem pistas da morte, parecem me chamar. Subo as escadas tão devagar, mas meu coração pulsa como se eu estivesse a mil por hora.

Ele me olha espantado enquanto encosta-se à parede. Tanto sangue. Mas Bryan ainda respira.

— Alex... – Tenta pronunciar meu nome, mas suas forças estão todas concentradas em estancar o sangue que sai de seu corpo.

Corro a sua direção. — Bry... – olho em volta. — Um telefone, um maldito telefone.

Vou em direção a escadas como um raio cai do céu, alguns segundos e eu o avisto: um telefone, perto de lindas flores brancas.

— Por que você fez isso? – Pronuncio as palavras a pessoa que está atrás de mim.

— Ele vai sangrar até morrer se você não ligar. – Seu tom é de ameaça.

Pego o telefone, e lá estou eu em tom desesperado falando com uma voz doce e acolhedora. O mais rápido possível? Chegariam aqui o mais rápido possível...

— Você realmente esqueceu do que fez pra mim? – Seus olhos me encaram em julgamento.

— Eu... eu não te fiz nada. – Olho para o chão em volta. — Não entendo.

— Deixa eu te ajudar um pouquinho... – Se senta em uma cadeira. —Uma festa.

Sinto uma pequena dor de cabeça. — Do que você está falando?

— Você realmente não se lembra, não é? Acho que ser atropelada por aquele carro deixou você mais defeituosa ainda.

Disso eu lembro, lembro da dor ser forte. Mas...

Eu vou te lembrar disso. — A dois anos... Nossa doce e querida Alexia ainda sofria muito pela morte de seu amado. Então por que não alegra-la com uma festa? Foi ai que conhecemos alguns garotos. Como era mesmo o nome deles?

Sinto minha expressão mudar para espanto. — Miguel... Ed... eu, eu me lembro. – Em um momento me sinto culpada. — Eu sinto muito.

— Sente muito? Tenho as cicatrizes até hoje. Você me deixou lá! — Ela se levanta com fúria. — Você podia ter matado todos eles! — Joga a cadeira no chão em um ato de ódio.

Meu corpo se retesa. Tantas lembranças...

Escuto o barulho da sirene ao longe. — O que você quer?

— O que eu quero? – Gargalha. — A-le-xi-a, eu quero a chance de te matar.

Olho para baixo enquanto ela caminha até a porta. — Está bem. Você...

Interrompi-me. — Você sabe onde me encontrar e sabe o que levar... — Cristina sorri para mim enquanto sua sombra some atrás da porta.

...

Como é o barulho de uma ambulância? Tão único e ao mesmo tento nada identificável. Bryan me encara deitado na maca.

— Vai ficar tudo bem. – Sorrio para ele.

Para o melhor hospital da cidade, deve ser muito bom ser rico. Se eu levasse um tiro morreria em uma fila para atendimento.

São duas horas, duas longas horas esperando para vê-lo. Sua mãe está aqui, ela me encara com raiva. Não ligo, continuo a folhear um panfleto que encontrei em algum lugar.

E lá virá ele, o médio, com seu uniforme branco, e seu cabelo grisalho. Boas noticias, ele diz, diz outras coisas também, mas isso não me interessa. Atravesso o longo corredor, e entro. A mãe de Bryan vem logo atrás.

Sorrio meio timidamente para ele. — Olha só, agora você tem uma história legal para contar para os seus filhos.

Ele retribui o sorriso. — Você estava linda preocupada comigo.

— Docinho, mas que diabos aconteceu? – Ela corre para perto dele, quase me derrubando e ofuscando meus olhos com seu loiro falso. — Eu disse que esse lugar é uma abominação...

— Mãe... – Ela esfrega seus cabelos. — Mãe, pode me deixar a sós com a Alexia por um instante.

— Mas...

— Por favor, depois eu vejo todos vocês. – Ele força um pequeno sorriso enquanto ela sai.

— Pode fechar a porta, Ale? – Estou meio espantada, mas faço o que ele pede.

Aproximo-me. — Oi, você fica bonito assim, sabe? Machucado. – Acaricio seu rosto.

Ele fecha os olhos por alguns segundos, parece aproveitar o pequeno carinho. Mas quando ele abre os olhos seu olhar é tão sério.

— Eu ouvi Alexia. – Ele olha para a grande janela ao lado da cama, tentando evitar meu olhar. — Sua conversa.

— Ah...

— O que está acontecendo? – Seu tom é mais alto que o normal.

— Bryan... – Meu peito palpita, acho que vou enfartar. — Acho que eu gosto de você...

Ele arregala os olhos por um momento. — Alexia, eu...

— Bem, há coisas demais que você não sabe, e... – Passo a mão por seus cabelos — Se você quiser saber, me encontre na cabana em alguns dias. Mas... – Respiro fundo. — Tem algo que você precisa saber.

— Alexia...

— Sou eu... Eu matei todas aquelas garotas!

Vejo sua expressão se tornar algo identificável. Ele não grita, não diz nada, nada... O silencio me mata a cada segundo, respiro fundo, fecho os olhos e sinto meu coração palpitar e minha mente fugir para o mais longe possível.

— Me encontre na cabana, um dia eu vou aparecer lá. – Abro os olhos e percebo que ele ainda olha para a janela. — Mas se não quiser me ver nunca mais, eu vou deixar uma carta para você explicando tudo.

Levanto-me. Isso é pior que qualquer coisa! Agora olhando para mim sinto sua reprovação, não consigo entendê-lo.

— Bem, olho para baixo. Acho que não nos veremos mais. – Acaricio seu rosto mais uma vez.

E num segundo, de extrema coragem, mais do que eu precisei para qualquer coisa, eu o beijo. Nossos lábios se encostam como se sempre pertencesse um ao outro. Seu beijo vai da extrema doçura até a mais pervertida excitação.

Saio pela porta e vou caminhando... caminhando...

Minha casa está lá, como sempre. Não havia ninguém.

Vou direto ao banho. Penso no que minha vida sempre foi e no que ela se tornou, não quero que ela acabe. Mas o que eu sou?

Saio do banho. Sento-me no chão com um papel e uma caneta. E começo a escrever.

Lágrimas insistem em existir.

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⏰ Última atualização: Jul 26, 2017 ⏰

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Apaixonada Pela TorturaOnde histórias criam vida. Descubra agora