Capítulo dois - Medo Comum

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ALEXIA LEMBRE-SE DE QUEM VOCÊ É!

Acordo espantada, novamente o sono daquela noite. Não suporto ver os olhos de minha mãe em meus malditos sonhos.

- Quem será dessa vez? – digo e sorrio para mim mesma.

Está cedo, é possível ouvir os pássaros cantarem do lado de fora da janela, tão desagradável. O que será que eles pensam? Que o mundo é um arco-íris? Tão inocentes, a inocência é fraqueza.

Atravesso a sala em passos rápidos.

– Já vai para a escola pequena prostituta? – Phil ri.

– Você está fedendo, vá tomar um banho papai. – Digo sarcasticamente.

– Que tal você vir dar um beijo no papai? – ele quase vomita no sofá.

– Cale-se seu porco! – saio pela porta e não olho para trás.

Caminhando na rua me deparo encantada por aquelas lindas árvores, eu queria ser como elas, verde e imóvel, sem vida. Apesar de o dia estar irritantemente iluminado, meu cabelo brilha como o azul infinito do céu.

As aulas já iram começar, atravesso o corredor rapidamente até encontrar um espaço cheio de pessoas fúteis, não que eu não seja como eles.

– Hei, hei olha quem está aqui! Alexia, como vai o seu projeto de suicídio? – Patrícia começa a rir.

Patrícia tem minha altura, mesma idade, infelizmente é loira. Não consigo achar amarelo uma cor atraente, é tão... claro...

– E o seu projeto de dar para a sala toda e se fingir de pura? – dou um sorriso de canto.

– Sua vadia! Se mate igual sua mãe.

Olho com ódio, mas nada faço então um professor chega, não presto nenhuma atenção nas aulas, apenas quando é biologia. Mesmo assim minhas notas são altas.

Alguém bate na porta da sala, dois policiais.

– Olá, queria pedir a todos que tomem cuidados e alertem seus pais. Está ocorrendo uma onda de assassinatos com garotas da idade de vocês. – ele diz com uma voz firme.

– Já são quatro casos, só esse mês, e os corpos são mortos do mesmo jeito. Tomem cuidado! – o outro acrescenta com uma voz aflita.

Isso é o que eu sou? Algum tipo de psicopata que todos devem temer?

Saio do colégio, pego um ônibus de viagem. A viagem demora algumas horas, parecem intermináveis horas alias... E novamente estou aqui sem rumo, procurando por algo insaciável...

O incrível desses bairros afastados do centro é que a segurança é muito pequena. Andando algumas horas avistei uma garota de cabelos castanhos tomando um café enquanto lia um jornal na coluna de... Esportes? Oh! Isso parece bem interessante.

É incrível o que você pode descobrir apenas observando alguém por algumas horas.

Ela pediu um café preto, porém torceu o nariz quando sentiu o gosto amargo. Seu gosto é refinado, porém grotesco... Enquanto lê o jornal totalmente concentrada alguns rascunhos inacabados enfeitam sua mesa junto de um pequeno vaso de flores vermelhas. Dentro de um segundo e outro ela atendeu ao telefone e começou a contar sobre alguns fatos de sua vida. As pessoas não tem medo de se expor assim no meio de um lugar publico? Nunca se sabe quando alguém com más intenções está a espreita. Enfim, fiquei sabendo que seus pais foram viajar por algumas semanas e ela está com seu namorado desde então, porém, e agradeço a esse, porém, ele vai embora no domingo à tarde. Sinto-me entusiasmada.

Aproximo-me, não consigo resistir à atração que sinto por seu corpo, quero poder sentir o cheiro de pétalas e podridão que ela aparenta ter.

– Por que desenhar janelas com pessoas aleatórias, sem dor, sem historia, sem emoção? – Digo enquanto me sento ao seu lado.

– Uma imagem é só uma imagem, não importa quanto sentimento você coloque nela. – Encara meus olhos. – Uma imagem de fato não é o momento.

– Alexia. – Sorrio.

– Anni... Só Anni. – Ela sorri para mim com seus dentes em perfeito estado. – Mas também pode me chamar de artista sem talento.

Olho para baixo, observando seus desenhos mais de perto. São extremamente impessoais, mas mesmo assim belos.

– Seu cabelo é azul. – Ela tira minha linha de pensamento com a voz doce de um anjo, porém com uma contestação obvia demais para agracia-la.

– É, falha na genética! – Exclamo e logo em seguida as gargalhadas de um anjo são soadas bem perto de meus ouvidos que são agraciados com aquele doce som.

– Bem, foi bom te conhecer Annelise. – Estendo minha mão até ela, mas a um momento de hesitação.

– Como sabe meu nome? – Anni diz sem jeito.

– No papel... Seu nome está assinado aqui. – Coloco meu dedo indicador sobre seu nome e logo depois saio caminhando sem olhar para traz ou esperar qualquer sinal de vida que possa vir de seus lábios. Nem de longe foi uma despedida, não agora...

Algumas horas se passam e em nenhum segundo eu a perco de vista. Acompanho-a, sem ser percebida, até sua casa. É bonita, toda branca com alguns desejos pintados em sua faixada, tem um ar tão alegre e inocente. O lugar é tão tranquilo que chega a me dar paz de espirito, por um segundo... Então tudo volta tão violentamente quanto um massacre de seus familiares mais queridos na sua frente.

Enquanto estou aqui observando o local, a vigilância e os horários mais propícios me dou conta que está tarde e estou fazendo coisas demais por um dia.

Na volta a minha casa, a viagem chega a ser desagradável, mas sei que não será tão desagradável quanto encontrar Phil no sofá bêbado.

Dito e feito, lá está ele falando suas baboseiras de ex-militar.

O telefone toca:

– Alo? - Digo calmamente enquanto encaro Phil no sofá e seus infinitos últimos goles de cerveja.

– Como vai meu docinho? – A voz do outro lado do telefone é grossa, tão fria quanto uma parede gélida da sua prisão.

– Ro-Roberto? - Fico paralisada. Que sentimento é esse que paralisa o corpo de alguém? Por que logo eu estou sentindo isso? Por que logo agora? Não está certo!

– Eu mesmo, docinho. Phil me convidou para passar um tempo ai, vou levar Cristina. – ele ri - em algumas semanas, docinho!

Desligo rapidamente, pego um livro e jogo o mais forte na cabeça de Phil. O ódio é forte mas a frase: "controle seus sentimentos ou morrera" é mais forte do que eu.

– Ai... o que foi Alexia? – ele mal abre os olhos.

– Se eu pudesse eu cortava a sua jugular e o deixaria morrendo ai, você e seu corpo podre. Mas... – Mordo os lábios olhando para qualquer lugar aleatório. – Você é meu pai e bem... eu o... odeio... mais intensamente do que eu posso sentir!

– Relaxa. - ele diz calmamente e volta a beber. – Eu sou seu pai, você não vive sem mim.

Abro a porta daquela casa que nunca foi e nunca será um lar e sento na calçada. O vento bate com força em meu rosto, o seu é só um vasto nada, sem estrelas, sem nuvens... Nada. Um eterno buraco negro engolindo a alma dos aflitos.

O que eu vou fazer?


Apaixonada Pela TorturaOnde histórias criam vida. Descubra agora