Capítulo três - Sobreviver às lembranças

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 Estava escuro, muito escuro. As histórias de ninar aterrorizam uma criança de dez anos de uma forma esplêndida... Nunca senti medo delas, mas ah... a escuridão sempre me amedrontou. Seria apenas fraqueza?

– Christian, acorde! - Puxo a coberta de meu irmão mais velho.

– O que foi alexia? Volte a dormir – Ele me ignora.

– Mas estou com medo! Onde está a mamãe? - Sento ao seu lado. Por que meus pés não tocam o chão? Por que uso uma camisola florida até abaixo dos joelhos?

– Ela está na outra casa! – Não me incomode.

Começo a choramingar, essa estratégia sempre funciona com ele. Pobre irmão manipulável.

– Ok. Ok. Eu vou procura-la, você fica aqui! – Ele se levanta meio sonolento e sai.

Então escuto um barulho na porta. Vou até a escada e começo a descer bem lentamente. Escadas que rangem... Escadas que rangem de uma casa velha. Existe algo mais assustador?

– Ei garotinha, garotinha! – Roberto me olha da porta da frente... Eu tenho pavor deste homem, sempre tão grotesco.

– Você sabe que seu pai me deve dinheiro? – Começa a vir em minha direção, penso em não hesitar, mas...

Nesse momento ele está na minha frente com uma faca, não posso sair pela porta minha única reação é ir correndo até a escada, enquanto ele me persegue como um lobo atrás de uma ovelha. Chego até o quarto mas não tenho força para fechar a porta então ele a com muita força me jogando para trás.

Seus olhos estão vermelhos, o que é isso?

Eu sinto a ponta de algo afiado perfurar a minha barriga, então...

– Corra, Ale. Corra! - É Christian, ele quebra um vaso na cabeça de Roberto que cai ao lado e sua faca escorrega até a porta.

Mas ele é forte demais para um garoto de quinze anos, magrelo poder derruba-lo. Então Roberto se levanta e bate a cabeça de meu irmão na parede e começa a enforca-lo. Eu fico paralisada sem saber o que fazer, vendo a vida de meu irmão se esvaindo...

Meu coração dispara, meus sentidos se aguçam. Mãos tremendo e pernas bambas... O que estou fazendo? Como eu me sinto? Como eu vim parar aqui? Quem vai me proteger? Ninguém! A voz grita alto e claro. "Seja forte, ou morrera" é o que as vozes dizem... é o que ela diz na minha mente. Como posso ignora-la?

Minhas mãos escorregam pelo cabo da faca e atravessam algo... essa sensação é... é... libertadora!

Eu e Christian saímos correndo dali, mamãe não presta nenhuma queixa por causa de Phil. Roberto ainda vive, mas eu não aceitarei que viva por muito tempo.

Dia 26 de outubro, três anos depois do incidente - 21h45min da noite.

– Mamãe, mamãe. O que esta fazendo? - digo espantada

– Tudo bem amor, vou fazer com que a dor passe. - ela aponta um revólver pra mim.

– Não entendo, reaja! Por favor... O que? – Meus sentidos estão confusos. – Mamãe, estou com medo. Pare! Por favor.

– Me desculpe meu amor. – Enquanto suas lagrimas escorrem uma curva de um sorriso acalmador é formado em sua face delicada. – A dor vai passar!

Ela começa a apertar meu rosto com força me obrigando a olhar diretamente para seus olhos, enquanto seu cabelo castanho voa pelo vindo da janela. Ela aponta o revolver para a própria cabeça e enquanto sorri, atira...

Os momentos seguintes seguem como um flash. Eu vejo seu corpo cair lentamente contra o piso frio, seus olhos aos poucos vai perdendo o brilho que tanto me ajudaram enquanto a dor era lancinante.

Os dias se seguem e minha vida tende a piorar... o dialogo com meu irmão repete mil vezes em minha mente...

"– Eu vou embora, Alexia – Ele me encara sem nenhum pingo de piedade em seus olhos.

– Por quê? Por que vai fazer isso comigo? Você vai me abandonar igual abandonou ela... igual mamãe não podia conviver com a morte dela.

–Ale...xia, isso não tem nada haver! Eu vou continuar cuidando de você – Ele afaga meus cabelos.

Dou um tapa em sua mão para afasta-la. – Está esperando o que para ir embora?".

Os dias se seguem, as torturas se seguem... E agora com dezessete anos elas não existem mais, a dor não existe mais, a única coisa que sobra é o prazer. As mortes... Ah! As mortes que tanto me trazem prazer.

Consigo lembrar da primeira vez, e foi tão especial. Ela tinha lindos cabelos castanhos, e olhos escuros. Não consigo me lembrar de seu nome, mas tinha a mesma idade que eu, treze míseros anos. Ela gritava e chorava, enquanto eu apunhalava seu corpo, uma... duas... três... dez vezes. Ela era minha amiga... Quando acabei meu corpo cheirava a morte, e a única coisa que eu sentia era paz. Desde então passou a ser mais sofisticado, não deixo mais a raiva e o ódio tomar conta de meu corpo.

Apaixonada Pela TorturaOnde histórias criam vida. Descubra agora