15 de agosto de 1969

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Estou meio parada esses últimos meses por causa da gravidez, mas por sorte estou conseguindo mandar minhas críticas para serem publicadas no jornal e algumas musicas também. Porque o escritório onde Marcelo trabalha é perto da Redação, então as coisas ficam mais fáceis.

Estávamos sob o comando de uma Junta Militar. Costa e Silva foi afastado por motivos de saúde.

Papai continua na mesma, não diz nada que não seja a favor do governo, porque "É tudo para o bem do Estado". Já estou cansada disso! É pior que mamãe nunca faz nada, nem Lucas, e agora Aline também, desde que ela foi solta, passa o dia trancada no quarto, ou então vem pra cá com mamãe pra me ajudar com o enxoval do bebê, que eu espero que seja uma menina.

Mas nunca mais tocamos no assunto "ditadura" porque:
A) mamãe não gosta que toquemos no assunto;
B) Aline, assim como eu, está tendo pesadelos desde que saiu da prisão, e não quer falar disso de jeito nenhum.
C) mesmo eu tendo me afastado do clima tenso lá de casa e tentando me concentrar na minha, literalmente minha, vida com Marcelo, e no bebê, esse assunto ainda me atormenta bastante.

Eu ainda tenho pesadelos, com menos frequência que antes, é claro, mas ainda tenho, ainda choro sozinha pensando que pode acontecer alguma coisa com Marcelo, ou comigo, ou qualquer outra pessoa da minha família, com quem eu me importo, ou com Júlia, minha melhor amiga,

Por que as coisas tinham que ser tão complicadas assim? Não precisava ter sido desse jeito, não mesmo! Vez ou outra vem um oficial do Exército "ver se está tudo bem" nas redondezas, como eles dizem. Isso já tem se tornado rotina, já me acostumei com essa coisa toda de "fiscalização" e todo o resto das coisas que esses milicos idiotas fazem praticamente todo santo dia.

Mas sinceramente, isso tudo ainda me assusta muito, Marcelo também se sente assim, ao menos sei que não estou sozinha nessa. Sei que ainda há alguém nesse mundo que pode me ouvir, entender os meus medos e me consolar...

Alguém que eu sei que não vai me deixar nunca, que sempre vai olhar pra mim quando eu estiver com medo e dizer:

— "Eu estou aqui..."

1964 - Diários de um Coração Rebelde Onde histórias criam vida. Descubra agora