14 de outubro de 1968

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As coisas estão ficando cada vez piores desde quando o AI-5 foi decretado por Costa e Silva, a repressão está cada vez mais forte, estamos cada vez mais perdendo nossa dignidade.

Há 2 semanas, soube da morte de um estudante da USP em um conflito contra estudantes da Universidade Mackenzie, que era favorável aos militares. E, pelo que soube, o tal conflito foi na rua Maria Antônia, soube também da morte de um tal de Edison no Rio de Janeiro.

O clima aqui em casa está horrível. Mamãe mostra-se revoltada, mas nunca se manifesta porque é submissa às vontades de papai. Ele, por sua vez não para de dizer, todo orgulhoso, que o que os militares estão fazendo é para o bem do Estado. Só que ficamos sabendo de casos de pessoas que foram presas, exiladas, torturadas com choques elétricos, e depois disso por fim, eram mortas.

Sinceramente... Se tortura for algum benefício para o Estado, eu prefiro morrer!

O Lucas, meu irmão mais velho, está amaçando ir para a reserva, ele diz que concorda com o Regime, mas não é favorável à violência. O pai do meu namorado, Marcelo, quer que ele entre para o Exército, mas Marcelo não vai, não quer ir para lá, diz que tem medo de que mandem ele fazer alguma coisa comigo, e ele não quer isso. Então não vai para lá de jeito nenhum.

Aline já foi advertida duas vezes por ser pega protestando ou fazendo farra, só foi liberada porque é filha de militar, mas eles disseram que da próxima vez não tem volta. Se acontecer de novo ela vai presa. Nem se papai pedisse a eles minha irmã seria solta, o que na verdade não aconteceria justamente porque papai, assim como o pai de Marcelo, são favoráveis à tortura dos considerados subversivos.

Ultimamente tenho passado o dia todo fora de casa com o Marcelo, o clima está tenso demais, tanto pra mim como pra ele, e nós não estamos com a menor vontade de nos estressar.

As aulas lá faculdade estão meio paradas, então o pessoal sempre se reúne lá na "colina" e a gente fica lá com a "tchurma" fazendo nada, só para passar o tempo. Às vezes eu ou alguma outra pessoa leva um violão e a gente fica lá, inventando música, fazendo barulho, rindo, alguns de nós fumando ou bebendo, conversando, nos divertindo... Pelo menos eu acho que esse "movimento do tédio" além de ajudar a distrair, a passar o tempo sem se estressar, e desentediar, lógico, serve para reduzir nossa raiva, nossos medos, medos, angústias, serve pra diminuir a tensão, o caos, o clima pesado que enfrentamos todos os dias com um sorriso no rosto, apenas para fingir que estamos bem.

Fazemos isso para nos esconder, camuflar os nossos medos, esquecer da repressão, da Ditadura, dos gritos, tiros, prisões, ameaças, advertências, censura, caçações, , mortes, da polícia nas ruas, da autoridade do Governo, das mentiras que eles nos contam, do cinismo e da falsidade das pessoas , dos exilados, da tortura, dos choques elétricos, de todo esse terror que estamos passando esses anos.

Só queremos liberdade, queremos nossos direitos, ler o que nos der vontade sem a censura dos militares, escrever sem que o texto seja barrado por eles, contar o que estivermos sentindo em nossos corações jovens e "revoltados com a vida e com o resto do mundo".

Nós só queremos ser felizes!

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