Capítulo 7 - Uma nova chance

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BELA

      Eu tenho poucos pertences aqui comigo. Quase tudo que eu tenho (ou tinha) ficou no meu antigo quarto. O que pude trazer em uma mochila pequena ou ficou gasto demais ao longo dos meses, ou precisei barganhar para comer. O único objeto de valor que tinha era o relógio que meu pai me deu no último aniversário e o mantive comigo até o momento que a fome  e higiene apertaram e precisei lançar a razão no lugar da emoção. Tinha um celular que me foi tirado e não acredito que ainda reste qualquer coisa na casa dos meus pais. Tudo deve ter sido queimado ou jogado fora como minha irmã disse que faria.

      Quando Theo se ofereceu para pegar as coisas eu fiz que não com a cabeça, mas ele entrou assim mesmo no quarto mal iluminado. Senti vergonha por ele ver onde estava vivendo, uma pequena cama num canto e o vaso sanitário no outro. Os banhos eram com balde na área externa; quando fazia muito frio eu me banhava perto do vaso para evitar encher o quarto de água. Tive tantas gripes que considero milagre estar viva.

      Pego a mochila e coloco no ombro, mas a dor que percorre todo meu lado direito me faz soltar a mochila. Respiro lentamente esperando passar. Aproximadamente dois meses atrás, na última tentativa de fuga, eu levei a pior surra de todas. Na ocasião  até o motorista capacho me chutou. Acreditei ter quebrado uma costela, mas era impossível ir à emergência e não tinha dinheiro sequer para os remédios, assim fiquei semanas deitada na cama só levantando para tomar banho e procurar por comida. Dido era meu fiel escudeiro e permaneceu comigo todo o tempo. Com os dias passando eu me sentia melhor, mas hoje quando bati contra o balcão senti a mesma dor de volta. 

      Theo se aproximou no momento que chiei de dor e pegou a mochila com uma mão e com a outra me sustentou até o carro. Não deixo de notar seu olhar compassivo e ao mesmo tempo consternado. Entro na frente e Dido animado no banco de trás.

      Não me lembro quando foi a última vez que entrei em um carro por livre vontade, já que na última vez que tentei fugir fui arrastada até aqui no carro oficial da prefeitura. Eu costumava dirigir todos os dias para o trabalho, no meu carro que agora não existe mais. Às vezes dirigia para outras cidades com minha melhor amiga Íris e íamos em festas legais e praias diferentes. Nem sei se Íris ainda lembra de mim, se ela me procurou, se me esqueceu. Não tive coragem de ir até a casa dela e pedir ajuda, pois mamãe ameaçou o emprego do pai dela na prefeitura. Garantiu que eles morreriam de fome por minha culpa.

(...)

      Theo coloca o carro em movimento e de vez em quando olha pra mim, acho que para checar se estou bem. E eu estou bem. Tirando meu olho inchado, os pulsos feridos, o dedo mindinho da mão esquerda se recuperando de uma fratura e alguma costela do lado direito. Estou viva, respirando, barriga cheia, sou grata por tudo. Desde que aprendi a agradecer por todas as coisas, mudei a perspectiva de ver o mundo e conseguir suportar as lutas. O mantra que repetirei todas as vezes que me sentir sozinha, com medo, com vontade de desistir é: Eu não desisto da minha vida.

     Entramos nas áreas urbanas da cidade, especificamente no centro e percebo que estamos indo para a parte mais movimentada.

- Para onde estamos indo? Eu não posso ser vista pelas ruas de Santa Vitória. - ele me olha com cenho franzido.

- Precisamos consultar você com um especialista. Eu acho que está com uma costela quebrada. Pode ter até mais fraturas! O hospital é do meu tio Augusto e vamos dar um jeito. - Sinto tanta dor que não discuto mais. Ele pega a minha mão num ato distraído e quando percebe o que fez a puxa rapidamente desconcertado. 

     Ele entra com o veículo por uma área privativa que não tinha visto antes. Theo deixa as janelas de trás do carro meio abertas e entramos no hospital direto para uma sala privativa. Como ele fez uma ligação no carro, acho que estão nos esperando. A enfermeira que vai me acompanhar chega, me olhando com visível preocupação. Estou cansada dos olhares de compaixão. Sei que estou suja, maltratada e muito magra, mas como não me olho em nenhum espelho há meses, deixei de pensar a respeito.

Quando o Sol Nascer (Completo em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora