Apesar de haver dormido tarde na noite anterior, Eugênio levantou-se cedo naquele domingo. Sentia-se insatisfeito, inquieto, inseguro. Por quê? Antes tomava decisões, tinha objetivos, sabia o que queria. Agora não sentia a mesma facilidade. Isso o desgostava. Estaria se tornando incapaz?
Depois de tomar café, sentou-se na sala para ler o jornal, mas não conseguia fixar sua atenção nas notícias. Ele não era mais um adolescente. Não podia permitir-se a fraquezas que poderiam resultar em problemas para sua família. Na véspera, saíra de casa disposto a falar com Lurdes seriamente. Estava certo de que a amava e de que ela seria a esposa ideal para tomar conta de seus filhos. Entretanto, seu entusiasmo arrefecera e agora já não tinha mais certeza de nada. As crianças conheciam Lurdes e não demonstravam simpatia por ela. Mudariam se a conhecessem melhor?
Na noite anterior, saíra com o propósito de declarar-se e de levar Lurdes para um hotel. Passara a semana inteira antegozando o prazer desse encontro, fantasiando como seria. Por que de repente perdera completamente a vontade? Seu antigo problema estaria de volta?
Passou a mão pelos cabelos, preocupado. O que estava acontecendo com ele não era normal. Sempre fora ousado, audacioso e nunca perdera a oportunidade de estar com uma bela mulher. Por que perdera o interesse?
Pensou em Olivia. A presença dela teria algo a ver com o que lhe acontecera? Vê-la era recordar-se do passado. Era pensar que, de alguma forma, ele desencadeara a tragédia que havia matado Elisa e o reduzira àquela triste situação. Quando poderia esquecer? Teria de suportar esse peso pelo resto da vida?
Pensamentos sombrios incomodavam-no, tirando-lhe a alegria e a paz.
Quando Amaro chegou para irem almoçar juntos, percebeu logo que Eugênio não estava bem. Enquanto as crianças se arrumavam para sair com eles, tentou conversar:
- Ontem você estava tão bem, tão alegre! Fazia tempo que eu não o via assim. Aconteceu alguma coisa?
- Não sei o que está se passando comigo. Sempre fui firme, determinado. Agora, estou confuso, insatisfeito, inseguro.
- Por que pensa isso?
- Porque ontem eu estava certo do que queria. Saí de casa disposto a pedir Lurdes em casamento. Claro, depois que ela se aproximasse mais das crianças e elas a apreciassem. Só pensava na noite de amor que teríamos. De repente, perdi o interesse, não lhe disse nada. Esfriei. Agora já não sei mais o que quero. Um casamento com ela me parece quase impossível.
- Você não a ama!
- É uma mulher maravilhosa! Seria a esposa perfeita! Depois, ela me atrai. Até ontem acreditava estar perdidamente apaixonado. Agora...
- Pretende ter outra esposa perfeita, igual a Elisa?
- Dizendo isso, você me confunde mais. Além de gostar, eu preciso me casar com alguém que cuide bem das crianças. Tem de ser uma mulher especial.
- Talvez não seja a hora de se casar de novo.
- Pode ser. Não é isso o que me preocupa. Posso continuar a viver, como até aqui. Mas não gosto de sentir-me inseguro a mesma lucidez de antigamente. Quando me esforço para prestar mais atenção, sinto atordoamento, sono, mal-estar. O doutor Júlio chamou-me para conversar. Disse que a tragédia com Elisa havia perturbado minhas ideias e, no fim, aconselhou-me a consultar um psiquiatra. Você acha que ele está certo? Estou começando a pensar nisso. Não posso mais continuar assim.
- Seu problema é espiritual, não mental. Você reagiu bem a tudo quando lhe aconteceu. Assumiu a família, fez tudo certo. Quem está com problemas mentais não faz o que você fez.
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A verdade de cada um - Zibia Gasparetto
SpiritualMuitas vezes, embalados pela ilusão, tomamos atitudes precipitadas sem pensar em como elas afetam as pessoas ao nosso redor. Julgamos que sempre a intimidade alheia e acreditamos que sempre sabemos a melhor resposta Foi assim com Elisa, uma mulher d...