Lição

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* Lyoneel

Quando cheguei a sala de treinamento, meu pai já estava. Sentado em uma cadeira e de braços cruzados, ergueu os olhos minimamente quando entrei. Dois guardas o ladeavam.
- Onde está sua escolta? Questionou assim que botei os pés na sala.
- Achei que não era necessário, já que eu viria apenas ao treinamento.
- Você está sempre andando de lá pra cá sem guardas. Você deve tomar consciência que é o príncipe desse lugar e meu herdeiro. Se algo acontecer com você, o futuro de Aurór Norte estará comprometido. Reclamou.
- Tudo bem pai. Tomarei mais cuidado. Garanti a contra gosto.
- Farry venha aqui. Pediu meu pai chamando meu amigo que esperava a porta.
Farry entrou e reverenciou meu pai como de costume.
- Vossa majestade. Cumprimentou.
- Farry traga dois guardas e garanta que eles acompanhem o príncipe para onde for. Ordenou.
- Sim majestade. Aceitou meu amigo.
Revirei os olhos enquanto eles não me observavam.
Farry retirou-se para cumprir a ordem rapidamente. Por sua vez, lorde Toross saiu do canto onde estivera encolhido portando uma espada longa.
- Que bom que chegou vossa alteza. Podemos começar o treino? Questionou com um sorriso nervoso.
- Antes de mais nada, você deveria se desculpar por nos deixar esperanto. Interrompeu meu pai.
Me inclinei com a mão ao peito.
- Me desculpem. Pedi com uma ponta de ironia que meu pai não percebeu.
- Tudo bem vossa alteza. Podemos começar? Indagou Toross indicando a parede onde diversas armas estavam expostas.
Caminhei até lá e escolhi uma espada longa como a dele.
- O que o trás aqui meu pai? Questionei enquanto observava a espada em minha mão.
- Vim assistir o treinamento do meu filho. Como pode bem observar.
Girei a espada na mão com destreza.
- O que te levou a essa repentina vontade? Faz tempo que não acompanha nenhum de meus treinamentos. Sondei querendo confirmar o motivo real por trás de tudo aquilo.
- Bom, recebo relatórios semanais de lorde Toross sobre seu progresso. Respondeu coçando a barba loira que lhe adornava o rosto forte.
- Então por quê teve o trabalho de vir até aqui, se já recebe os relatórios? Insisti.
- Me deu vontade de ver pessoalmente. Queria garantir que você é tudo isso que me falam. Não quero que me envergonhe.
Abaixei a espada devagar.
- Diante de quem eu te envergonharia, meu pai? Há alguém importante que queira me apresentar? Questionei tentando chegar no ponto chave.
Meu pai sorriu diabolicamente.
- As notícias correm mesmo. Como soube? Quem te contou? Exigiu saber.
- Do que está falando meu pai? Há algo que eu deveria saber? Tentei disfarçar fingindo desentendimento.
O rei levantou-se de onde estivera acomodado.
- Lorde Toross, nos deixe sozinhos. Ordenou.
- E quanto ao treinamento que queria assistir majestade? Questionou Toross perdido.
Meu pai caminhou até ele e lhe tomou a espada. Com um movimento rápido de meu progenitor, a ponta da espada já se encontrava encostada no peito do meu tutor.
- Eu mesmo o treinarei hoje. Saía! Ordenou abaixando a espada.
- Com sua licença. Pediu lorde Toross saindo como vento da sala.
Com um sinal de mão de meu pai, os guardas também se retiraram, fechando a porta atrás de si.
- Agora somos só nós dois. Disse meu pai apontando a espada para mim.
- Quer falar algo em particular comigo? Perguntei sem deixar me intimidar.
- Quero saber quem te contou. E não tente negar. Te conheço bem e sei que sabe de alguma coisa.
Suspirei derrotado.
- Tudo o que sei é que o povo de Aurór Sul entrou em contato com o embaixador. Confessei.
- É tudo o que sabe? Desconfiou.
- Sim é tudo o que sei. Confirmei.
- E quem te deu essa informação? Exigiu.
- Não me lembro. Acho que ouvi alguém conversando sobre isso. Inventei.
- Quem?
Franzi a testa fingindo forçar a memória.
- Não me lembro mesmo. Menti.
Não podia de jeito nenhum entregar Farry.
Meu pai examinou a espada em sua mão. Uma veia em sua testa pulsava evidenciando sua irritação.
Me aproximei devagar.
- Posso saber o que realmente está acontecendo? Por quê o povo de Aurór Sul entrou em contato com o senhor? Questionei.
Meu pai abriu um sorriso carregado de malícia.
- Você quer que eu te conte? Perguntou irônico.
- Sim. O senhor não me conta nada. Eu nem soube da ida do embaixador a Aurór Sul. Reclamei.
- Porque eu, o rei, devia te contar alguma coisa ou ser questionado sobre o modo que administro as informações?
- Bem, porque sou seu filho, o príncipe desse reino e o motivo da conversa com Aurór Sul tem tudo a ver comigo. Respondi.
- Por quê pensa assim? Insistiu.
- Imagino que seja sobre a promessa de gerações. Sobre que eu devo me casar.
Meu pai se ocupou em observar a espada que tomara de lorde Toross por alguns segundos.
- Isso eu não posso negar, mas se quer saber o conteúdo da mensagem que recebi, terá que me vencer em uma luta. Disse apontando a espada para mim.
- Devo avisá-lo que não sou mais o garoto com que lutou a um tempo atrás. Avisei me colocando em posição de batalha.
- Veremos. Respondeu se igualando ao meu posicionamento.
Iniciamos a luta, por alguns minutos, os únicos sons que pode se ouvir, foram o tilintar das espadas e o som oco dos nossos passos no chão.
Estávamos lutando de igual para igual. Pude ler a surpresa no rosto de meu pai. Eu melhorara muito desde a última vez que ele me derrotara.
Porém, em uma rara distração minha, meu pai encontrou uma abertura em minha defesa e atacou, mas como aprendera na aula de lorde de Toross, que era um excelente instrutor apesar de tudo, transformei a desventura em oportunidade e desviando da arma afiada, dei início a um jogo de pés que me levou a frente e logo minha espada já estava encostada no peito dele.
- Essa luta termina aqui. Anunciei triunfante.
Meu pai soltou a espada que tilintou em contato com o chão. No instante que eu perdi observando essa ação, meu progenitor com muita destreza, se desviou de minha arma e logo estava atrás de mim. Uma adaga afiada tirada de seu cinto, estava encostada em meu pescoço, beliscando a minha pele.
Uma gota do meu sangue desceu por sua extensão pontiaguda.
- Agora sim a luta está acabada. Disse ele triunfante.
Naquele hora foi minha vez de soltar a espada que deslizou ao solo com um som agudo. Levantei as mãos em sinal de desistência.
- Eu me rendo. Cedi, pois sabia que ele não cederia de modo algum.
Tirando a adaga de meu pescoço, ele me empurrou para frente, enquanto voltava a adaga ao seu cinto.
Enquanto eu me endireitava, ele sorriu para mim.
- Você ainda não pode me vencer, garoto. Gabou-se com o peito estufado.
- Mas eu pensei que era uma luta de espadas. Interrompi.
- Em uma guerra, não têm lugar para cavalheirismo. Replicou com voz empostada.
- Não estamos em uma guerra. Isso é apenas um treinamento. Retruquei.
- Então devo lhe ensinar uma lição importante. Disse ele caminhando até mim.
- Todo treinamento é feito para estarmos preparados para uma eventual guerra. Disse ele me olhando fixamente.
Sustentei seu olhar firmemente.
- Se estivéssemos em uma batalha de verdade, você já estaria morto. Continuou cuspindo as palavras.
- Então, que bom que era só um treinamento. Respondi a contragosto.
- Espero ver um maior progresso seu da próxima vez. Afinal, é o meu herdeiro e futuro rei de Aurór Norte. Disse colocando a mão em meu ombro.
- Me esforçarei para atender suas expectativas. Garanti sem muita convicção.
- Assim está melhor. Sorriu afastando seu toque de mim.
Devagar ele caminhou até seu assento e lá se acomodou.
Abaixei e apanhei as espadas que jaziam abandonadas. Guardei-as diante do olhar do rei.
- Posso me retirar? Perguntei de mau humor.
- Não era de seu desejo saber o conteúdo da mensagem de Aurór Sul? Questionou.
O olhei perplexo.
- Mas eu perdi...
- Vou abrir uma exceção. Afinal, também é do seu interesse. Quer saber?
Me aproximei dele.
- Você veio aqui para isso, não é pai? Indaguei sabendo a verdade.
- O que está dizendo? Quer saber ou não quer? Irritou-se.
- Claro. Tudo o que envolve nosso reino é do meu interesse. Por favor me conte. Pedi.
- Você sabe que a rainha Branca não é mais governante e sua filha até então desconhecida por nós, tomou posse do reinado como Rainha da Luz. Sabe também que segundo a lei de gerações, você e ela devem se casar para evitar a guerra. Tempos atrás mandei o nosso embaixador até lá para lembrá-los de cumprir a parte deles. Infelizmente, ele não pode estar com a rainha, mas lorde Dracon o recebeu e pudemos transmitir nossa preocupação quanto ao cumprimento da promessa. E como isso nos deixaria longe de uma futura guerra que seria muito mais penosa para eles do que para nós.
- Ou seja, vossa majestade os ameaçou. Traduzi.
- Você não concorda com isso? Questionou áspero.
- É claro que concordo. Eles concordaram com a promessa na pessoa do senhor da Luz. Se eu concordei com a promessa pelo bem do povo do meu reino, ela deve fazer o mesmo. Respondi convicto.
- Deveras. Mas o que importa, é que lorde Dracon, através do fluído, contatou nosso embaixador para informar o desejo da rainha de ter uma audiência conosco. Revelou.
- O senhor aceitou? Questionei curioso.
- É claro. Devem querer acertar os detalhes da união. Logo você será o senhor de Aurór Sul e dominaremos toda Aurór. Disse ele entusiasmado.
- E se eles quiserem cancelar essa tal promessa? Indaguei pensativo.
- Eles não ousariam fazer tão coisa em meu próprio território. Seria o mesmo que declarar guerra. Zangou-se fechando as mãos em punhos.
- Tem razão. Eles não seriam tão ingênuos. Concordei tentando apazigua-lo.
- Exatamente. Respondeu soltando as mãos.
- Quando eles nós visitarão? Questionei.
- Devem adentrar nosso território a qualquer momento. Já desativei a barreira de vento para lhes permitir uma entrada segura. Contou.
- Entendo. Respondi pensando nas mudanças que aconteceriam em minha vida caso eles entrassem em acordo.
- Queria que você ficasse avisado. Não saía do castelo nos próximos dias. Ordenou.
- Sim pai. Respondi submisso.
Satisfeito ele tirou seu bastão dourado do bolso. Logo o objeto se estendeu se transformando no cetro. Com ele meu pai bateu no chão liberando uma onda de vento que encancarou a porta violentamente.
Logo os guardas ladearam a entrada a espera do rei. Ele levantou e o acompanhei até a saída.
Nessa hora Farry chegou com dois guardas conhecidos meus.
- Farry que bom que chegou. Quero que junto aos guardas, mantenha os olhos no príncipe por essas duas próximas semanas. Não o deixe se afastar do castelo. Pediu meu pai.
- Sim majestade. Concordou meu amigo.
- E você comporte-se como o nobre que é. Disse meu pai me dirigindo um olhar autoritário.
Fiz uma reverência em resposta e ele se foi.
Farry se aproximou de mim.
- O que houve? Onde está lorde Toross? Questionou.
- Quem é você e o que fez com o puxa saco do rei que estava aqui agora mesmo? Questionei.
- Não diga isso meu príncipe. Sabes que não posso ir contra as ordens de vossa majestade. Respondeu constrangido.
- Relaxa Farry. Sei bem o pai que tenho e sei que presa por sua cabeça no corpo. Brinquei apoiando a mão em seu ombro.
- Que bom que compreende, meu príncipe. Respirou aliviado.
- Quanto a pergunta que me fez antes. Meu pai desconfiou que eu soubesse algo a respeito da comunicação dele com Aurór Sul e ficou irritado querendo saber quem me contou.
- Revelaste? Perguntou receoso.
- Não se preocupe, não disse seu nome. Apenas inventei que ouvi por aí. Contei.
- Obrigado meu príncipe. Agradeceu com uma meia reverência.
- Jamais entregaria um amigo. Afirmei.
- Fico feliz que tenha tanta consideração. Respondeu comovido.
- Por que não teria? Você é meu amigo desde sempre, mas voltando ao assunto. Meu pai dispensou Toross dizendo que ele mesmo me daria aula. Daí me garantiu que me contaria tudo se o derrotasse em uma luta de espadas.
- E o que aconteceu? Meu príncipe venceu? Questionou.
- Quase.
Ele me dirigiu um olhar confuso.
- Vamos indo. Convidei começando a caminhar.
- Bom, digamos que meu pai não foi muito justo. Depois que eu derrubei sua espada, ele puxou uma adaga e me forçou a desistir. Disse que em uma luta não há lugar para cavalheirismo. Você sabe como ele é.
- Sim sei. Confirmou.
- Então ele não te contou? Questionou.
- Acabou contando. Quer saber?
- Acha prudente falar sobre isso no corredor? Indagou olhando ao redor.
- Afastem-se um pouco. Pedi aos guardas e esperei que eles obedecessem.
- A rainha virá até aqui para conversar sobre a tal promessa de gerações. Contei.
- Quando?
- Chegarão a qualquer minuto. Meu pai acha que eles querem acertar os detalhes do casamento. Eu tenho minhas dúvidas. Revelei.
- Eu concordo com o rei. Afirmou Farry.
- Talvez eu esteja pensando demais. Confessei.
- Finalmente conhecerá sua noiva.
- Espero que ela seja aceitável. Respondi brincando por fora, mas preocupado por dentro.
Como seria a tal Rainha da Luz?
- Chegamos! Anunciei levando a mão a porta do quarto de Aloe.
Abri a porta. Uma fae loira e muito bela me recebeu.
- Vossa alteza. Cumprimentou com uma reverência.
Ela me parecia familiar.
- Quem é você? Perguntei interessado.
Ela riu e me olhou nos olhos.
- Me chamo Nix, a seu dispor...
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Esse capítulo é dedicado ao meu pai que faleceu. ♥♥♥
Espero que gostem do capítulo e continuem acompanhando a história.
Obrigada.

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