Em direção oposta.

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*Ariana
Sai da tina de águas quentes e agradáveis e peguei um pano felpudo que me serviu de toalha, o qual enrolei sobre meu corpo.
Dulcy entrou sem nem ao menos bater, me causando um sobressalto.
Trazia em suas mãos, o que me pareceu um pano bege.
- Toma, vista isso. Disse entregando o tecido para mim.
Desenrolei descobrindo um vestido simples.
- Eu mesma o fiz para você. Disse a pequena orgulhosa.
- Fez agora? Tão rápido.  Admirei.
- Não seja boba, fiz a quatro dias atrás, isso sim.
- Então você não o fez para mim. Eu não estava aqui antes. Corrigi.
- Sim o fiz para você, isso sim. Insistiu.
- Mas como você sabia que eu vinha para cá? Questionei.
- Meu mestre disse que você viria. E me falou suas medidas. Contou.
- Minhas medidas? Como ele poderia saber isso, se nem me conhecia? Insisti.
- Meu mestre tem olhos e ouvidos  em todos os lugares. Afirmou.
- Mas como ele poderia saber que eu viria para cá a quatro dias atrás? Nem eu mesmo sabia. Rebati.
- O mestre nunca erra. Garantiu.
- Quem é seu mestre na verdade? Tenho a sensação de que o conheço de algum lugar. Afirmei pensativa.
Dulcy sorriu com ar travesso.
- Se você não sabe, não sou eu que vou te dizer. Disse ela abrindo a porta.
- Espere! Pedi fazendo menção de a seguir.
- Acho melhor se vestir, se não, vai pegar um resfriado.  Zombou fechando a porta.
Vesti o vestido rapidamente.  Ele me servira com perfeição.
Mas quando fui pegar as botas, elas literalmente fugiram de mim. Saíram andando como se estivessem vivas. No primeiro momento me assustei, mas aí me lembrei do balde dançante.
- Ok. Pare com isso Dulcy. Pedi abrindo a porta, mas Dulcy não estava do outro lado.
As botas passaram sorrateiras pelas minhas pernas.
Descalça corri atrás delas. Consegui pegar uma que se debatia em minhas mãos, a outra, porém, chutou minha canela.
- Ai sua.... Gritei furiosa correndo atrás da fujona.
Quando dei por mim estava na sala, onde Tene lia um livro sentado no sofá de madeira com almofadas de couro.
Ele levantou a sobrancelha como se estivesse incomodado com a interrupção de sua leitura.
- Ah, me desculpe. Pedi, enquanto observava a bota dançar a minha  frente, como se quisesse me provocar.
Tene colocou o livro sobre o braço do sofá com calma.
- Vejo que está tendo problemas com os seus sapatos. Observou com um sorriso.
Abracei a bota que tinha nas mãos.
- Sim... Não. Não sei o que aconteceu. Pensei que fosse brincadeira de Dulcy, mas ela nem está por aqui. Falei confusa.
- Mas isso com certeza é obra de Dulcy. Ela não precisa estar presente para sua magia continuar ativa. Contou Tene levantando do móvel confortável, e vindo em minha direção.
- Então isso...
- Sim. Confirmou Tene parando a minha frente.
Ele estalou os dedos, a bota em minhas mãos parou de se mexer e a que estava no chão tombou.
- Pronto, são todas suas. Mas já o eram antes. Disse ele com expressão divertida.
- Obrigada. Agradeci, surpresa com a facilidade que ele resolvera a situação.
- Duendes são seres travessos. Seu passatempo preferido é pregar peças. Então, tome cuidado para não ser pega por suas travessuras. Disse ele voltando calmamente para o lugar onde estivera.
- Sua magia consiste em dar vida temporária a objetos inanimados. Contou, enquanto se sentava.
- Oh! E eles controlam isso a distância? Perguntei ainda segurando uma bota solitária.
- Eu não diria controlar, mas os objetos enfeitiçados, farão o que eles mandarem, até que a magia em seus corpos se esgote. Explicou.
- Entendo.
- Bom, mas não acha melhor vestir os sapatos? Questionou, observando meus pés descalços.
- Ah...Sim, é claro. Corcordei sentando em uma cadeira próxima para vestir as botas.
- Não se preocupe, elas não vão te morder ou coisa assim. Brincou ele.
- Ha ha ha ha. Eu sei. Ri sem graça, porque lá no fundo, isso me passou pela cabeça.
- Senhor Tene, posso te perguntar uma coisa? Indaguei terminando de amarrar os sapatos.
- E o que seria? Questionou apoiando o rosto na mão.
- Como parou a magia de Dulcy? Perguntei.
- Você quer saber? Questionou.
- Se não se incomodar em me contar...
- Bem, não é segredo nenhum. Eu posso anular qualquer magia. Contou olhando as mãos.
- Anular magia? Nunca ouvi falar em tal encanto. Nem mesmo na academia. Expantei-me.
- Não poderia, esse poder é exclusivamente meu. Contou.
Passos atrás de mim, chamaram nossa atenção.
- Mestre, o jantar está servido. Avisou Dulcy que trajava por cima de seu vestido marrom, um pequeno avental com bordado de flores.
- Vamos comer, Ariana. Convidou Tene.
- Mas e Diamante? Questionei.
- Ele ainda está dormindo, isso sim. Avisou Dulcy.
- É melhor que coma, você também ainda está se recuperando. Esqueceu que foi atingida também? Se você também adoecer, não poderá nem ajudar seu cavalo. Avisou o anfitrião.
- O senhor tem razão. Cedi.
O acompanhei até a cozinha, onde uma pequena mesa com quatro cadeiras nos esperava.
Dodly também estava por ali, aguardava seu mestre, em pé próximo a uma das cadeiras.
- Parece que estamos todos aqui. Sente-se senhorita Ariana. Pediu Tene, afastando uma das cadeiras.
- Obrigada. Agradeci sentando no assento oferecido.
Dulcy e Dodly sentaram-se também, utilizando uma almofada rechonchuda que os ajudavam a alcançar a mesa.
O jantar era constituído basicamente de hortaliças  e legumes, com frutas de sobremesa.
Após terminar, agradeci a refeição e me pus de pé.
- Posso ver Diamante agora? Perguntei.
Estava preocupada com o meu amigo.
- Claro, como desejar. A acompanhe Dodly. Ordenou Tene.
Segui Dodly até o lado de fora, em direção ao lugar onde deixara Diamante.
Diamante ainda dormia, deitado sobre a palha seca. Sua respiração parecia estar de volta ao normal, mas algo mais me chamou a atenção. Sua crina e rabo estavam trançados.
- Você fez isso Dodly? Indaguei.
- A que se refere? Perguntou fingindo inocência.
- Essas tranças em Diamante. Apontei.
- Ah, essas. Ficaram bonitas, isso sim.
- Mas Diamante não gosta disso! Desfaça por favor. Pedi.
- Não estou com vontade. Respondeu bocejando.
Me abaixei furiosa e desfiz as tranças penteando os cabelos de meu amigo com os dedos.
Diamante abriu os olhos lentamente.
- Dona? Chamou mentalmente.
- Sim, sou eu. Como você está? Está melhor?
- Sono. Respondeu piscando os olhos.
- Pois então durma. Descanse o quanto precisar.
- Inimigos?
- Não se preocupe, conseguimos despista-los. Você pode dormir sossegado. Garanti.
Mais calmo, Diamante voltou a dormir.
Com a imagem dos faes perseguidores ainda fresca em minha memória, fui até onde Dodly descansava sentado em um resto de árvore.
- Ei, Dodly. Quando eu vim para cá havia pessoas me perseguindo, não é perigoso eu me fixar aqui? Eles podem me achar e vocês podem acabar envolvidos.
Dodly jogou um punhado de graveto para cima, que passaram a girar sobre sua cabeça.
- Como se aqueles faes covardes tivessem coragem de vir a esse território. Riu ele.
- Por quê não teriam? O único lugar que os faes tem receio de ir, é a Ilha Pérfida.
Dodly riu e as varetas sobre sua cabeça pareceram o acompanhar.
- Você está por fora. A Floresta da Escuridão é o lugar que eles mais temem. Não ousam nem falar sobre.
- Mas por que? O quê que tem de tão aterrorizante aqui?
- Tem a noite eterna, o fato de não poderem achar a saída, tem espectros da escuridão. Ah, sabe os animais de magia negra que habitam as Terras Desoladas? Aqui foi seu berço. Contou.
- Mas pensei que eles tivessem se transformado nisso, por causa da magia negra utilizada na guerra.
- A magia negra tornou o lugar propício para eles viverem. Mas foi aqui que eles nasceram, e aqui concentram-se em maior número. Explicou.
- Mas eu não vi nenhum. Falei olhando para os lados.
- Isso é porque você estava perto do mestre.
- Eu não entendo, aliás o que são espectros?
- São seres etéreos, vaporosos, algo que você poderia chamar de fantasmas, mas eles sentem fome, fome por poder de elementos. Se eles te pegam, não te largam até drenar a última gota de poder. Eles só temem duas coisas; meu mestre e a luz, coisa rara nessa floresta. Contou.
- E por que você disse que não podemos sair?
- Há uma magia de ilusão fortíssima, quando você pensa que está deixando a floresta, você está voltando para o centro dela.
- Por isso seu mestre não pode sair? Questionei.
Dodly negou.
- Meu mestre teve grande parte da sua magia selada, além disso, tem grilhões mágicos em sua alma. Se ele deixar esse local certamente morrerá. Contou.
- E quem fez isso foi a própria mãe?
Dodly concordou.
- Quem é seu mestre e por que todos o temem?
- Está interessada em mim, Ariana? Questionou Tene aparecendo do nada. Causando-me espanto.
- Ah, estava apenas curiosa. Respondi.
Sua presença agora era amedrontadora. Sua aura pesava.
Tene sorriu e andou a minha volta.
- Eu sou Tene, meu passado e conhecido pelo povo de Aurór, porém eu não o contarei agora. O meu presente, é um poderoso fae que pode anular qualquer magia e controlar a escuridão como ninguém. Sou um exímio usuário de magia negra. Esse sou eu.
- Magia negra? Repeti.
- Isso mesmo. Mas não se preocupe, não pretendo lhe fazer mal algum. Já te disse que quero que me entretenha, e morta não poderá fazê-lo. Só espero que consiga sair daqui.
- Você não pode me ajudar?
- Como meu amigo aqui bem disse. Disse ele apontando para Dodly, o que fez os graveto caírem sobre a cabeça do duende - Grande parte de minha magia foi selada, de modo que nem mesmo eu posso desfazer a barreira que há em volta deste lugar. Contou.
- Então como posso sair daqui e ajudar meu povo? Eu preciso voltar o mais rápido possível.
- Só posso te dizer isso; encontre o caminho da criadora. Citou.

O Filho Do Rei Das Sombras - Contos Dos Medium Fairy. Em PausaOnde histórias criam vida. Descubra agora