Ariana

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*Nix/Ana

Dei graças ao céus por aquele difícil situação com Lyoneel, ter acontecido no começo da noite, pois assim não precisaria vê-lo pelo resto do dia.
Não sabia como eu poderia olhar para a cara dele, depois de tudo. Como reagir? Ele deveria estar profundamente decepcionado comigo. E depois de tudo que ele fez por mim...
Mas eu não poderia me forçar a ama-lo, fingir um sentimento que eu não tinha. Isso poderia machucá-lo ainda mais.
E depois ele era noivo da rainha de Aurór, tinha suas responsabilidades com seu povo.

Suspirei profundamente e me ajeitei no travesseiro fofo. Toquei de leve no anel em minha mão. Ele de algum modo me trazia paz.
De tanto eu desejar, Fyri me ouviu, e naquela noite eu sonhei.
Percebi de cara que não era um sonho comum, pois tudo parecia demasiado vívido. As plantas ao meu redor, exalavam um cheiro de frescor e o vento gélido balançava meus cabelos.
- Ei, homem das sombras, você está aqui? Gritei por duas vezes.
- Estou. Respondeu ao longe.
Caminhei para de onde deduzi que a voz vinha. Logo encontrei, sua silhueta, estava mais clara dessa vez.
Eu podia ver seus pés e pernas. Ele estava descalço como eu e vestia algo como a parte de baixo de um pijama.
Corri e parei a sua frente.
- Finalmente pude te ver de novo, eu tentei tanto. Disse.
- Pelo jeito nenhum de nós dois controla esse sonho realístico. Observei.
- Verdade. Talvez se nossas vontades forem as mesmas. Especulou ele.
- Talvez... Eu queria te reencontrar para perguntar algumas coisas. Confessei.
- Eu também. Eu queria muito te ver. Disse tocando a barreira que nos separava.
Abaixei o olhar constrangida e logo o anel entrou em foco.
Eu tinha que testar o que eu pensei.
- Andrês. Chamei baixinho, pronta para enfrentar o barulho, mas este não veio.
Interessante. Pensei comigo.
- O quê... O que disse? Perguntou o rapaz das sombras.
- Você é o Andrês? Perguntei.
Ele ficou mudo por alguns segundos.
- Você se lembrou de mim? Finalmente! Comemorou.
- Desculpe desaponta-lo, mas eu não recuperei minha memória. Tá vendo esse anel em meu dedo? Perguntei levantando a mão - Alguém me entregou e disse que um tal de Andrês me deu. Então eu deduzi que ele poderia ser você. Expliquei.
- Sim, eu te dei, é verdade, mas por que você não estava com ele? Você nunca o tirava do dedo.
Senti um pouco de ressentimento naquela fala.
- Não sei. Desde que não me lembro de nada do que aconteceu antes do acidente, também não me lembro do porquê não estar usando o anel.
- Desculpe. Fiz uma pergunta tola. Disse ele sem jeito.
- Tudo bem. Amenizei.
- Pode me dizer quem te contou?
- Acho que sim. Foi a Greta. Conhece?
- Claro que sim! Greta, sua guar...
Nesse ponto o barulho ensurdecedor começou.
- Aí. Não me conte algo que eu já não tenha ouvido no mundo real. Pedi tapando os ouvidos.
- Desculpe, mas como vou adivinhar o que você já sabe? Devolveu.
Esperei que o barulho cessasse por completo.
- Você tem razão. Eu vou te falar tudo o que Greta me contou. Avisei me sentando no chão.
Andrês fez o mesmo.
- Bom, ela não me disse muita coisa, somente que o meu nome é Ariana, que ela era minha amiga, que eu morei em Aurór Sul... Ah, e que você era alguém próximo a mim. Contei.
- Só isso?
- Sim. Ela me disse que contaria aos poucos. E se alguém soubesse da minha identidade aqui no castelo, geraria muita confusão. Me pergunto o que podia ser mais grave que uma mestiça de Aurór Sul, estar no castelo das sombras? Questionei pensativa.
- Você nem pode imaginar. Respondeu.
- Isso está me deixando ainda mais curiosa.
- Eu imagino. Mas, fico mais tranquilo de saber que Greta está com você. Que bom que ela te encontrou. Meu pai vai ficar satisfeito em saber.
- Queria saber quem é seu pai e o que ele tem haver comigo, mas o encanto me impede de saber de algo por sonho. Que bom que não afeta a realidade e Greta pode me contar. Observei.
- Queria te perguntar uma coisa. Como você foi parar aí nesse castelo? Questionou.
Contei-lhe um resumo do que aconteceu desde que acordei na neve.
- Então ele, o príncipe das sombras, te salvou, ele não te denunciou e ele ainda te disfarçou e te ensinou encantamentos? Perguntou com uma ponta de indignação, que naquele momento eu não entendi.
Será que ele estava com ciúmes? Pensei que ele era apenas um amigo íntimo.
Então fiz bem ao omitir a parte que Lyoneel se confessou e me beijou.
- Do jeito que você fala, parece não gostar do Lyoneel. Comentei.
- Lyoneel? É assim que você o chama? Tão casual.
- Sim, ele me pediu para chamá-lo assim. Você tem algo contra ele? Questionei.
- Ana, se você soubesse...
- Gostaria de saber mesmo. Sabe, é uma droga não lembrar de nada! Embravejei me pondo em pé.
- Eu imagino. Respondeu se levantando também.
- Não, você não pode imaginar. É horrível ter sua mente em branco, não ter memória do seu próprio passado. É horrível você não conhecer a si próprio, sua personalidade, seus sentimentos, quem lhe é querido.
- Ana...
- Pensei que eu podia começar de novo, mas agora que sei um pouco, queria saber tudo e essa vontade me consome. Esses sentimentos desconhecidos que sufocam meu coração... Falei me lembrando da dor e culpa que senti ao ser beijada por Lyoneel.
Lágrimas começaram a se acumular em meus olhos e um nó se formava em minha garganta.
- Ana, meu am...
O barulho ensurdecedor começou de novo.
- Eu quero que esse feitiço acabe! Eu quero saber quem sou! Gritei com tudo que podia.
De súbito, senti uma forte queimação abaixo do pescoço, e um poder fluindo em meu corpo. Toquei e senti um colar com uma grande pedra. Olhei e eis um rubi.
Seu brilho ofuscou minha vista e eu cai de joelhos. Imagens começaram a fluir sem cessar em minha mente.
- Ariana! Chamou uma voz.
Ergui a cabeça e enxerguei nitidamente quem me chamava.
- Andrês?
- Você está bem? Caiu de repente.
Corri até lá e bati em uma barreira.
- O que é isso? Questionei.
Andrês me olhou confuso.
- Uma barreira.
Toquei de novo a parede que nos separava com uma mão e com a outra o rubi.
De algum modo eu sabia como desfazê-lá e a parede invisível se esmiuçou em mil pedaços. Brilhantes cacos de vidro caíram sobre nós como uma chuva de luz.
Um deles arranhou de leve meu braço.
Assim que me vi livre do impedimento, abracei Andrês que me observava estático.
- Meu amor, eu estava morrendo de saudade. Falei o abraçando forte.
Andrês me afastou um pouco.
- Você se lembrou?
- Lembrei do quê?
Antes que ele respondesse, minhas memórias recentes entraram em foco.
- Sim! Sim eu me lembrei, me lembrei! Comemorei.
- Que bom Ariana. Meu amor que bom que você sabe quem eu sou. Disse ele tocando meu rosto.
Puxei ele para mim e nos entregamos em um beijo apaixonado sem culpa, sem dor.
Me afastei para ver seu rosto.
- Como você pode estar aqui diante de mim? A última vez que te vi foi quando atravessou o portal.
- Linus me deu uma pedra que me permite encontrar alguém em sonho. Contou.
- Sonho? Mas parece tão real. Eu posso te tocar, te sentir. Falei tocando seu rosto.
Ele sorriu e afagou meu cabelo.
- Eu não sei como é isso, mas é maravilhoso poder te ver mesmo que só em sonhos. Disse me dando um selinho delicado.
- Você ainda está na Terra?
- Sim. Não posso voltar sem a autorização do conselho real. Lembrou.
- É verdade. Por Fyri Andrês, eu estou no castelo das sombras. Falei me dando conta da minha situação.
Andrês riu.
- Eu sei. Mas de algum jeito, você chegou a seu destino.
- É, mas eu estou na casa do inimigo. Meu Deus, eu nem posso imaginar o que aconteceria se eles descobrissem que a Rainha de Aurór Sul, esteve todo esse tempo debaixo de seus narizes.
- Seria muito perigoso. Concordou.
- Andrês, você sabia que eu viria até Aurór Norte?
- Sim, Linus me contou.
- Você sabe o motivo?
- Sim. Linus também me falou sobre a promessa de gerações. Contou deixando o sorriso em seus lábios morrer.
- Sinto muito. Mas saiba que eu vim aqui para tentar achar outro maneira de evitar a guerra. Falei segurando suas mãos.
- E agora que o conheceu, o tal do príncipe Lyoneel, seu noivo? Pelo que você me contou, ele parece ser uma boa pessoa... Você se apaixonou por ele?
- O que está dizendo Andrês? É verdade que ele é uma boa pessoa, mas meu coração já tem dono e é você. Somente você. É por você que eu me apaixonei. Disse apertando suas mãos. Uma delas continuava fechada.
Andrês se soltou de minhas mãos e me abraçou.
- Eu te amo, minha Ana. Sussurrou em meu ouvido.
- Eu também te amo. Respondi.
Saboreei seus doces lábios mais uma vez. A sensação era tão real.
- Andrês, como está sua mãe? Com tudo o que aconteceu, esqueci de perguntar.
- Ela está bem. Já está em casa. Contou enquanto afagava meu braço.
- Então... Você já pode voltar?
- Na verdade, quando soube que estava desaparecida, tentei atravessar o portal, mas fui repelido. Preciso da autorização do conselho e de meu pai.
- Entendo. Onde estão Dracon e os outros? Questionei subitamente preocupada.
- Bem, pelo que ouvi, eles estão acampados em algum lugar de Aurór Norte. Greta e mais uma pessoa, foram enviados como espiões para te procurar. Contou.
- Queria saber como Greta soube que eu estava aqui.
- Isso só ela pode te responder.
- É. E quanto a Dracon? Eu preciso avisá-lo de meu paradeiro.
- Ele já sabe. Linus sempre está em contato com um dos guardas que está fora, mas próximo a Aurór Norte. No caso nas Terras Desoladas. Quando entrei em contato com você dá última vez e você me contou onde estava, tratei logo de dizer a Linus que repassou ao guarda por fluído e este contou a meu pai. Explicou ele.
- E... E o que Dracon irá fazer. Virá até aqui?
- Como poderia? O rosto dele é conhecido pelo rei das sombras. Na verdade, tudo o que ele pode fazer, é esperar pela resposta de Greta. Ah, mas vou avisar Linus que ela te encontrou. Meu pai certamente ficará satisfeito.
- Sim. Imagino que Dracon esteja muito preocupado. Já passou e muito da data em que eu deveria me apresentar ao rei daqui. Lembrei.
Andrês fez uma uma careta.
- Que foi? Por que essa cara? Estranhei.
- Bem... O rei das sombras ficou irritadissímo com o seu atraso. Meu pai deu a desculpa que você estava indisposta, após ter sofrido um acidente. Então o rei deu um prazo de duas semanas para a chegada de sua caravana. Contou.
- E... E quanto tempo resta Andrês? Perguntei preocupada.
- Dois.
- Dois o quê?!
- Dois dias.
- Por Fyri! Eu tenho que sair daqui imediatamente. Tenho que encontrar minha caravana e voltar como rainha. Disse eu nervosa.
- Ariana, você acha que seu rosto será reconhecido se você voltar como rainha? Perguntou segurando meu ombro.
- Pelo príncipe e seus guardas e por Aloe, com certeza. Eles me viram antes do disfarce. Eles me ajudaram a me ocultar.
- E você acha que eles te denunciariam? Questionou.
- Os guardas não gostam de mim, quanto ao príncipe... Eu não sei. É muito grave esconder a presença de um governante de outro lugar, do rei. Eu realmente não sei. Principalmente agora. Falei me lembrando da minha rejeição a ele.
- Por quê principalmente agora? Aconteceu alguma coisa?
- Nada de mais. Disfarcei - O que importa agora é: como eu vou escapar daqui?
- Queria estar aí para poder te ajudar. Disse cabisbaixo.
Segurei seu queixo.
- Você já está me ajudando. Veja, graças a você eu recuperei a memória e posso pensar em um jeito de escapar.
- Isso foi obra da pedra rubi. Tudo que eu fiz foi te irritar. Rebateu.
Abri um sorriso enquanto acariciava seu rosto.
- Tá vendo. Até me irritando você me ajuda. Se não fosse por isso, a pedra rubi não reagiria.
Ele riu.
- Tem certeza?
- Claro. Só em você estar presente, mesmo apenas em um sonho, já me sinto mais forte. Falei me aproximando.
- Assim vou ficar convencido. Disse ele com um sorriso, mas em seguida fez uma careta de dor.
Notei que ele suava bastante e seu rosto estava vermelho.
- O que foi, está machucado? Indaguei preocupada.
Ele escondeu a mão direita nas costas discretamente.
- Estou bem. Respondeu sem passar veracidade alguma.
- Me mostra sua mão direita. Pedi estendendo a mão.
- Pra quê?
- Me mostra logo. Exigi.
Devagar ele tirou a mão das contas ainda fechada.
- O que tem na mão?
- Nada.
- Andrês!
Ele estragou a língua.
- É a lapis rosea, a pedra que Linus me deu. Contou.
- Deixa eu ver? Pedi.
- Está bem, mas não a pegue. Se eu soltá-lá, acordarei. Avisou.
Ele abriu a mão devagar. Ali uma pequena pedra rosada se acomodava.
A toquei levemente e fui surpreendida por sua temperatura absurdamente alta.
- Aí, ela está muito quente. Não doi?
Ele desviou o olhar.
- Ergui um pouco a pedra e vi que bolhas já estouradas cobriam sua palma.
Ele afastou a mão de mim.
- Andrês solte isso. Pedi horrorizada.
- Se soltá-lá acordarei e teremos que nos separar. Avisou.
O abracei fortemente. Também não queria deixá-lo ir.
- Podemos nos encontrar de novo outra hora. Afirmei.
Ele me olhou por alguns instantes.
- Ok, mas antes.
Ele se inclinou e me beijou longamente. Enquanto fazíamos isso, ouvimos um crek.
Olhamos para sua mão, a pedra havia rachado.
- Andrês. Balbuciei ainda em seus braços.
- Acho que teremos que encontrar outro meio de nós vermos...
De repente, ele desapareceu de meus braços e eu fiquei só.

O Filho Do Rei Das Sombras - Contos Dos Medium Fairy. Em PausaOnde histórias criam vida. Descubra agora