Nix

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*Ariana

Os olhos da pequena senhora se arregalaram quando meus longos cabelos negros se espalharam sobre meus ombros.
- E tem mais. Acrescentou o príncipe puxando alguns fios para trás para que minhas orelhas humanas ficassem expostas.
A senhorinha cobriu a boca com a mão em espanto.
- C-como? Guaguejou a senhorinha sem tirar os olhos de mim.
Constrangida abaixei a cabeça. Parecia que eu era um ser de outro planeta.
Se bem que para eles era quase isso.
- É uma medium fairy, Aloe. Disse Lyoneel empolgado.
- Isso eu já entendi, mas onde a encontrou? Por acaso quebrou o decreto real e foi até Aurór Sul? Questionou a anã, olhando com desconfiança para o monarca.
- Infelizmente não. Sabe que seria impossível para o filho do rei das sombras deixar o reino sem que meu pai não o soubesse. Na verdade a achei aqui mesmo, em nosso domínio, no meio da alva neve. Acho que ela deve ter se perdido na nevasca de ontem. Explicou o príncipe segurando meu ombro.
- Mas é impossível alguém atravessar a fronteira mágica que envolve Aurór Norte sem a devida autorização do rei. Disse senhora.
- Bom, pelo jeito não é tão impossível assim. Disse o príncipe caminhando até a cama.
Ele se sentou sobre o colchão com intimidade.
- Na verdade Aloe, ela está sofrendo de deslembrança. Contou Lyoneel.
- Isso é verdade? Questionou-me a senhora.
Confirmei com um gesto de cabeça.
- Pelo menos é o que ela diz. Interrompeu Farry.
- É a verdade! Retruquei ofendida.
- Eu acredito nela. Disse o príncipe com um sorriso descontraído.
Farry fez uma careta de desgosto.
- Se o jovem mestre acredita, eu também acreditarei. Disse a senhora abrindo um sorriso afável.
- Obrigada. Sussurrei.
De repente uma careta de pânico se moldou sobre o rosto sorridente da anã.
Ela correu até o príncipe e tomou uma de suas mãos nas suas.
- Por quê a trouxe aqui vossa alteza? Ela deve ser levada imediatamente a presença do rei. Disse ela aflita.
- Para quê? Para ele tortura-la até a morte? Se ele a tivesse nas mãos, ela seria taxada de espiã sem direito a defesa. Falou o príncipe me olhando com compaixão.
- Mas se ela não se lembra, pode muito bem ser uma espiã. Insistiu a senhora.
- Mas pode também não ser. Eu não acredito que ela tenha as qualificações para tal.
- Mas jovem mestre, ela pode estar te enganando. Se seu pai descobrir que a escondeu, vossa alteza será considerado um traidor. Pode ser até preso e perder o direito ao trono. Então é melhor entregá-la.
O rosto do príncipe se tornou rubro.
- Eu não vou entregá-la e está decidido! Bradou o príncipe se soltando da senhora com um safanão e se pondo em pé em fúria.
A senhora cambaleou antes de se apoiar na cama.
- Ninguém vai contar da presença dela a meu pai! Ordenou ele com autoridade.
- Sim meu príncipe. Concordou Farry submisso.
- Eu só... Eu só temo pelo seu futuro, vossa alteza. Disse a velha senhora sem olhar para o príncipe.
O rosto de raiva do príncipe se derreteu, dando lugar a uma expressão de ternura.
Lentamente ele se abaixou diante da senhora.
- Aloe não se preocupe. Apenas confie em mim. Meu pai não vai descobrir. Garantiu Lyoneel.
- Tudo bem. Vou confiar na sua intuição. Cedeu a senhora com um sorriso.
- Mas vou precisar da sua ajuda. Precisamos tornar Nix uma de nós. Pelo menos na aparência.
- Claro que eu ajudo. Devemos talvez, mudar primeiro a cor do cabelo. Disse me olhando analiticamente a anã.
O príncipe se levantou.
- E não podemos esquecer das orelhas. Completou o príncipe.
- Talvez se usassemos um encanto de transformação. Comentou Farry.
- Mas só dura vinte quatro horas. Teríamos que renová-lo constantemente. Descartou o monarca.
- Posso muito bem mudar a cor do cabelo dela com uma mistura de planta. Opinou Aloe.
- É uma boa idéia Aloe. E quanto a orelha? Indagou o príncipe.
- Estou tendo uma idéia. Disse Aloe tocando a cabeça.
- É... Interrompi sem jeito.
- Diga Nix. Incentivou o príncipe.
- Talvez eu devesse ir embora. Desde que minha presença aqui é incoveniente para todos e esconde-la vai dar muito trabalho. Comentei.
- O que está dizendo Nix? Você não pode ir. Disse o príncipe.
- Exatamente. Como podemos deixá-la solta pelo nosso reino. Desde que te achamos e vossa alteza decidiu não lhe entregar, temos que manter os olhos em você. Afinal, nem você nem nós sabemos quem és de verdade. Disse Farry.
- Tipo... Eu sou uma prisioneira? Lyoneel se aproximou e abraçou meu ombro.
- É para sua própria segurança e para a nossa. Disse o príncipe me fazendo sentar na cama.
- Eu entendo. Respondi.
Eu realmente podia entender seu ponto de vista. Como eu podia garantir-lhes que não era uma espiã se nem mesmo me lembrava de quem eu era?
- E também para onde você iria? Continuou o príncipe.
- Você tem razão. Concordei.
- Não o chame tão informalmente. Repreendeu-me Farry.
- Me desculpe. Tem razão sua alteza. Corrigi.
O príncipe sorriu divertido.
- Aloe deixo ela em suas mãos. Infelizmente tenho um treino que não posso faltar. Informou o príncipe.
- É verdade. Vosso pai vai estar presente. Comentou Farry.
- Me pergunto o que ele quer? Faz anos que não comparece a um de meus treinos. Disse o príncipe pensativo.
- Soube que nosso embaixador recebeu uma mensagem de Aurór Sul. Deve ter alguma relação com isso. Comentou Farry.
- Sabe do que se trata? Questionou o príncipe.
- Não. O embaixador só informou a vossa a majestade, o rei. Contou Farry.
- Então com certeza é por isso que ele vai ao meu treino. Por que ele não pode me contar como um pai normal? Disse o príncipe pensativo.
- Deve estar aborrecido por vossa falta no jantar de antes. Opinou Farry.
- Acho que você tem razão. O velho quer me dar uma lição de moral antes de me contar o que quer que tenha vindo a saber. Indiguinou-se o príncipe.
- Então é melhor ir. Não deixe seu pai aborrecido. Recomendou Aloe empurrando a perna do príncipe. Unico lugar que alcançava, devido a seu tamanho diminuto.
- Vou deixar a transformação de Nix com você, velha Aloe. Disse o príncipe afagando os fartos cabelos brancos da anã, soltando alguns fios de sua longa trança.
- Pode deixar comigo. Garantiu a senhorinha.
- Até mais tarde Nix. Despediu-se o príncipe.
Dei um aceno em resposta.
Farry abriu a porta e os dois sairam juntos.
Aloe se virou para mim.
- Me diga, você perdeu mesmo suas lembranças? Questionou a senhora.
- Sim. Respondi tímida diante do olhar severo da senhora.
- Espero que não esteja mentindo. Disse ela.
- É verdade! Garanti com um tom de desespero na voz.
- Por agora vou acreditar.
Respirei aliviada.
- Você não se lembra de nada mesmo? Questionou a anã.
- Sim. Eu me lembro da Terra, mas é como se eu visse um filme o qual eu não participo. Lembro como tudo funciona lá, porém nada relacionado a minha vida. Tampouco sobre esse lugar chamado Aurór Sul. Contei olhando para minhas mãos.
- Isso é estranho. Se fosse a doença da deslembrança, você não lembraria de nada. Analizou a senhora.
- Foi o que o príncipe me disse. Ele também falou que eu posso ter sido vítima de algum tipo de encanto.
A senhora me olhou por alguns segundos e depois arrastou uma cadeira até o meio do quarto.
- Sente-se. Pediu.
Observei a cadeira pequena que parecia ser feita para criança.
- Mas e tão pequena. Deixei escapar.
Aloe me olhou de cima abaixo me deixando constrangida.
- Você não é tão grande assim. Sente-se. Pediu novamente.
Ainda contrariada, levantei da cama e me ajeitei na cadeirinha desconfortável.
Aloe pegou uma espécie de caixote e posicionando atrás de mim, subiu nele.
Senti uma dor aguda quando Aloe tocou no galo em minha cabeça.
- Ai! Reclamei.
- Não há dúvidas que você levou uma pancada na cabeça. Comentou.
- Isso eu já sabia. Falei alisando o local dolorido.
Aloe desceu do caixote.
- Tire o casaco. Obedientemente fiz o que ela ordenou.
Vestia um vestido leve por baixo.
- É um vestido de ótima qualidade. Comentou ela.
Depois andou ao meu redor. De repente parou e agarrou meu braço.
- É isso! Disse animada.
- O quê? Questionei olhando para trás.
- Há uma pequena perfuração. Você deve ter sido atingida por agulha enfeitiçada.
Olhando com cuidado identifiquei um minúsculo ferimento.
- Por quê alguém faria isso? Murmurei entristecida.
- Devem ter algo contra você. Comentou.
Concordei com a cabeça enquanto mordia os lábios infeliz.
- Bom, temos que mudar sua aparência. Vou pegar os ingredientes necessários. Espere aqui. Não saia e não abra a porta. Recomendou com a mão na segunda fechadura que era da sua altura.
- Ok. Concordei.
- De qualquer jeito, vou trancar a porta só por garantia. Avisou.
Assim que ela saiu, me levantei do assento desconfortável. Caminhei pelo quarto e parei em frente a penteadeira. Abaixei para me olhar no espelho.
Na imagem, uma moça de pele branca, cabelos negros e olhos azuis me olhava de volta.
- Essa sou eu. Não, essa é minha imagem física, mas quem sou eu de verdade? Indaguei passando a mão sobre o rosto.
Um pequeno colar com pingente azul em forma de coração, chamou minha atenção.
Tirei-o do meu pescoço e observei em minhas mãos. Parecia ser uma safira.
Virei o pingente na palma da mão. Algo estava escrito ali.
Procurei a luminosidade da janela.
Eu via a escrita, mas não conseguia lê-la. Talvez esse encanto que puseram em mim estivesse me privando de ler o pingente, porque esse tinha algo escrito sobre a minha identidade.
Fiquei ainda um tempo observando a jóia. De algum modo eu sabia que ela era importante para mim.
Um barulho na porta me tirou de meus desvaneios.
Coloquei de volta o colar no pescoço. Meu instinto me dizia para não contar a ninguém.
Aloe entrou trazendo um saco de couro.
- O que está fazendo?  Questionou ela fechando a porta.
- Ah... Estava apenas tomando um ar. Disfarcei.
- Por sorte achei todos os ingredientes no estoque para poções. Disse ela colocando os vidros e folhas sobre uma mesa de madeira.
Aloe colocou diversos ingredientes em uma espécie de pilão e amassou até formar uma pasta amarelada.
- Isso vai mudar a cor do seu cabelo. Contou.
Me sentei na cadeira.
- E como tinta, né? Indaguei.
- Mais ou menos. Respondeu subindo no caixote.
Com destreza, ela passou a mistura em meus cabelos.
- Agora temos que esperar um pouco. Avisou.
Depois ela começou a fazer uma espécie de massa rosada.
- O que é isso? Indaguei curiosa.
- Suas orelhas. Respondeu com um sorriso divertido.
- Hã? Como assim? Perguntei em confusão.
- Mas específicamente, a ponta de suas orelhas. Disse moldando algo pontudo.
- Ah, você quer dizer as pontas iguais a dos faes. Mas como vai colocá-las em minhas orelhas?
- Vou cola-las com isso. Revelou tirando um pequeno vidro com um liquido branco brilhante
- Cola mágica. Tem uma duração de quinze dias e não sai com água. Informou balançando o recipiente.

Depois de lavados os meus cabelos e coladas as pontas das minhas orelhas, me olhei no espelho.
A garota que me olhava de volta, tinha os cabelos dourados e orelhas pontudas. Aquela imagem não me causou tanta estranheza, era como se eu já tivesse sido loura. Um nome me veio a mente: Lorana. Mas eu não achava que esse fosse o meu nome. Talvez uma conhecida...
- O que achou? Perguntou Aloe.
- Diferente. E essa prótese não sai? Perguntei tocando minha orelha.
- Não durante quinze dias respondeu puxando as próteses junto com minha orelha.
- Ai. Reclamei.
- Viu? Disse ela soltando-as.
- Senti.
Aloe desceu do caixote e pegou um vestido marrom escuro.
- Esse é um vestido usado pelas servas do castelo. Mostrou.
Me despi do meu vestido e das luvas e coloquei o vestido que Aloe me dera. Era quente e confortável.
Aloe trançou meus cabelos com cuidado.
- A partir de agora você é Nix. Uma camponesa do interior da cidade de Tura, a menor e mais distante cidade de nosso reino. E será a serva pessoal do príncipe.

O Filho Do Rei Das Sombras - Contos Dos Medium Fairy. Em PausaOnde histórias criam vida. Descubra agora