Capítulo 47 - Raiva (DANIEL) parte 3

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     Chorei como um bebe por quase dez minutos, e os olhares que me lançavam entre um soluço profundo e a tentativa de limpar o catarro que escorria na manga incessantemente, só confirmava que em algum momento todos tinham desabado também, seja em publico ou escondido.

     Nenhuma tentativa de consolo.

     Eles sabiam que não valia a pena tentar.

     Com os quartos lotados, dormindo amontoados uns aos outros, em busca de consolo e de algum calor de um mundo real, me colocaram para dormir na sala, em um dos sofás, dividindo o comodo com Yeva.

     Tinham colocado alguma coisa parecidas com cortinas nas janelas, uma tentativa um pouco falha de resgatar alguma segurança que antes tinham naquele lugar.

     O mundo parecia em câmera lenta, mas o relógio passava tão rápido que me perguntava como aquilo era possível Sentia o mundo girar, o suor escorrendo pelos nós dos dedos e pela nuca, a expressão vidrada em um ponto no tapete, mas os ouvidos captando até os ruídos da cafeteira do Reinald's. Os passos no corredor da casa gritavam na minha mente, fazendo cada nervo ficar alerta, cada poro alheio ao ar em volta.

     E eu sabia perfeitamente que precisaria disso agora.

     Sabia com toda a certeza, que precisaria analisar cada canto das salas que entrasse, ver e reparar se havia poeira no ar, nas prateleiras e utensílios, sopesar cada palavra dita e ouvida, sentir as mudanças nos tons das conversas,  do ar, e ouvir se os passos no corredor estavam a 100 ou 150 metros... Perceber intensões, índoles, referências de idade. Precisaria medir o que estava disposto a perder, se conseguisse um milésimo de percepção do N.E.I.C.O.G.O.Z.

     Não poderia mais ser uma criança, agir como uma criança, pensar e ver o mundo como uma. Sorrir, poderia ter consequências, coisas a perder. As coisas que fiz, que pensei, o que passei, os dias em que prometia silenciosamente antes de dormir, nunca deixar de ver o mundo sorrindo...

     Promessas quebradas. Infundadas. Quase vindas de uma pessoa estranha, irreal. Não se pareciam em nada com o que eu era agora, com o que precisaria me tornar agora.

     A madrugada passava rápida, fria, mas alheia a cada palavra murmurada nos fundos da casa, a cada lufada rara de vento que passava por nós.  Ainda vidrado com um ponto na parede, uma manta quente sobre os ombros, eu ouvia passos descendo as escadas a cada meia hora. Rápidos e firmes. Não são nada como o de um simples morador assustado e com insônia. Uma vigília, monitorando cada passo.

     Sopesei o que deveríamos demonstrar.

     Yeva dormia pesadamente, os suspiros profundos, altos e condensados. O resto da casa em um silêncio obscuro. Mesmo sem sono algum, me obriguei a fechar os olhos, relaxar a expressão e respirar pesadamente.

     Dormindo. Não observando. Dormindo.

     Mesmo que eu não tivesse pregado os olhos ou sequer relaxado um momento, naquela maldita noite.

     As luzes subiram nas ruas. Os sussurros se tornaram um burburinho ao longe. Incrível, como antes eu nunca tinha ouvido, percebido essas vozes, esses sons. Como o zumbido das lampadas parecia alto demais, como a eletricidade parecia visível, mesmo passando dentro das paredes. Me peguei imaginando de onde aquela eletricidade realmente vinha.

     O silêncio preenchia meus passos, furtivos, enquanto caminhava até a pequena cozinha. Clara estaria ali antes de mim, se tudo estivesse normal. Mas não estava.

     Fiz café, sentindo o cheiro quente se espalhar pelo pequeno e depressivo apartamento. A água borbulhante fazia meus ouvidos borbulharem também, enquanto observava o liquido escuro escorrer pelo filtro. Passos no corredor denunciaram uma Melissa ainda mais irritável, e uma Tia Marina de sorrisos tristes.

Gêmeos Contra O Apocalipse Zumbi (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora