Capítulo 2

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Eu vou confiar

– Demorou quarenta minutos – assim que passo pela sala a vovó grita

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– Demorou quarenta minutos – assim que passo pela sala a vovó grita. Ela nem precisou me ver para saber que era eu quem entrava.

– É sério que a senhora está vigiando o relógio? – ri e me joguei no sofá.

– Sim, eu estava. Meninas nessas idades têm de procurar namorados e diversões, já você não esta fazendo parte desse grupo. Então eu preciso me manter informada sobre o quê é que você anda fazendo.

– Ah vovó! – digo me levantando e indo vê-la na cozinha.

– Você me deixa preocupada Líli. Deveria estar sendo uma adolescente normal, indo para festas, saindo com as outras garotas, trazendo eles para casa.  Devia se preocupar menos com as outras pessoas, e aproveitar a juventude.

– Eu não vou e não quero fazer isso. Não quero sair por ai beijando garotos descompromissada, não quero fazer besteira com o meu tempo livre. Eu quero esperar o momento certo para tudo, e enquanto ele não chega, eu só quero ajudar as pessoas e sonhar os meus sonhos.

– Você ainda esta com aquela história de ser uma garota de Deus? – ela se afasta e me olha com um mix de deboche e decepção. – Filha, não fica esperando que Ele vá fazer alguma coisa por você. Ele não vai mandar um garoto do céu, e nem muito menos fazer suas mágicas. Deixa de ser boba e comece a se agitar. 

– Vó? – chamo sentindo meus olhos lacrimejar com seu conselho que desrespeitava a minha fé e a pessoa de Jesus.

– Você é linda Líli, se parar de agir dessa maneira vai encontrar o amor da sua vida facilmente.

– Mas a senhora não entende que não é sobre fazer com facilidade? Não deboche da minha fé, e nem das minhas escolhas – digo afastando suas mãos do meu rosto. – Eu não quero ser uma garota normal, eu sou e quero ser ainda mais diferente. E tudo que eu preciso é de um piano para a minha juventude ser divertida e muito bem aproveitada, mas a senhora já deixou bem claro que isso está fora de questão.

– Líli, o que aconteceu com você em? Eles fizeram mesmo uma lavagem cerebral em você, e olha só? Está irreconhecível, me tratando mal e ainda querendo gastar o nosso dinheiro com futilidades.

O maior pesadelo para mim começa quando os lábios dela tremem, os olhos vacilantes encaram os meus com desgosto e ela se afasta. Eu odiava quando a vovó agia comigo daquela maneira, e o pior; ela só vazia isso porque sabia o quanto me sentia culpada. Somos só nós duas aqui, temos que ficar bem, mas toda vez essa conversa acaba mal. Alguém sempre sai primeiro, e dessa vez foi ela.

Respiro cansada e subo para meu quarto pensando em como a vovó foi tão boa para mim a vida inteira. É engraçado como mesmo quando a gente tenha opiniões diferentes, nós damos a vida uma pela outra. Meus pais morreram muito cedo, e eu nem tive a chance de saber como é viver com eles. Mas a vovó, ela fazia questão de me fazer sentir uma criança normal com uma vida sobre controle. Ela me mimou muito bem, e me fez acreditar que eu poderia alcançar tudo que eu desejasse. Porém o que eu não entendo é o fato dela não querer fazer por mim agora, o que ela fez durante minha vida. Parece que toda vez que decido fazer algo colocando em primeiro lugar a obra de Deus, tudo desanda. 

Preciso abrir um parêntese aqui para destacar que quando digo “a obra de Deus” eu não estou me referindo a trabalhos manuais ou braçais. Fazer a obra de Deus quer dizer dar minha vida em prol do ministério. É dedicar tempo e esforço fazendo voluntariamente trabalhos que ajudaram as pessoas. É mesmo que fazer tudo que estiver ao seu alcance por amor a uma vida. Agora já pode fechar parênteses e encarar a realidade dos fatos; a vovó só não quer me dá um piano porque ela sabe que vou fazer grandes coisas através dele. Pelo jeito assim; tudo que é para Deus acontece com dificuldades.

Acendo a luz do abajur e me sento da beirada da janela do meu quarto

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Acendo a luz do abajur e me sento da beirada da janela do meu quarto. Olhar a rua dali de cima era uma das minhas manias. Na infância e no inicio da minha adolescência eu ficava ali imaginando que talvez algum dia e hora a mamãe e o papai viesse aparecer. Talvez eles dissessem que havia acontecido um engano, e que agora eles estão bem e de volta ao lar. Mas como já sabem isso jamais aconteceria.

E agora, mesmo já sendo uma garota crescida que aceitou e superou os fatos, eu continuo sentando nessa janela e sonhando com meu piano.

– Ei, você ai em cima – ouço alguém gritar. Olhei para baixo e lá estava o mesmo garoto de bicicleta de mais cedo.

– Oi. Você de novo – respondi sentindo meu coração como um disparate. – Que grande coincidência, em?

– É, parece que dessa vez você precisa ouvir que vai dar tudo certo, no tempo certo.

Salto da janela e coloco minha cabeça um pouco mais para o lado de fora.

– O quê? – grito de volta.

– Provérbios, capítulo três e verso seis. Você sabe bem o que fazer. – Ele deu um aceno com a mão e subiu na bicicleta. – Vejo você por ai.

E assim, ele dobrou a esquina e foi embora. Eu continuo ali olhando para onde ele estava antes, depois acabo pegando minha bíblia e abrindo onde ele falou. As palavras ali são bem claras, diretas e objetivas.

“Reconheça o Senhor em todos os seus caminhos, e Ele endireitará as suas veredas.”

Perco-me na força das palavras ditas por Salomão. Fecho meus olhos e repito cada palavrinha de maneira que Deus pudesse sentir o tamanho da minha devoção em relação a Ele. Sinto meu coração em chamas quando entendo que aquele versículo é o mesmo que; entrega toda a sua vida a Deus – e descanse -, porque somente Ele sabe o que é melhor para nós hoje e amanhã. Ele diz; não fiquem preocupados com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã trará as suas próprias preocupações. Para cada dia bastam as suas próprias dificuldades (MT. 6:34).

 6:34)

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