Primeiro dia de aula
Eu consegui sair do hospital dois dias depois do ocorrido. O médico aumentou minhas dosagens de remédios, anunciou o início da quimioterapia e nós concluímos que ficarei careca.
Hoje é o primeiro dia de aula - já que os outros foram adiados. Com a mochila nas costas, horários em mãos eu estou caminhando pelo extenso corredor do Colégio Santo Agostinho ao lado da diretora. Alguns alunos me encaram, outros ignoram minha presença. Eu sigo constrangida, vez ou outra coloco a mão sobre o nariz. Ele dói por causa das pequenas feridas e do pequeno curativo o pressionando.
- Está entregue - diz a diretora com um sorriso bonito. - Entre e sinta-se a vontade.
Pensei comigo: isso é impossível minha querida. Mas eu nada disse, mas sorri.
- Entre novata, seja bem vinda e apresente-se a turma.
Olhares atentos me fazem apertar a alça da mochila. As garotas não poupavam de me analisar da cabeça aos pés. Sinto-me aliviada por estar escondida dentro de uma calça jeans larga, all star branco, camiseta preta e por cima um moletom cinza.
- Me chamo Líli Maciel, tenho dezessete e vim da cidade de Bom Despacho - digo diretamente. Minha voz rouca e nada acanhada ecoa pela sala.
- Sente-se ali e fique a vontade - diz o professor.
Sentei-me na última cadeira da quinta fileira. Ao lado direito tinha um garoto de rosto familiar, a minha frente uma garota de cabelos curtos e castanhos. Sorri fraco quando os dois olharam pra mim e depois prestei atenção na aula. Em um dado momento esqueci completamente de que eu estava em outra cidade, em outra escola, cercada de outras pessoas. Eu senti saudades dos rostos conhecidos, do Greg... Como sentia falta das piadas bobas que ele gostava de contar, e das tardes tocando piano na sala. Uma lágrima do meu rosto rolou.
As aulas formas legais, suportáveis. Fiquei com o coração acelerado quando descobri que eles tinham aula de música. Naquele momento senti que poderia valer apena estudar ali. Eu ficaria feliz se eu sobrevivesse.
No intervalo me sentei afastada da multidão e comi minha maçã. Aqui a comida não era de graça, e eu tinha dinheiro para me alimentar, só não tinha fome.
- Posso sentar contigo?
Viro-me e vejo o garoto com uma bandeja cheia de comida. Estreito os olhos.
- Senta aí.
- Ainda bem que não demorou a falar, isso aqui está meio pesado - diz dando risada de si mesmo. - Você é a Líli, né?
- Isso mesmo.
- Eu sou o Leonardo, pode me chamar de Léo.
- Satisfação, Léo - digo com um balaço de cabeça. - Estuda aqui há muito tempo?
- Desde o fundamental, e acredite, é um saco ficar tanto tempo no mesmo lugar - ele ri outra vez. - Você é nova na cidade também?
- Estou aqui há um mês e uns dias.
- Não gosta daqui? - ele deu uma mordida grande no seu hambúrguer enquanto eu analisava a pergunta. Ele terminou de mastigar e eu ainda estava pensando sobre. - Que tal você me contar sobre você, suas ambições, o porquê de você ter vindo pra cá?
E eu poderia levar mais tempo ainda para pensar se eu deveria ou deixa-lo saber sobre mim. No final eu sabia que queria saber dele tanto quanto ele estava curioso sobre mim.
- Você podia começar, já que a proposta é sua - ri tentando conter minhas emoções.
- Ok trapaceiro - ele empurrou meu ombro e gargalhou. Eu ri meio tímida, ele é bem solto. - Meu sobrenome é Motta, e a galera costuma me chamar de Léo Motta.
- Você gosta?
- Sim, é legal. Eu acabei de fazer dezoito anos, amo Jesus. Aproveito toda e qualquer oportunidade que tenho para cantar e tocar alguma coisa. Minha família é tradicional, meu pai é pastor e minha mãe trabalha publicando os livros da igreja. Minhas cores prediletas são verdes e brancas. Gosto de ler e de comer besteira como pode ver.
Ele ri e dá outra generosa mordida no hambúrguer. Eu ri bastante porque ele acabou se sujando todo.
- Líli Maciel, dezessete, órfã de pai e mãe. Minha avó e eu tivemos que nos mudar pra casa da minha irmã por causa de umas complicações. Minha cor favorita é azul marinho, mas ultimamente tenho usado bastante a cinza. Gosto de ler e escrever, sou apaixonada pela música, inicialmente quero aprender a piano e planejo futuramente viver de música.
- Maneiro Líli. Você frequenta alguma igreja?
- Essa pergunta é complicada - procuro minha garrafa de água e dou uma bicada. - Você tem irmãos?
- Tenho uma irmã, ela é mais nova e se chama Sara. Mas não mude de assunto.
- Desculpa, mas eu não quero falar sobre isso.
- Eu acho que já te vi em algum lugar. Você já me viu?
Eis ai a mesma sensação que eu tive desde o primeiro instante.
Alguém arrisca dizer de onde o Léo conhece a Líli?
Façam suas apostas (eu sei que vocês querem haha)
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Encontro Com Ele
Espiritual"Tudo está ligado à um propósito único e singular." Você já se encontrou com alguém? Se sim. Como foi a experiência? Imagino que seja incrível quando ficamos junto de pessoas que amamos. Mesmo que depois fique chato, e que a gente queira se esquecer...