CAPÍTULO 5

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Era incrível como tudo poderia mudar, do dia para noite. Literalmente.

E não de um jeito bom.

Eu não conseguia entender o porquê, punição divina? Destino? Nada parecia bom o suficiente para justificar. Ver em questão de minutos a sua vida mudar tão completamente, todos os planos e mesmo os devaneios antes de cair no sono, era desesperador.

Em toda a minha vida, eu não havia lutado por muita coisa, e foi justamente por isso que o sentimento pesou. Mas pensar nos "eu deveria ter" não mudaria os fatos. Depois que eu pude assimilar o que seria melhor para todos aqueles ao meu redor e decidi que ir com Gustavo, seja lá para onde ele for, era minha melhor decisão. Ele prometeu me ajudar, me manter segura enquanto eu ainda estivesse em solo brasileiro.

Ele era a minha opção mais segura, apesar de ser a menos confiável. 

Como ele nos tiraria daqui, ou quando, eram coisas que eu não queria saber, então não fiz questão de perguntar. Muitas vezes eu pensei que poderia está trocando um demônio por outro, indo com ele, mas ao menos Gustavo era um demônio que eu já tinha visto a face.

E de qualquer forma, ambos os caminhos poderia da no mesmo fim.

Caminhei lentamente pela rua escura e vazia, passando pelas construções enormes que eram engolidas pelo céu negro, um carro ou uma moto passava por mim de vez em quando, e eu seguia a passos lentos e cambaleantes para casa.

Se eu estava parecendo uma bêbada? Com certeza, uma bêbada que acabou de ser expulsa do bar.

Eu tinha semeado o caminho para esse fim com muito cuidado, havia engolido minhas lágrimas, minhas lamentações, e me dedicado a agir normalmente, aproveitando uma longa e dolorosa despedida calada. Minhas notas que já eram boas ficaram ainda melhores nas semanas que se passaram depois daquela noite, e uma bolsa de estudos para fazer intercâmbio em Paris foi oferecida a mim.

Quem nunca quis ir a Paris, não é mesmo? Continuei caminhando, concentrada em meus pés para seguirem numa linha reta quase perfeita. A chance de uma vida, como minha mãe havia comemorado quando mostrei a carta de aprovação para o intercâmbio, e o convite para uma universidade parisiense que eu nem ao menos sabia falar o nome.

Era certo que eu não iria para uma universidade em Paris realmente, mas para onde eu iria então? Para onde ele me levaria? Olhando para trás agora, para um passado próximo, que parecia tão distante, eu percebi como a vida tinha ido embora sem sequer avisar.

Esse tipo de coisa não deveria acontecer de verdade.

Tirei minha jaqueta jeans com um movimento rápido, a caminhada estava me deixando com calor, e senti o vento frio arrepiando meus pelos. Entrei na rua que finalmente me levaria para casa, era minha última noite aqui.

Olhei todas as casas enquanto eu caminhava, eu morava na mesma casa desde onde eu podia me lembrar, conhecia todas as pessoas que viviam naquela rua - desde os mais idosos até os mais novos -. Eu jantei na casa de muitos deles, passei tardes inteiras correndo com os filhos de alguns, briguei com outros... todas as lembranças que um único lugar me trazia.

Eu iria sentir falta deles. Manu tinha razão eu deveria ter vivido mais, ter aproveitado mais. Deveria... Deveria... Deveria ter feito tudo o que não fiz.

Em algum lugar no bairro, um som estava ligado alto demais, e eu podia ouvi-lo de onde eu estava. Soltei a respiração que estava prendendo quando parei em frente a minha casa e apenas fiquei ali por longos minutos, colocando aquela imagem na memória. A fachada era azul, meu padrasto pintou a casa antes do natal do ano passado, as portas e janelas eram brancas e a pequena varanda tinha plantas penduradas no teto.

Tudo bem, não era uma grande casa, mas era a minha casa. Era ali onde viviam as minhas melhores lembranças, onde vi meus irmãos crescerem e seguirem com suas vidas.

Entrei em casa e fui caminhado devagar até meu quarto, ele era azul como o céu ao meio dia, cheio de nuvens grafitadas até no teto. Fiz meu padrasto pinta-lo assim depois de assistir a um filme do qual não lembro mais o nome, me deitei, eu iria sentir falta do meu lençol vermelho e do meu colchão duro, ri comigo mesma e fiquei olhando o teto. Rir para não chorar como costumavam falar.

— Por quê? Por que comigo? - perguntei a Deus, quem sabe ele não me respondia.

A noite foi longa e silenciosa, sem nenhuma resposta divina.

Sai da cama cedo, não estava com sono, não dormi. Passei toda a madrugada me preparando mentalmente para dizer adeus aos meus pais.

Durante toda a manhã eu me senti afogada na minha própria aflição. Eu lembro que houveram muitas despedidas, muito choro e muitos conselhos, que houve muitos beijos, abraços e sorrisos, lembro de entrar num táxi para ir até o aeroporto. Lembro de sentir as lágrimas caindo e uma música barulhenta explodindo em meus ouvidos.

Mas em algum momento entre tudo isso, eu me perdi de mim mesma.

O litoral nordestino era um dos lugares mais bonitos do mundo, aquela imensidão azul calma, a brisa salgada, a praia deserta, os pássaros indo e vindo. Desci do táxi tirei minhas sapatilhas e caminhei pela areia branca e quente, até esta totalmente isolada, apenas meus pensamentos gritando dentro de mim mesma.

Abracei meu próprio corpo próxima à água e fiquei olhando fixamente horizonte, apreciando a paz daquele lugar, as ondas iam e voltavam em um tempo ritmado, a brisa passava por mim suavemente como se soubesse da minha despedida, pensei em tudo o que estava ficando para trás, pensei em todos que seguiriam suas vidas sem mim.

Senti meus olhos arderem, infelizmente não era uma consequência da brisa salgada, mas me recusei a permitir que as lágrimas caíssem. Eu queria gritar com Deus, com o mundo, fazer birra, mostrar o quanto eu me sentia injustiçada. Mas de quê adiantaria?

— Quase achei que tivesse fugido. - a voz de Gustavo foi uma surpresa, mas não me virei, não confiava no meu controle de emoções no momento.

Não era inteligente eu sei, mas eu quase o considerava como um amigo, por mais distorcido que as coisas pudessem ser.

— Achei que você soubesse, - eu respondi forçando um tom de gozação. — Não gosto de parecer covarde.

Talvez, ele fosse sim um amigo. Eu não tinha mais nada, aceitaria isso por enquanto.

— Covardia com certeza não combina com você. - ele parou ao meu lado.

Assim como eu olhou para o céu azul e sem nuvens, sentindo o vento salgado, as mãos nos bolsos da calça como se não houvesse problema nenhum, como se não existisse estresse.

Suspirei.

— Vamos?

— Depois de você. - ele falou e agitou a mão para nosso caminho de volta.

Então dei as costas para o sol, para o Atlântico, para o meu país e a minha vida.

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