Capítulo 11

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Como esperado recebi a visita da assistência social e realmente achava aquilo tudo uma perca de tempo. Sentei em um sofá com Salem no colo, enquanto a psicóloga de roupa social sentou no outro. Ela nem fez questão de disfarçar que estava medindo minha casa e tudo dentro dela.

- Bom Jasmim, meu nome é Hellen. Sou psicóloga da assistência social e vou acompanhar seu caso. – Como não disse nada, ela continuou, enquanto colocava uma mecha de seu cabelo loro atrás da orelha. – Estou aqui para ajudar e não para atrapalhar em nada, só queremos entender o que vem ocorrendo com você. – "Entra na fila" respondi mentalmente.

Ela retirou de sua pasta, um bloquinho e caneta, tão clichê que chegava a ser patético, mas precisava me controlar e fazer com que ela saísse do meu pé.

- Comece me contando alguma coisa... Qualquer coisa que queira partilhar comigo. – "Não quero partilhar nada com você" era o que eu queria responder, mas não podia.

- Este é o Salem. – Apontei para minha bola de pelos preta, que esboçou um "miau" fraco.

- Você sempre teve animais de estimação?

- Não, é a primeira vez.

- Entendo. Você o ganhou de seu pai?

- Não, o achei há pouco tempo... Na rua – "Em um motel para ser mais exata", sorri mentalmente ao imaginar a cara dela, ouvindo minha resposta mental.

- E como seu pai reagiu, com a vinda do Salem para cá?

- Bem. Mas comecei a trabalhar na recepção de uma academia para sustenta-lo. – Porque tinha contado isso? Essa mulher era perigosa, em segundos me fez contar algo que deixou meu pai de vilão aos seus olhos.

- Certo. Isso foi ideia do seu pai?

- Do meu namorado. – Ela ergueu uma sobrancelha. – Meu pai disse que eu precisava ter responsabilidade e, portanto se queria um animal devia sustenta-lo, meu namorado Gabe, sugeriu que eu fosse trabalhar meio período em sua academia... Quer dizer academia da sua família. – Terminei a frase já meio nervosa e definitivamente falando mais do que deveria.

- E você está gostando de trabalhar lá?

- Sim. – Ótimo Jasmim, de tagarela a monossilábica.

- Como é a sua relação com esse seu namorado...

- Gabe. O nome dele é Gabe.

- Gabe... – Seus olhos pretos estavam me causando certo incomodo.

- É ótima.

- E sua relação com seu pai?

- Normal.

- Pode me definir, o que é normal para você? – Ela ajeitou os óculos em seu nariz pontudo, que combinava com seu rosto fino.

- Ele trabalha, nunca deixa nada faltar em casa... – Isso era a verdade. – Estudo em uma boa escola... – Estudo em uma boa escola? Do que estava falando?! – Conversamos sobre... Nosso dia...

- Como definiria o grau de intimidade de vocês? – O que?!

- Ele é meu pai... Nossa intimidade é... Normal – Pare de ser idiota e dizer 'normal' toda hora sua mané. – É agradável.

- Alguma vez você já sentiu um desconforto na presença de seu pai? Ou ele já lhe tocou de maneira inapropriada ou violenta?

- Não! É claro que não. Que absurdo!!! – Disse exaltando a voz. Fiquei tão estressada que Salem saiu do meu colo e fugiu da sala. – Meu pai nunca tocou em mim...

- Ok. Só fiz uma pergunta. Se acalme. – Ela foi fazendo gesto de pare com as mãos.

Não queria me acalmar, mas precisava controlar minha raiva, não queria que meu pai perdesse minha guarda. Sempre reclamei da minha vida, mas na verdade mesmo não queria que ela mudasse e essa assistência social não tinha nada que se meter.

- Uma pergunta absurda... – Disse cruzando os braços no peito.

- Me desculpe. Vejamos... – Ela disse encarando seu bloco de anotações. – Me consta aqui que seu pai é piloto de avião e passa muito tempo fora, como você reage com essa ausência?

- Hellen... Minha vida é perfeita, não mudaria nada nela, amo meu pai, ele é a única família que tenho e isso é o suficiente para mim.

- Compreendo. – Ela fez algumas anotações, e por uns 2 minutos ficamos em silencio, apenas com o barulho da caneta e do papel. – Acho que por hoje está bom, querida. Entrarei em contato com seu pai para marcar nosso próximo encontro.

Apenas sorri artificialmente e a acompanhei até a porta, aliviada de ter me livrado dela, mesmo que apenas por hora.
Não vi Gabe nas próximas duas semanas, nem recebi mais e-mails, isso acabava comigo, mas algumas vezes quando estava andando na rua, sentia que alguém me seguia e meu coração idiota fingia que era ele. Todas as vezes que ele foi à academia de tarde, deixou chocolates na minha mesa para que eu visse no dia seguinte. Também não fui atrás dele, porque não sabia o que fazer, nem o que dizer.
Mas os dias se resumiam em trabalhar, chegar em casa, cuidar do Salem e estudar meios para podermos ficarmos juntos, queria esgotar todas as possibilidades, antes de aceitar o conselho do Doutor. Estava contando com Juliano, mas ele também não sabia como me ajudar, estávamos cada vez mais amigos e próximos. Já havia lido todo o diário da minha mãe e nada. Nenhuma resposta, muitas perguntas.
Falei com Ana duas vezes. Na primeira Beth e Danny estavam discutindo atrás dela e ela ficou de me retornar quando tudo se acalmasse, como ela é avoada, só me retornou na semana seguinte, sentada na beira da praia. Contei a ela que não estava vendo Gabe e todo o resto, inclusive sobre Juliano e Doutor. Ela ficou doida.

- Como assim Jasmim? – Ela berrava no telefone, conseguia imaginá-la levantando da cadeira de praia e andando de um lado para o outro.

- Preciso achar uma saída Ana, para que nem eu nem ele acabemos morrendo nessa historia. Você sabe como tudo é complicado. – Ela respirou fundo e percebi que ela escolhia as palavras de forma muito cuidadosa.

- Mas Danny e eu...

- Não somos vocês... – Respondi o que me veio a cabeça e confesso que havia fel em minhas palavras, porque não podíamos estar bem na praia também, assim como eles, mas ponderei e vi que meu ciúme e inveja, não faziam sentido. – Desculpe Ana.

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