Capítulo 16

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O lugar era magnifico para se dizer o mínimo, era na serra do mar, ou seja cercado por verde, era um daqueles restaurantes extremamente caro e por dentro não podia ser menos elegante e requintado, fomos acompanhados por um senhor de terno escuro que declarou que a mesa preferida do meu pai estava livre. Quantas vezes exatamente ele já havia estado ali... Sem mim?!
Era completamente lindo, delicado, chique, e eu estava de boca aberta. A arquitetura era linda, paredes brancas como a neve, moldando as enormes janelas, que eram em formas de arcos, havia plantas trepadeiras que iam até o teto, imitando o formato de arvores, os lustres eram antigos e cheios de ramificações, onde em cada ponta tinha um tipo de copo com vela dentro, o que dava um ar acolhedor, mesas redondas, com toalhas e capas de cadeira também de linho branco, enfeites de mesa do mesmo copo com velas e flores amarelas, fiquei morrendo de vontade de ver o local à noite, se de dia já era magnifico, como seria a luz das velas?! Engoli em seco ao ver que na mesa havia mais talheres do que jamais supus usar na vida, sem contar que para cada pessoa havia duas taças. Para que tudo isso?!
Paramos na frente da mesa preferida do meu pai, segundo o Hostess, que era um senhor bem simpático, ela era do lado de um piano de cauda preto, onde um pianista tocava musicas dos The Beatles, sabia disso porque meu pai os adorava, reconhecia a melodia. Dois caras surgiram do nada para puxarem as cadeiras para sentarmos, nos entregaram os cardápios e saíram, tudo muito surreal. Quase enfartei ao ver os preços dos pratos.

- Pai? – percebi que falei um pouco alto, então abaixei o tom de voz. – Isso é extremamente caro, não podemos pagar por isso tudo!

- Não? – meu pai riu cinicamente.

- Não!!! – subi o tom de voz novamente. – Nunca... Você nunca... – não sabia ao certo o que falar tamanho o meu desconcerto. – Pai, você nunca deixou muito dinheiro, nós sempre vivemos na simplicidade, sempre... Acho que nem os pais da Ana podem bancar tudo isso! – ergui as mãos como quem mostra o local. Agradeci mentalmente Ana pelo vestido magnifico que estava usando e me agradeci mais ainda por o ter escolhido, ia ser ridículo estar ali de jeans e moletom. – Desde quando nadamos no dinheiro?

- Nunca quis que você passasse necessidades filha...

- Nunca passei necessidades, mas isso? Não é demais? – meus olhos estavam quase saltando da orbita de nervoso.

- Proteger você sempre foi meu maior objetivo e isso incluía não gastar, não chamar a atenção... Não levantar suspeitas!

- Me proteger do que? – percebi que ele falava extremamente baixo.

- Dos meus inimigos...

- Sugadores? – nunca tinha pensado que meu pai ser o líder dos caçadores me traria perigos, mas parando para pensar, isso era bem óbvio.

- Também... Ainda não consigo conceber que você saibadesses termos, que saiba... – ele olhou pela janela e encarou o verde da mata.– Que já tenha passado por coisas horríveis e que muito provavelmente não seinem de um terço delas...

- Estou bem... – menti.

- É, seria bom acreditar nisso!

Ainda estava pensando no queresponder, no que mais perguntar, em como quebrar aquele clima tenso quepairava sobre nós, mas uma moça parou do lado da nossa mesa para anotar nossospedidos, e eu nem tinha olhado o cardápio direito ainda.

- Alberto? É você? – perguntou à atendente visivelmente animada, ela usavacalça social escura, camisa branca e por cima um colete social, seu cabeloquase loiro estava preso em um coque. – Quanto tempo... Faz o que? Quase umano?

- Olá Nathaly, sim acredito que faz quase um ano... – ele mexeu no cabelonovamente, meu pai estava jogando charme?! - O camarão continua ótimo?

- Delicioso como sempre! – os dois sorriam como adolescentes no cio. –Acompanhado dessa vez? – ela me encarou com certa decepção nos olhos azuis.

- Perdoe a grosseria, essa é minha... – ele pareceu ponderar no que dizer, ofuzilei com os olhos. – Filha, Jasmim!

- Oh... Não sabia que tinha uma filha tão grande... – sim, ela suspirou dealivio. – Prazer em conhecê-la, sendo filha do seu pai, tenho certeza que é umamenina encantadora! - Não agradeci o elogio forçado, não sorri e não expresseinenhum tipo de emoção, talvez um pouquinho de raiva. – Não sabia que eracasado... – ela deixou a frase no ar.

- Viúvo! – meu pai rebateu rapidamente, revirei os olhos e ele viu.

- Sinto muito... Não fazia ideia, nunca falamos sobre isso, meus pêsames aosdois! – Revirei os olhos. Inacreditável.

- Obrigado, foi há muito tempo... – disse meu pai. Me segurei para não chutar aperna dele por debaixo da mesa "foi há muito tempo"?! – Muito gentil de suaparte!

- Então, Alberto... O mesmo de sempre? – ela quis tirar o clima ruim mudando deassunto, mas ela era o clima ruim.

- É Alberto... O mesmo de sempre? –quando dei por mim, já tinha dito aquilo com a voz de debochada e de certo modoimitando-a, ela ficou pink.

- Por favor, Nathaly! – ele disse sem graça e a moça saiu. – O que está dandoem você? – meu pai perguntou bravo, quando ela já estava longe o suficientepara nos ouvir.

- Eu? O que deu em você e nessas mulheres hoje? Passou mel?– e para meu espantoele começou a rir, na verdade a gargalhar. – Qual a graça? Não estou achandograça nenhuma em 'foi há muito tempo'...

- Nada, é que... – ele fez uma pausa por causa da risada, enquanto eu fiqueicom cara de paisagem. – É que faz tempo que ninguém sente ciúmes de mim, havia meesquecido como isso é bom para o ego...

- Não estou com ciúmes, é uma questão de respeito e bom senso! – revirei osolhos e cruzei os braços no peito. Era insuportável saber que essa mulherconhecia meu pai, afinal nem eu o conhecia direito, mas não era ciúme.

Ele parou de rir e ficou meencarando serio, mas eu não conseguia sustentar seu olhar, seu olhar de caçadorque repelia a todos, inclusive a mim.

- Nunca vou deixar de amar sua mãe, nem em um milhão de anos, e nunca vaideixar de doer, a saudade que sinto dela nunca vai diminuir... Só que nãoprecisamos mostrar essa dor aos outros!

Suas palavras estavam pesando emmeu peito, era exatamente isso que precisava fazer, não deixar ninguém verminha dor, mas não sabia como fazer isso, parecia que ela estava escalando pelomeu corpo para sair para fora e domar esse monstro estava sendo cansativo.
Todos precisavam acreditar quenão amava mais Gabe, que não o queria mais, porque se ele farejasse em alguém, asombra da duvida que tivessem sobre as minhas atitudes, nossa ligação nuncaseria quebrada e ele não voltaria a se alimentar de mais ninguém além de mim...E morreríamos. Morrer não era nada, mas saber que causei isso á ele, erainaceitável, não poderia suportar tal hipótese.
Algumas pessoas sabiam daverdade, Doutor, Juliano e meu pai... Em sumo todos caçadores, tirando Julianoque é um hibrido, sendo assim Gabe não poderia decifra-los tão fácil. Esse foium detalhe que Doutor me contou quando me levava para casa, depois de remendarmeu corpo. Mas tinha que me limitar a essas pessoas, precisava ser convincente,cheguei a essa conclusão sozinha, mas depois de pensar muito, pareceu óbvio queminha "farsa" ia ter que ter grandes proporções.
O maldito pianista começou atocar "In my life" dos The Beatles... Ótimo! Não tinha umamusica mais deprimente não?! Conhecia a tradução da letra, assim que meu paicolocou computador em casa, o que demorou uma era glacial, comecei a pesquisaressas coisas, ele ainda mantinha CDs dos Beatlesem seu quarto, e eu achava que essa era uma maneira de me aproximar dele, saberdas coisas que gostava... Então aquele "na minha vida, eu vou te amar mais" oualgo próximo a isso, estava me matando, mentalmente repassava a letra da musicae ela ecoava por todos os cantos de mim, já que estava oca. E serio, precisavaser um piano?! Gabe amava musicas clássicas... E tudo que ele amava me doía.

– Vou ao banheiro!

Anunciei, precisava de uma águafria no rosto, levantei e para espantar aquela musica idiota, me concentrei nagarçonete e logo fiquei revoltada... Aquilo era um absurdo de marca maior, aguria estava dando em cima do meu pai descaradamente, ainda ficou "toda toda"de saber que ele era viúvo.
Ao chegar no banheiro, me senticompletamente deslocada, fora de contesto, o lugar estava mais para spa do que para banheiro em si.Extremamente chique, com uma "queda d'água", rodeada de vidros (fazendo umacoluna), bem no meio do banheiro, pias de mármore branco, espelhos magníficos,varias plantas de verdade, dando um ar de natureza ao lugar. Nunca ia meacostumar com essas coisas. Lavei o rosto umas três vezes, o sequei e me encareino espelho. Parecia uma zumbi-chique naquele vestido, então me lembrei domotivo, lembrei-me do porque estava tão abatida, e Gabe caiu como uma avalancheem meus pensamentos, de novo. Como poderia sentir tanta falta dele em tão poucotempo?!
Me apoiei na pia, sinceramenteachei que fosse desmoronar no chão, me permitir pensar em Gabe era um erro, meenfraquecia. Fechei meus olhos para não chorar, se o fizesse muitoprovavelmente as maças do meu rosto cairiam de tanta dor, minha cara pareciaque havia levado vários socos de tão doida que estava pelo choro. Percebi pelosom do salto alto, que tinha gente vindo ao banheiro, então entrei em uma dascabines, ainda não estava pronta para voltar a mesa e nem para ser simpáticacom estranhos. Fiquei lá de pé só esperando elas saírem para poder voltar aomeu pai, mas as peruas resolveram conversar.

- Você viu o homem da mesa próxima ao piano? – a outra deve ter feito algumgesto, porque não ouvi nenhuma resposta. – Meu Deus, que homem é aquele? –ambas riram.

- Você devia falar com ele Denise, um partidão daquele não se acha por aí dandosopa!

Comecei a espia-las pela frestada cabine onde estava, as duas pareciam ter saído de um desfile de moda,elegantes, requintadas e extremamente cheirosas, ambas loiras, muito provavelmentenão naturalmente, bonitas, do tipo que não se encontra nas ruas. Mas espera, eue meu pai estávamos na mesa perto do piano.

- Calma... Paciência é uma virtude! Ele pode estar acompanhado... Não que issoseja um problema tão grande assim para mim! – A tal de Denise, se olhava noespelho, retocando a maquiagem e deixou escapar um sorriso malicioso. Eca!

- Você é impossível! – disse a amiga e ambas saíram do banheiro, finalmente.

Dei uma ultima espiada no espelhoantes de voltar para a nossa mesa, essas mulheres estavam no cio, só podia.Parei no batente da porta, olhando meu pai de longe. Nunca pensei nele comohomem, ele era um pai, meu pai, não um homem, ao menos era assim que o via. Oolhei de longe, mas olhei pela primeira vez na vida com outros olhos, meu paiera muito bonito, tipo muito mesmo. Alto, olhões verdes, cabelos castanhos, arde serio, sorriso sexy, malhado na medida certa, roupas sempre elegantes e certoautoritarismo intimidador, mas ao mesmo tempo atraente. Ninguém conseguiamanter contato visual com ele por muito tempo, e agora sabia que isso se deviaao fato dele ser um caçador, mas as mulheres deviam achar isso intrigante. Imaginese elas o vissem de uniforme de piloto então, iriam literalmente babar.

- Você demorou! Está tudo bem? – ele me perguntou. Diferente era a palavraque melhor definia meu pai agora. Diferente comigo.

- Tudo bem, estava... – abaixei o tom devoz. - Esperando as peruas, da mesa ali atrás, pararem de falar de você! – revireios olhos e ele deu uma rápida olhada para trás, dando um sorriso torto. – Vocêpassou mel hoje, só pode! – dei um gole no suco de maracujá que estava servidoem meu copo, provavelmente a Nathaly havia voltado á nossa mesa, enquanto eunão estava, para ver que bebidas queríamos, vaca.

- Nunca achei que você se importaria... – disse ele em um tom relaxado.

- Nem eu! – confessei. – Na verdade isso é... Bom. – foi difícil dizer queaquilo era bom, porque na verdade não achava isso, talvez até achasse, mas eradesconfortável. – Quer dizer, você está sozinho a tempo demais pai...

- Ninguém vai substituir sua mãe! – ele rebateu rapidamente, ficando sério.

- Sei que ninguém vai substitui-la, é só que talvez, seja legal ter outrapessoa... Alguém que você goste e que goste de você também...

- Não posso... Não posso arriscar perder mais ninguém. – não preciseiperguntar, entendi que ser mulher do meu pai provavelmente trazia riscos, assimcomo ser sua filha. - E tenho você...

- Pai! Estou bem grandinha e um dia vou sair de casa. – ao menos era o que euachava, mas sempre imaginei que isso aconteceria no dia que casasse e pensarnisso queimou meu estomago. Gabe. –Ou... – Minha garganta travou.

- Você sempre será minha prioridade! – era difícil ouvir isso, porque nunca fuinada para meu pai, quem dirá prioridade. – Não estou pronto para... – ele deuum longo suspiro. - Não seria justo envolver alguém no meu mundo... E parapiorar, ainda amando outra mulher, ninguém merece ser usado assim Jasmim.

Meu pai tinha razão, ninguémmerecia ser usado assim, ninguém merecia ser colocado no buraco de outrapessoa, mas como voltar a amar quando ainda se ama alguém?! Como deixar de amaralguém que parece ser seu norte?! Percebi que nunca mais seria feliz, nãoplenamente, viraria um vulto meu, na minha própria vida, sempre pensando emcomo teria sido 'se' pudéssemos ter ficados juntos. Seria sozinha, como meupai.
Nathaly se aproximou e começou aservir a mesa, e acho que nunca vi tanta comida na vida, arroz branco, váriostipos de salada, camarão frito, camarão ao molho, file de peixe assado, frito,cozido, bolinho de peixe, polenta frita, vinagrete, e mais um monte de coisas,era comida demais para duas pessoa, o que me fez pensar, se esse era o pedido -de sempre - do meu pai, com quem ele vinha?!. Estava tudo com uma cara ótima,acabei nem olhando para a moça, pois me sentia flutuando sobre a mesa, presa emuma bolha de agonia, pelas contestações recentes.

- Obrigado Nathy! – meu pai disse quando ela já saia, e sua voz me despertoudos meus devaneios. – Você vai adorar a comida, é maravilhosa! – ele espremeulimão em um camarão frito, o pegou, estendeu o braço e me deu na boca. – Provequerida! – mastiguei e estava realmente delicioso, mas me senti estranha pelaintimidade do ato.

Sorri para ele, sorri comcompaixão, entendia melhor sua dor, por perder minha mãe agora e talvez algumasde suas ações fossem mais justificáveis aos meus olhos.

- Obrigada! – disse com os olhos cheios d'água.

- Pelo que querida?

- Sei que já tinha planejado essa viagem antes, mas obrigada por não me deixarsozinha... Agora. – ele entendeu o que quis dizer, agora que não tinha Gabe.

- Não sei o que dizer para que você se sinta melhor...

- Continue a historia... Conte o que fez depois que minha mãe te intimou! –sorri.

- "Intimou"? É, estou ficando velho... –ri da cara que ele fez. – Certo, onde parei? Há, depois que ela me "intimou",eu:

"Sumi, me escondi de Cecilia, acho que ela me assustou, quer dizer eutinha plena convicção de que não demostrava meus sentimentos por ela, mas pelojeito estava sendo bem explicito, então sumi... Resolvi me aprimorar no queprecisava, treinar lutas exaustivamente, então passei uma longa temporada nafazenda, o que deixou seu avó muito satisfeito e orgulhoso. Quando voltei suamãe estava namorando o Alfredo, o que acabou comigo. Ele era da companhia dedança, fazia balé com sua mãe, e a traia, muito."

- E como você sabia disso, quer dizer que ele a traia?

- Eu meio que os seguia... E seguia ele também, quando não estava com ela!

- Meio? – arregalei os olhos. – Pai?

- Eram circunstancias extremas! – eu ri.

- E o que você fez?

- Nada... Por um tempo...

"Eles não sabiam que os vigiava de perto, mecertifiquei disso, me aprimorei com os "colegas de trabalho" na fazenda, meesforcei para ser invisível e forte. Voltando ao namoro de sua mãe, ele a faziasofrer, Cecilia vivia chorando, ele saia com varias meninas, não fiz nada, nãocontei a ela, achei que ela mesma deveria ver quem ele era, mas um dia resolviintervir."

Meu pai fez uma pausapara comer um pouco, percebi que eu não estava comendo nada, então fiz umesforço e coloquei algumas coisas no prato.

"Sua mãe realmente batalhava para pagar pelas aulas de balé, seus bisavósjá haviam falecido, deixando-a sozinha na vida aos plenos 17 anos, por sorteela não foi levada para longe já que não havia familiares próximos, e elaconvenceu o serviço social que poderia se manter sozinha, por já estar quase namaioridade.
Cecilia trabalhava debibliotecária para pagar as contas e fazia extras ajudando estudantes comtrabalhos acadêmicos, quando as coisas apertaram, ela chamou sua melhor amigapara morarem juntas e dividirem as despesas, mas a Hosana acabou sendo seduzidapor Alfredo e traiu sua mãe. Então, umdia ela chegou em casa mais cedo, por algum motivo, eu estava sozinho na casaao lado, sabendo o que ela veria quando passasse pela porta."

- Jesus. Teve alguma coisa boa na vida dela? – depois que perguntei isso,me arrependi, pois praticamente disse que meu pai também havia sido uma coisaruim na vida dela.

- Teve sim... Você! – engoli em seco, porque discordava disso, há tinha matado,como isso poderia ser bom?!

- E aí? O que aconteceu? – perguntei ansiosa, me esquecendo de comer de novo.

- Ela entrou em casa e:

"Os pegou juntos, na cama. E por incrível que pareça foi Alfredo quesurtou, quando ela o expulsou de dentro da casa, junto com a Hosana, inclusivevoaram algumas roupas pelo quintal. Ele se exaltou e começou a quebrar ascoisas, coisas que eram herança de família, que ela suava para pagar, bom euprecisa intervir e foi o que fiz, fui até lá e o coloquei para fora á força,talvez tenha aproveitado a situação e dado um soco, ou dois, naquele imbecil. Suamãe queria se fazer de forte, mas sabia o quanto ela estava devastada pordentro. Ela ficou meio petrificada por um tempo, passamos horas sentados, nacadeira de balanço, que ela tinha na varanda, a mesma que temos até hoje nanossa casa. Eu não sabia o que fazer, nem o que dizer, mas não podia deixa-laali, então fiquei ao seu lado, segurando uma de suas mãos, que estava fria. Entãodo nada ela me abraçou e começou a chorar, nunca havia me sentido tão impotentena vida, até aquele momento pelo menos."

- E? – perguntei ansiosa.

- O que você espera ouvir? – ele perguntou rindo.

- Um beijo, eu acho... – fiquei vermelha ao dizer isso.

- Bom, isso demorou mais um tempo:

"Nos aproximamos muito depoisdisso, eu a levava ao trabalho, as aulas, ia busca-la, jantávamos juntos, claroque tudo escondido do meu pai. O Sr. José era muito rígido quanto á pessoas "defora", como ele chamava, ele não gostava de simples humanos, que não tinham linhagemde caçadores no sangue, então uma boa namorada significava alguma filha decaçador, ou irmã, prima, enfim. Mas ele tinha razão na parte que meu mundo eraum perigo para Cecilia, e era muito egoísta coloca-lo nele. Sabia que devia terme afastado, tê-la deixado viver uma vida normal, sem riscos, ela merecia issoe muito mais, mas a amava demais para deixa-la. Então, fingia que podia viverno mundo dela, e fingia que era normal.
Amava vê-la dançar, ela pareciaum anjo, de rosa. Um dia depois da aula de balé, fui busca-la, o estúdio estavavazio e ela ainda arrumava as coisas, fiquei parado na porta, escorado nobatente da porta, vendo-a se arrumar com aquela leveza tão típica dela. Eladisse que eu a constrangia olhando-a daquele jeito, perguntei que jeito,Cecilia se aproximou e disse em meu ouvido: 'Como se ainda me amasse".
Por algum motivo ela achou queeu não a amava mais, que por ter ido embora, passado tanto tempo na fazenda,ela não era mais importante e minha aproximação atual era apenas por pena etalvez amizade. Tomei coragem e disse a ela: 'Vai ver é porque eu te amo'. Meucoração parecia que ia explodir, eu tremia demais, ela mordeu o lábio inferior,da mesma forma que você faz Jasmim, quando está sem graça ou empolgada com algo,Cecilia me encarou e disse: 'Como você pode não ver, que te amo? Que preciso devocê?' A beijei ali mesmo, e foi um dos melhores momentos da minha vida. "

No resto do nosso almoço falamos decoisas banais, como comida, tempo, regras de etiqueta – que eu realmenteprecisava aprender - mas na minha mente só havia espaço para a historia que meupai havia contado, desde quando ele e minha mãe se conheceram, até quando sebeijaram pela primeira vez. Eu a repassava mentalmente como um filme, de novo ede novo.

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