Estava ansioso para chegar à casa de senhora Camélia, depois de tantos encontros iríamos tomar a decisão final.
Eu também seria o palestrante principal onde falaria sobre os conceitos de liberdade, que aprendi nas salas ocultas da faculdade.
Em Paris ainda se respira até nos dias de hoje os ideais deixados pelo movimento chamado Iluminismo a mais de cem anos.
Na casa de tio Bartô, onde a maioria dos boêmios letrados da cidade se encontrava, depois de goles de vinho conspiravam-se sobre diversos assuntos: inquisição, escravidão, os impérios, as colônias...
De certa forma isso tudo me influenciou bastante.
Ah! Se meu pai soubesse no que ia dar essas influências sobre mim, jamais me deixaria lá com meus tios.
Cheguei à casa da pianista, a doce senhora Camélia, era uma senhora forte e robusta avantajada de corpo, principalmente os quadris, não tinha filhos naturais. Ela e seu marido a quarenta e nove anos atrás, contou-me um dia, vieram fugidos da Bahia onde estavam sendo perseguidos por homens do governo os quais suspeitavam que o marido fosse um dos que lideravam a Sabinada. Os dois eram muito jovens.
O marido da senhora Camélia então foi morto por um dos soldados, na fuga deles em emboscada na madrugada em 1838.
Desde então senhora Camélia pôs se a favor das causas dos oprimidos, tornou-se uma abolicionista convicta e tudo que podia fazer contra os desmandos do governo, ela fazia durante anos em nosso vilarejo.
Moravam em um casarão enorme herdado do pai, em uma das ruas de trás da igreja com duas crianças que foram deixadas ainda bebês na roda dos rejeitados no orfanato da igreja da cidade.
Igreja a qual ela tocava em casamentos e festas dos santos, conseguindo assim seus alunos de piano.
Mas nem todos que frequentavam a casa de Camélia era com a finalidade do aprendizado, nosso grupo encontrava-se lá para nossas reuniões secretas.
Houve casos também que pessoas ao terem suas aulas, foram influenciadas por ela e se tornaram abolicionistas, foi o caso de minha mãe antes de se casar.
No casarão uns entravam as escondidas, secretamente, outros pela porta da frente dizendo amar escutar o cravo e que música boa era a dela.
A nossa reunião tinha cinco membros, assim como nas outras casas, para não levantar suspeitas, sempre descíamos todos para o porão, e sempre quando a senhora Camélia começava a tocar o piano na sala de cima, começavam-se os discursos, hoje era a vez do meu:
-Nossos ideais de luta não podem morrer (...) homens, mulheres e crianças foram trazidos naqueles navios da morte, os quais se deram o nome de navios negreiros, dentro deles não tinham as mínimas condições de higiene, o que gerou doenças, muitos não aguentava a fome os maus tratos e morria (...).
Foram tirados de sua terra natal, tirados de seu vínculo familiar sem nunca mais poderem retornar a eles. E nós? Se fossemos tirados do seio de nossas famílias de forma tão brutal? Dizia com firmeza.
Nesse momento todos bateram palmas, Senhora Camélia então tocava mais alto o piano em cima.
(...) E aqui foram jogados em senzalas imundas, como bichos em jaulas. O tráfico negreiro foi extinto em 1850 graças a Lei Eusébio de Queirós, mas os escravos ainda continuam sofrendo nas senzalas e algo tem de ser feito. *Se com a Lei Eusébio de Queirós os imigrantes vieram para cá e são trabalhadores pagos, porque os negros ainda continuam em regime de escravidão?
Ele não tem direitos, só deveres (...).
Para finalizar proponho a fundação de um novo quilombo.
-Também acho, pois o quilombo da Terra preta já está forte e muito cheio, fruto também das reuniões daqui. Completava Cupertino.
-Mas como vamos fazer isso? Perguntou Jawaad.
-Temos no quilombo da Terra Preta negros fortes prontos para a guerra, mais os negros forros do mercado, os daqui da Vila de São João Marcos do Príncipe, nossos comparsas de Mangaratiba... Explicava.
Na reunião tudo foi combinado para esse dia tão esperado, que será o dia onde vamos captar os recursos e libertar muitos negros para a conclusão de um novo quilombo.
Jawaad iria várias vezes ao Terra preta organizar o pessoal, Cupertino levaria e traria informações com membros de outras reuniões da cidade, eu observaria as fazendas vizinhas principalmente à do comendador "o rei do café", e com minhas consultas também colheria informações nas casas, uns ficaram com a missão de providenciar armas com capatazes do mercado e no porto, até o padre Eufrásio quem diria, era um abolicionista as escondidas a esmero por causa dos coronéis e da guarda, mesmo sem frequentar as reuniões ficava a par de tudo pela senhora Camélia não é á toa que ela resolve tudo naquela igreja e todas as aulas de piano ficam a cargo dela.
Hoje descobri sobre o padre Eufrásio! Seria bom se no dia dos ataques fosse feito uma missa para não haver tanto perigo e sangue que provavelmente descerá nas fazendas. Pensei!
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O FILHO DO SENHOR
RomanceA história de um jovem abolicionista que se vê obrigado a ir contra o próprio pai escravagista para defender os direitos dos negros escravos e livrá-los do sofrimento. Inconformado, justiceiro, perfil aventureiro destemido e inconsequente. A histór...