Era chegado o dia de grande festa no quilombo da Terra Preta, Kinda ia ser coroado o novo rei e comemorava-se também o nascimento do filho dele, Uzima havia se tornado uma de suas esposas, a poligamia era comum nas tribos dos quilombos, mas o filho de Kinda era de outra mulher.
Alguns negros do Abayomi inclusive jalil foram também para a festa. Kinda, junto com Jawaad lideravam lá no começo. O Abayomi ainda estava em fase de construção, mas estava sendo bem estruturado, era bem provável que Jawaad seria rei por lá.
As mulheres colocaram adornos nos cabelos, mas todos se enfeitaram para a grande festa do Terra Preta, alguns tatuaram, furaram as orelhas, vi alguns corajosos que colocaram enfeites em seu lábio superior e também no nariz.
O batuque soava longe e nós dançávamos na roda, aonde cada um ia pro meio e fazia seus passos, na hora que se cansava fazia a semba, tinha que se escolher outra pessoa da roda e dar uma barrigada, então essa pessoa e que ia pro meio em seu lugar. Era bastante divertido, quando fui para o meio dançar, eles se acabaram de rir, pois eu não levava nenhum jeito para requebrar, fazer passos. Nos salões de Paris as coisas são bem diferentes, lá eu dançava muito bem.
Haviam muitos instrumentos sendo tocados em cada parte, Jalil me levou para me mostrar um que se chama balafo, havia uns negros tocando canzá e tambaque, mas o que eu conseguia tirar mesmo algum som que prestasse era o berimbau.
Tudo era uma grande festa para mim naquele lugar, já havia participado de outros festejos pequenos, mas de uma solenidade como aquela ainda não, foi a primeira vez que vi coroação de um guerreiro.
Queria que Sálvia tivesse ido, mas Fuad quem foi, era o escravo que coloquei no lugar de Kijani, que ficou cuidando dos cavalos da fazenda e fazendo o serviço de carroceiro, ele fez parte dos escravos dados a mim também.
Tinha tanta coisa para levar ao quilombo daquela vez, armas, alguns medicamentos... Foi preciso que fosse mais alguém em outro cavalo com os *samburás cada um de um lado do cavalo, eu disse ao meu pai que eram donativos pedidos pelo padre Eufrásio ao orfanato, claro que ele desconfiou ainda bem não revistou os cestos, mas quando padre Eufrásio adentrou a porteira, suas desconfianças cessaram, mal ele sabendo que foi marcado o encontro na porteira e viemos juntos para o quilombo, formamos um pequeno grupo para evitar saques.
Depois da cerimônia de coroação, houve a distribuição das comidas, eu degustei feito um louco, tinha coisas que nunca havia comido na vida, o sabor era diferente e muito bom, e olha que Dodo e Ituri eram boas cozinheiras.
Tinha um tal de acarajé com recheio de pastas, vatapás, acaçás, diz Jalil que quem fez foi os escravos baianos de lá do Abayomi, esses escravos foram vendidos ou trocados tantas e tantas vezes, sofreram tanto em cada fazenda, cada cidade que passavam, que aqui em São João Marcos, quando tiveram a oportunidade de fugir com o bando na época dos saques, lutaram com todas as forças que tinham, mataram e fugiram sem olhar para trás.
Havia um preparado com amendoim torrado socado no pilão, pedaços bem pequenos de coco, muito leite e milho que eles davam o nome de canjica, tinha também arroz feito com coco acompanhado de peixe cozido com leite de coco, o que eu não gostei muito foi de gomos de cana queimados, mas compensei o gosto com as pamonhas.
Fuad se acabava de tanto comer carnes, pois na senzala de meu pai, os escravos não tinham direito de comer carnes, somente os pés, pescoços e miúdos de galinha ou pés de porco, quando o pobre escravo viu tanta carne de porco assada, temperada, corada e cheirosa sendo servidos os melhores pedaços, sentou-se com uma cuia debaixo da árvore e comia alvoroçado, depois não conseguia nem mais dançar.
Além dessas cuias, as coisas eram servidas em pratos de argila, vasilhas de madeira, panelas de pedra, tinham também as facas de pedra e de ferro, no Terra Preta havia artesãos que na verdade eram artistas que faziam esses artigos de cozinha.
A festa durou bastante tempo, foi tudo bastante divertido, rever alguns amigos, fazer novos amigos como os escravos baianos que vieram do Abayomi participar da festa, dançar ou pelo menos tentar, comer exageradamente, até passei mal um pouco, mas infelizmente tivemos que partir do quilombo da Terra Preta.
Foi um custo, fazer com que Fuad fosse embora comigo e padre Eufrásio, mesmo dizendo a ele que eu daria a sua alforria e a todos os escravos que seriam me dados no dia do meu fatídico casamento, ele insistia em ficar, mas no fim concordou porque alforriado poderia viver tanto na cidade como no quilombo como fazia Jawaad.
Seguimos então o caminho de volta para as nossas realidades.
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O FILHO DO SENHOR
RomanceA história de um jovem abolicionista que se vê obrigado a ir contra o próprio pai escravagista para defender os direitos dos negros escravos e livrá-los do sofrimento. Inconformado, justiceiro, perfil aventureiro destemido e inconsequente. A histór...