D E A T H . I S S U E S

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Quando livres do tumulto da existência,

No repouso da morte o sonho que tenhamos

Deve fazer-nos hesitar: eis a suspeita

Que impõe tão longa vida aos nossos infortúnios.

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As lágrimas seguiam silenciosas pelo meu rosto, fazendo trilhas que se acumulavam e logo precipitavam naquele chão cimentado, levando consigo um pouco do sangue e do sêmen que manchavam muito mais do que a minha pele.

Meu corpo inteiro latejava de maneira indizível, como se eu tivesse sido esmagado cruelmente por um rolo compressor, não tinha forças para mover sequer um músculo. Os ferimentos ardiam e meus lábios estavam febris devido ao processo de inchaço. Entretanto nada disso se comparava ao vazio que se propagava pacientemente por cada recanto do meu ser, forçando-me a encarar as paredes se encolherem e meu coração bater devagar, como se estivesse tão cansado de sua função quanto eu estava.

O gancho que horas atrás perfurava o crânio de um amigo, agora balançava sutilmente com a brisa que entrava através da claraboia, trazendo-me flashes angustiantes do olhar psicótico e dos toques abusivos que recebi. Algo no meu consciente havia se quebrado e os cacos pontiagudos me faziam cortes incuráveis, eu sabia que um pedaço de mim tinha se perdido e o que restou foi algo gélido e amargo.

Na minha mente ecoavam os gritos desesperados que imploravam por misericórdia ao assassino que um dia foi meu grande objetivo de análise, a voz trêmula retumbando pelos meus ouvidos junto de acusações e afrontas. Pela primeira vez eu estava cogitando pôr um fim a tudo isso, toda essa dor e esse esgotamento.

Fechei os olhos com certo receio, eu não conseguia mais organizar o fluxo de pensamento, não havia mais certezas que pudessem me estruturar, tudo estava posto em ruínas, sufocado. Eu queria gritar, mas algo entre o meu tórax e a garganta cortava-me o ímpeto de fazê-lo.

Pensei no Jin. Pensei no Namjoon. Pensei nas vítimas aleatórias que estavam sendo ceifadas desse mundo por mãos pecadoras e impiedosas. Não podia desistir, ainda não. Precisava cumprir essa última promessa.

Meu braço direito se ergueu de maneira custosa, arrastando-se até alcançar o cós da calça que estava pouco abaixo dos joelhos. Fui puxando o tecido junto da boxer para realocá-los no meu corpo fragilizado. Cada mísero movimento doía e ao elevar um pouco a cintura, senti uma pontada no cóccix que me fez prender a respiração, eu estava completamente destruído e temia o fato de que nesse estado não seria capaz de esconder o ocorrido do delegado. Como ele reagiria ao saber da aproximação perigosa que tive com quem fui avisado para manter distância? Ele iria me olhar daquela forma decepcionada? Eu não queria ver aqueles orbes desiludidos outra vez...

Enquanto eu tentava abotoar o jeans encardido pelas sucessivas quedas, senti algo no bolso traseiro da calça e lembrei-me que ainda estava com as alianças, aqueles ferretes da alma para sempre me lembrariam de carregar a dor das perdas. Minha destra alcançou os objetos cintilantes e eu os trouxe para perto em um agarre trépido, coloquei sobre os meus lábios feridos, dando um beijo cálido em cada um. Era minha sincera e desesperada súplica por perdão.

— Eu p-p-prometo, hyung-g... C-Custe o que custar... vou pegar esse desgraçado, eu vou.... Eu vou... Eu vou... Hyung.... Custe o que custar.

Minha voz estava muitos tons mais grave que o habitual e eu sentia a garganta queimar por ter sido violentada sem qualquer preocupação, ainda conseguia sentir o gosto de Hoseok impregnado na minha língua e isso somado às lembranças fez com que a ânsia subisse de uma única vez. Inclinei para o lado esperando por aquele bolo de frustrações para fora, mas nada vinha e a sensação martirizante só crescia e se retorcia no meu estômago.

O Silêncio dos InocentesOnde histórias criam vida. Descubra agora