⚘. dois

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Acordo pela manhã com a sensação de que tomei todas as garrafas de uísque do mundo em uma só noite.

Estou embrulhada em meu edredom exageradamente rosa e meus pés estão virados para a cabeceira da cama.

Nada na minha vida faz sentido.
Cato o meu celular que está escondido em meio à montanha de tecido e verifico as horas.

São sete da manhã.

Droga, estou atrasada.

Desvencilho-me do edredom e levanto-me da cama, correndo feito o Usain Bolt em direção ao banheiro.

Abro a porta e dou de cara com uma figura que nunca vi em toda a minha vida, olhando fixamente para o espelho acima da pia.

— Quem é você? — pergunto, tentando me lembrar de qualquer coisa suspeita que tenha levado esse estranho entrar na minha casa e, principalmente, no banheiro do meu quarto.

— Não olhe assim para mim — ele me encara, e só então percebo que seus olhos não são muito comuns.

As veias ao redor de seus olhos aparecem sob a pele, feito riscos tortos e vermelhos. É tenebroso.

— Acredite — falo — Eu também não gostaria de olhar para você, mas está ocupando o meu banheiro sendo que nem te conheço.

Ele sorri, um pouco surpreso ao ouvir o que acabei de dizer.

— Então por que me chamou?

Minhas sobrancelhas se unem, afinal, não me lembro de ter pego o número de nenhum garoto esses dias, até porque eu não tenho o contato de garoto algum.

— Não sei do que está falando - respondo, começando a ficar assustada.

Vejo a mão dele atravessar a bancada da pia e meu coração acelera.

— Você é um... — tento dizer — Você está...

Ele abana as mãos, mostrando-me que isso não tem importância.

— Sim, eu tô morto — ele fala, como se fosse a coisa mais normal do mundo estar morto no banheiro dos outros — Mas graças a você eu posso conversar com uma pessoa viva.

Lembro-me do que Sabrina me dissera na noite de ontem. Eu não devia ter tirado meu dedo do copo, mas a minha crença de que espíritos não existiam era tão grande que nem percebi que quebrei a regra quando me assustei com o movimento do copo.

— Não foi minha intenção atrair você para o mundo dos vivos — sorrio para ele — Pode voltar para a sua existência espiritual no mundo dos mortos sossegado agora.

Ele levanta as sobrancelhas, sentindo-se confuso.

— Não sei se percebeu mas... acha que se eu pudesse voltar, eu já não teria voltado?

— O quê?

— Eu estou preso a esse lugar, por sua causa. E olha que nunca fiquei preso à uma garota antes... — ele me olha de um jeito malicioso.

Ah, ótimo. Tanto espírito por aí, e tinha que ser logo um pervertido a ficar preso na minha casa.

— Fique aqui  — peço educadamente — Eu vou trazer uma médium ou um especialista para fazer você voltar para o caminho da luz.

Ele solta uma gargalhada rouca.

— Não posso ficar aqui — ele diz, ainda rindo da minha cara — Tenho que estar onde você está.

Balanço a cabeça, tentando assimilar tudo o que está acontecendo.

Por causa de uma brincadeira idiota estou atada a um espírito pervertido? Como eu vou conseguir me livrar dele se uma médium não pode fazê-lo?

— Três metros de distância são suficientes? — pergunto, sem saber se fico com medo ou irritada.

— Acho que sim — ele murmura.

Assinto, analisando a distância de um cômodo para o outro na minha casa.

— Dá licença, então — ordeno — Eu realmente preciso usar o banheiro.

Para me deixar ainda mais aterrorizada, o indivíduo do além túmulo atravessa a porta que separa o banheiro e o meu quarto, causando-me um enjoo terrível, que me levar a pôr para fora tudo o que comi no dia anterior e até mesmo o que ainda não comi.

Prendo os meus cabelos em um coque e tento criar teorias sobre o que está acontecendo nesta casa. A brincadeira dos meus melhores amigos tomou um rumo mais distante do que eu esperava, há um espírito me aguardando lá fora e meus pais podem vir a surtar quando o virem passeando por aí — isto se eles puderem enxergar esta criatura abominável.

Abaixo a tampa do vaso, aperto o botão de descarga e me sento sobre ele, enquanto prometo para mim silenciosamente que, quando vier a morrer, não irei vagabundar dentro dos copos das cozinhas alheias.

Como irei contar aos meus amigos que aquele jogo ridículo me levou a isto?

Solto um longo e profundo suspiro e me levanto de onde estou sentada, preparando o meu psicológico deprimente para passar um dia na companhia de uma alma penada com instintos pervertidos.

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Um Espírito Pervertido Onde histórias criam vida. Descubra agora