⚘. dezoito

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Meus pais são o casal perfeito, uma vez que são paranóicos na mesma intensidade, românticos na mesma intensidade, e exagerados na mesma intensidade.

A prova disso é que, como se não bastasse eu ter que ficar alguns dias sob o mesmo teto que o médico que cuidou de mim enquanto estive desacordado em um hospital, eles também querem que eu mude o meu círculo de amizades, porque segundo eles, talvez eu não tivesse me deparado com uma experiência de quase morte tão cedo se não fosse pelas minhas companhias habituais.

O doutor Silva tem toda uma vida no hospital e, por causa disso, acaba tomando a inesperada decisão de me deixar sob os cuidados de sua filha.

Eu seria tolo se não dissesse que tenho medo de sofrer algo pior estando nas mãos dela, mas como serei forçado a ficar nesta casa até uma segunda ordem, apenas assinto e abro um sorriso típico de quem não está nem aí para o fim do mundo.

Assim que o médico sai pela porta da frente e ouvimos o som de seu carro se afastando para longe de casa, Rafaella corre para o segundo andar, enquanto eu permaneço imóvel no sofá, com a sensação de que tem algo estranho no ar e só eu não faço ideia do que seja.

O namorado dela não parecia muito feliz em saber que alguém tão legal e bonito como eu ficaria por aqui e, antes de ele ir embora, tive a impressão de tê-lo visto lançar um olhar ameaçador na minha direção.

Rafaella ressurge pelas escadas e se senta ao meu lado, mantendo uma certa distância de mim, como se eu fosse algum tipo de maníaco devorador de jovenzinhas como ela. Em suas mãos há uma caixa de sapatos, dentro dela estão alguns dvds e, por um momento, acredito tê-la visto tremer as mãos.

— Podemos ver um filme para passar o tempo — ela sorri amigavelmente para mim e pisca os olhos devagar, esperando uma resposta de mim.

Ela não parece ser o tipo de pessoa viciada em filmes de terror, assim como eu, mas por algum motivo eu acho que preciso fazê-la assistir à algo do tipo para ver qual seria a sua reação diante de uma cena de alto teor sombrio.

Percebo que seu rosto está vermelho feito um pimentão e que sua cabeça está baixa, de forma que seus olhos estão focados para suas próprias mãos.

— Desculpe — murmuro, percebendo que ela está assim porque eu estou a encarando sem motivo algum.

Eu normalmente não encaro as pessoas e, quando me dou conta do que estou fazendo, sinto-me um verdadeiro idiota.

Se o namorado dela já me odiava, imagina se ele soubesse disso.

— Eu gosto desse — digo, tirando o dvd de Aracnofobia da caixa com um sorriso forçado no rosto.

Rafaella faz uma careta e toma o dvd de minha mão de maneira rude, e sei que se eu não tivesse acabado de despertar de um coma, ela provavelmente teria me agredido sem pensar duas vezes.

— Qual o nome do seu namorado? — pergunto, enquanto ela liga o aparelho de dvd com as mãos ainda trêmulas.

— Eu não tenho namorado — ela murmura baixinho.

— Então quem é aquele cara que estava com você hoje cedo?

Ela dá de ombros, coloca o disco no aparelho e fecha a gaveta tranquilamente, em seguida se vira para mim e diz que o seu acompanhante era só um amigo da escola.

— Ele não parecia ser seu amigo — digo por impulso e, assim que ela me fita de maneira fria, arrependo-me de tê-lo feito.

— Isso te incomoda? — ela pergunta, por algum motivo que eu não conheço.

Faço que não com a cabeça e bato sobre o assento do sofá ao meu lado, sinalizando para que ela se sente ali. A garota faz uma careta e se acomoda perto de mim, fazendo com que fiquemos tão próximos a ponto de eu conseguir sentir o cheiro do shampoo que ela usou.

— Se sentir medo, pode segurar a minha mão — ironizo, mas em vez de olhar para mim e rebater com qualquer outra coisa, ela simplesmente se vira para a tv e me ignora como se eu fosse um verdadeiro nada.

Eu quero que ela olhe para mim. Mesmo que eu não saiba o motivo de desejar ansiosamente que isso aconteça, dentro de mim há essa vontade de olhar nos olhos dela por horas a fio, sem me preocupar com quem pode nos ver ou com o quê pode acontecer em seguida.

— Pare de me encarar — ela me olha finalmente, e nossos rostos estão tão próximos que me sinto tentado a fazer algo que, normalmente eu não faria...

Até a porta abrir.

— Esqueci as chaves de casa — o doutor Silva diz com um sorriso no rosto, abrindo a porta de supetão e fazendo com que Rafaella solte um grito.

Eu também gritaria, se não fosse pelo fato de que o médico pode ter acabado de me salvar de pagar um mico do tamanho do globo terrestre.

— Rafa... você não consegue dormir bem quando assiste filme de terror — o médico a repreende — Procure algo menos perturbador para ver, e se eu não chegar antes do jantar, pode encomendar algo pelo telefone.

E ele parte outra vez, deixando tanto eu quanto a própria filha dele com cara de tacho em cima do sofá.

Eu não posso ficar nesta casa. Eu não posso ficar a sós com essa garota ou irei acabar indo para um hospício.

Eu nunca beijei ninguém antes e, de repente, uma vontade estranha de fazer isto se apossou de mim!

— Acho melhor... Eu tirar um cochilo — comento por fim.

— Quer que eu te mostre o seu quarto?

Balanço a cabeça de forma negativa, usando um pouco mais de energia do que pretendia e me afasto dela, ficando na outra ponta do sofá.

— Vou ficar aqui... no sofá.

Ela assente e, rapidamente, afasta-se de mim, subindo as escadas, abraçada à caixa de sapatos.

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Um Espírito Pervertido Onde histórias criam vida. Descubra agora