— Você está bem? — Jackson me pergunta finalmente, sentado ao meu lado no banco traseiro do fusca de Yoongi, enquanto este nos leva para um lugar seguro e a vista de outros humanos "normais" como nós.
Balanço a cabeça de maneira afirmativa, evitando olhar nos olhos dele por medo de me desmanchar em lágrimas.
Eu fui uma trouxa por acreditar que meu príncipe encantado era como o dos livros e quase me dei mal.
Digo quase, porque um certo espírito me livrou de ser um trabalho concluído com sucesso.
— Eu disse que ele precisava de um incentivo, não de um acesso de raiva — Yoongi resmunga — Devia ter mais cuidado e avaliar com quem você anda.
— A culpa foi minha — Jackson diz em minha defesa — Eu a alimentei com a ideia de que iria ajudá-la a sair com aquele imbecil... Você quer que eu o mate?
Faço que não com a cabeça, olhando para ele depois de tanto tempo evitando fazê-lo.
Por mais estranho que possa parecer, a imagem de Jackson ao meu lado, olhando nos meus olhos tão perto — e ao mesmo tempo tão longe —, fez meu coração acelerar.
Engulo em seco e desvio meu olhar para a janela do fusca.
— Ninguém ia ficar sabendo se eu o matar...
— Jackson — solto, quase num grunhido — Eu não quero falar sobre Sehun. Não quero ficar mais estressada do que já estou.
— E o que você quer?
Eu o encaro novamente.
— Quero comemorar o seu retorno. Eu posso te ver outra vez.
Yoongi suspira profundamente e decide intervir na nossa conversa particular no banco de trás de seu carro de tamanho diminuto: — Jackson pode circular em outros lugares sem você.
O quê?
— A propósito, vou fazer uma parada no hospital para avisar que tem um ferido na estrada, se vocês quiserem pôr o papo em dia...
— Nós temos tempo para isso — solto, um pouco grossa demais — Eu preciso ver uma pessoa no hospital.
Jackson faz uma careta e isso me faz acreditar que ele não gosta de hospitais.
— Se quiser ficar aqui enquanto eu não volto...— sugiro, quando Yoongi estaciona o fusca em uma vaga decente do prédio do hospital.
Meu espírito pervertido assente antes mesmo que eu termine a frase. Ele realmente deve odiar lugares como esse, talvez seja uma coisa de espíritos, algo que uma viva como eu não possa entender.
Faz cerca de quatro dias que não vejo meu pai. Às vezes, seu trabalho como médico exige que ele passe semanas fora de casa, ao que seus dias e noites são vividos dentro de um quarto do tamanho de uma lata de sardinha. Mamãe, com pena dele e ciente de que ele trabalha demais, acabou por estudar enfermagem, o que resultou na minha intensa solidão dentro de minha própria casa.
— Rafa! — Bete, uma enfermeira encarregada de trabalhar na recepção do hospital local me cumprimenta com um sorriso radiante estampado em seu rosto. Quando era criança, ela sempre me recebia com doces, mas hoje em dia, depois que começou a estudar odontologia, o único presente que ganho são escovas de dente ( e eu já devo ter umas onze pelo que contei).
— Meu pai está?
Ela assente e, automaticamente, me entrega um crachá de visitante.
— No quinto andar... — ela verifica algo no computador à sua frente e volta a sorri para mim em menos de um minuto —...Acho que ele está no quarto quinhentos e cinco.
Meu pai nunca gostou de receber surpresas, assim como eu. Mas o fato é que por não gostarmos, ambos temos o hábito de querer surpreender um ao outro. Visitá-lo não estava nos meus planos, mas diante das circunstâncias, levando em conta que perdi umas aulas, eu preciso de uma desculpa que diminua o meu castigo evidente.
Assim que as portas do elevador se abrem para o quinto andar, deparo-me com um grupo de enfermeiras paradas em frente à porta de um dos quartos, curiosas e cheias de melancolia.
— É tão triste... — uma delas choraminga — Ele é tão bonito...
Bonito?
Acima da porta do quarto em questão, há o número 505 inscrito em letras prateadas, e nem preciso dizer que minha curiosidade desperta e tenho a sensação de que preciso conhecer a celebridade do hospital.
É impossível que elas estejam paquerando o meu pai, mas tendo em vista que a maioria das mulheres que circulam por aqui têm uma queda por ele, devo admitir que tudo é possível. Tudo bem que ele tem fama de ser um dos médicos mais bonitos da cidade, mas elas deveriam entender que ele é casado.
Aproximo-me da porta, lançando à elas um olhar de fúria e a abro, pronta para dar um forte abraço em meu pai.
— Querida, o que faz aqui? — ele pergunta ao me ver.
— Vim te fazer uma surpresa. Faz dias que não vejo esse rosto digno de um deus grego — ironizo, porque sei que ele não gosta de receber elogios de qualquer maneira.
Ele balança a cabeça negativamente e sorri para mim, indeciso se deveria me repreender ou me abraçar.
— Espere só mais um pouco, Rafa — ele fala calmamente — Estou avaliando o quadro deste paciente em coma — ele gesticula com a cabeça em direção à maca — Odeio fazer isso, mas a família dele está pensando em desligar os aparelhos.
— Não faça isso — disparo subitamente, sentindo os meus olhos lacrimejaram quando vejo o rosto do rapaz que está deitado na maca hospitalar.
— Por quê?
— Porque eu o conheço... — faço uma pausa, enxugando minhas lágrimas com a manga do casaco — ...e porque sei que ele gostaria de viver mais.
Então aqui estava ele durante todo esse tempo, o meu espírito pervertido, preso em um coma capaz de levá-lo para a morte.
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Um Espírito Pervertido
HumorUma noite tempestuosa e dois amigos medrosos bancando os corajosos, a combinação perfeita para deixar Rafa completamente maluca. Entretanto, graças a uma ideia maluca de seu amigo, Harry, a garota acaba sendo obrigada a andar para baixo e para c...