Sabrina se aproxima um pouco mais de mim, na mesa do refeitório. Tanto ela quanto Harry ainda não acreditam no que estou dizendo a eles.— Como... ele é? — ela sussurra.
O espírito acomodado do meu outro lado faz uma careta.
— Diz para a sua amiga que estou ouvindo tudo. — ele resmunga — Vivos...
Balanço a cabeça, evitando começar um discurso de oitenta páginas sobre um espírito zombeteiro que não sai do meu pé e que acredita que sou algum tipo de pombo correio para vivos e mortos.
— Ele é feio — digo para Sabrina — Não vale a curiosidade.
Sinto algo bater em minha nuca e minha cabeça se inclina para a frente automaticamente.
— Desculpa — o espírito cantarola.
Outro detalhe que descobri sobre minha "conexão" com esse fantasma, é que sou a única coisa viva em que ele pode tocar.
— Fique sabendo que eu era o cara mais bonito da minha família quando estava vivo — ele comenta, estufando o peito.
Reviro os olhos para ele, esquecendo-me que estou acompanhada por pessoas vivas nessa mesa.
— Aposto que não há muitos homens na sua família — rebato.
Sabrina põe a mão sobre o meu ombro, fazendo com que eu me sobressalte.
— Tem pessoas vivas nos observando, será que você pode deixar sua briga espiritual para depois? — ela pergunta.
Dou de ombros, sem dar muita importância ao possível mico que ela está pagando por minha causa, pois antes de envergonhá-la, eu fui vítima de uma brincadeira sem graça que me prendeu a um espírito desrespeitoso.
Levanto-me da mesa, retirando-me do refeitório e da companhia de meus amigos que, em vez de se preocuparem com o inferno que estou vivenciando, só se dispõem a pensar em seus próprios interesses.
O espírito continua a andar atrás de mim, de vez em quando, algum dos alunos atravessa seu corpo e isso me causa ânsias.
Entramos no banheiro feminino e verifico se não há ninguém ocupando os boxes.
A área está limpa.
— Precisamos conversar a respeito da nossa situação — começo.
Ele sorri para mim maliciosamente.
— Nós temos uma situação?
— Você entendeu — me encosto na bancada da pia e reviro os olhos — Qual o seu nome?
— Jackson — ele me estende a mão, em cumprimento.
Agito as mãos, recusando o contato direto entre nossos corpos.
— Rafaela — murmuro — e quando quiser conversar, mantenha diálogo como uma pessoa normal, sem piadinhas.
Ele levanta as mãos para o alto, rendendo-se.
— Eu tenho esse hábito de fazer piadas desde que... — os olhos avermelhados dele ficam mais escuros de repente.
Assinto, começando a perceber que o assunto "morte" é um pouco doloroso para ele.
— Como é... estar do outro lado? — pergunto, sentindo um pouco de compaixão por ele.
— Não posso dizer — ele dá de ombros — Ainda não estive lá. E quem esteve, nunca voltou para contar como é.
Assinto mais uma vez.
— Acho que ainda tenho assuntos pendentes com os vivos.
Reviro os olhos.
— Você tinha que resolver seus assuntos pendentes comigo? — indago.
Ele sacode a cabeça.
— Eu não planejei isso, sabe? Alguma coisa me puxou para o jogo de vocês e... isto aconteceu — ele aponta para mim e para ele.
Cruzo os braços em frente ao peito e olho ao redor, temendo que alguém entre de repente e me pegue conversando "sozinha".
— Vamos fazer o seguinte, então — começo a propor — Permitirei que você fique comigo até que resolva suas pendências, mas depois... — faço uma pausa, certificando-me que ele está prestando atenção — Depois te enviarei para o lugar de onde veio.
— Isso é um trato? — ele pergunta, aparentando estar interessado.
Faço que sim com a cabeça. Uma vez que nós dois entrarmos em acordo, poderei acreditar que suas piadas sem graça irão parar.
Eu vi nos filmes de terror que, quando se faz um trato com um espírito, ele o mantém.
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Um Espírito Pervertido
HumorUma noite tempestuosa e dois amigos medrosos bancando os corajosos, a combinação perfeita para deixar Rafa completamente maluca. Entretanto, graças a uma ideia maluca de seu amigo, Harry, a garota acaba sendo obrigada a andar para baixo e para c...