Por que sonhos tinham que existir? E, pior ainda, por que tinham que ser tão sem sentido?
Nesse sonho, Ton estava no alto de uma colina extremamente íngreme, estava quase na beira, na sombra de uma árvore, a colina era tão alta que ele quase não via nada abaixo dela. Devia ser uma daquelas tardes de verão alguns instantes antes do sol começar a se pôr. A paisagem era magnífica no horizonte, estava ventando e, também, estava calor. Ton odiava o calor. O vento não estava afastando o calor, na verdade, por alguma razão inexplicável, ele estava trazendo mais calor. Como aquilo era um sonho, um sonho do Ton, era normal coisas assim acontecerem, afinal, os sonhos dele eram as coisas mais paradoxais do Universo, bem... Perdia apenas para o próprio Universo.
O sol brilhava em tons de vermelho, amarelo e laranja no horizonte, tão laranja quanto o cabelo da Audrey. Pensar nela, fez ele querer saber porquê estava ali. De repente ele sentiu uma presença poderosa, olhou em volta tentando achar alguém. A princípio, Ton não viu ninguém, então ele ouviu um suspiro de satisfação, então olhou de novo. O homem estava sentado de costas pra árvore, do outro lado, Ton deu a volta para ver quem era. Um homem de meia idade, barba e cabelo já ficando grisalhos. Ele olhava para o horizonte, o vento soprando seu rosto, fazendo o cabelo e a barba, que eram meio grandes, ondular.
- Adoro este momento do dia. - Ele disse, sem olhar pro Ton.
Ele não respondeu nada, o homem também ficou em silêncio. Ton o analisou, certamente ele era um deus ou um lord de Natureza por sua presença poderosa... Ton imaginou se não descendia dele, mas algo o dizia que não. Mais alguns instantes de silêncio, e então o homem olhou para ele.
- Ah, olá, garoto, não vi você aí. - Ele disse.
Sério? Ton pensou, o homem olhou pro horizonte de novo, fechou os olhos e respirou fundo, então um meio sorriso brotou em seus lábios. Ton sentiu a ventania ficando um pouco mais intensa e mais quente.
- Sabe, garoto, aqui neste mundo, não existem ventos mais quentes que os ventos de verão.
Ele olhou Ton novamente, então seu corpo começou a desaparecer, como se tivesse sendo levado pelo vento, Ton olhou as próprias mãos e viu que estava acontecendo o mesmo com ele, uma sensação de pânico o assolou, então acordou.
***
A súbita iluminação do local ofuscou a visão do Ton. Alguém estava abrindo as cortinas das janelas. Ele piscou várias vezes pra os olhos se acostumarem com a luz. Ele estava deitado numa cama enorme, o quarto onde estava era bem grande, parecia aqueles quartos das antigas mansões vitorianas. A pessoa, uma mulher, que tinha aberto as cortinas notou que Ton estava acordado.
- Ah, me desculpe, senhor, não queria acordá-lo. - Ela fez uma meia reverência. - Me pediram para trazer o café da manhã. - Ela apontou com a cabeça para uma travessa com comida na mesa de cabeceira ao lado da cama. - Então eu notei que o quarto estava bem escuro, decidi iluminá-lo um pouco.
Ton não disse nada, ainda não estava entendendo o que estava acontecendo ali. A mulher era um pouco familiar, aparentava ter um pouco mais de trinta anos, mas ele não lembrava se já a conhecia. Ela tinha longos cabelos loiros, olhos verdes, usava um vestido azul com mangas que iam até os cotovelos, ele percebeu algumas cicatrizes finas nos braços dela e umas marcas vermelhas nos pulsos. Ao olhar seu rosto novamente, ele notou a tristeza dela. Ton continuou em silêncio, não sabia o que dizer.
- Fui designada para serví-lo, senhor. - Ela falou.
- Onde estou? - Ele perguntou finalmente. Lembrava-se vagamente do que tinha acontecido no vilarejo, um ataque, vários filhos das trevas, e aquela mulher sombria, e então mais nada.
- O senhor está no palácio do Sr. Kallow. - A mulher disse.
Ton tentou se levantar ao ouvir aquilo, mas se sentiu um pouco tonto e deitou de novo. Por que ele estava ali? Ele se lembrou dos sonhos naquela caverna, seria isso?
- O senhor está bem? - A mulher se aproximou dele.
- Sim, eu... Acho que sim. - Ele falou.
- Não se esforce muito. - Ela disse, pegando a travessa com o café da manhã e colocando ao lado dele na cama. - Coma um pouco e tome isso. - Ela mostrou um copo com uma bebida verde estranha pra ele. - Vai te fazer bem, não se preocupe.
- Obrigado, senhora. - Ton hesitou, mas tomou a bebida, era um tipo de chá, meio amargo.
- Não há de que. - A mulher disse. - Não precisa me chamar de senhora, meu nome é Caitlyn. - Ela sorriu.
- Certo... Ton. - Ele a olhou. - Ton Stranger.
- Stranger? Um nome meio incomum. Muito prazer, Sr. Stranger.
- Me chame de Ton. - Ele pediu. - Você saberia dizer por que estou aqui?
- Sinto muito. - Caitlyn balançou a cabeça negativamente. - De onde veio?
- De... Sfixland. - Ton respondeu. Ela o encarou uns instantes, Ton não soube dizer que tipo de olhar era aquele. Parecia surpresa e triste ao mesmo tempo.
- E você? - Ele quis saber.
- Eu... Eu vim de um lugar perto de lá. - Ela disse por fim.
Ton ficou em silêncio, sempre ficava desconfortável com situações assim. Ele tentou levantar novamente, dessa vez sem tontura. Ficou de pé e caminhou até a janela. A paisagem lá fora era sombria, como ele imaginou que seria quando Caitlyn disse onde ele estava, mas era fantástico. O quarto onde ele estava devia ficar em uma das torres mais altas do palácio, dava para ver a copa das árvores sem vida da floresta que cercava o palácio. Ton tentou enxergar mais além, porém, uma névoa muito densa estava espalhada pelo local, também não conseguia ver o céu. Ele também não ouvia nada, não havia vida naquele lugar. Ton se assustou consigo mesmo por achar aquilo fantástico. Ele sempre curtiu essas coisas, o silêncio, paisagens sombrias. Mas aquilo que estava sentindo era assustador. Ele estava se sentindo parte daquilo. Por mais que a sensação para ele fosse boa, aquilo não devia ser bom. Ton se virou para a Caitlyn que estava recolhendo a travessa com o café da manhã.
- Eu preciso sair desse lugar. - Ele disse.
- Com "este lugar" refere-se a ilha ou o quarto? - Caitlyn perguntou.
- A ilha.
- É impossível, ninguém além do Sr. Kallow e a Sra. Kenndra saem desta ilha. - Ela disse.
- E do quarto? - Ton quis saber.
- No momento, o senhor não pode sair do quarto. - Ela respondeu.
- Você nunca tentou? Sair da ilha? - Ton perguntou.
- Sim. - Ela respondeu. - Mas desisti e resolvi aceitar que passarei o resto da minha vida aqui. - Ela disse, Ton não notou tristeza na voz dela. - E também se houvesse alguma maneira de eu sair, não poderia. - Ela terminou.
- Por que? - Ton quis saber.
- Simplesmente não posso, só isso. - Ela falou, com ênfase no final, Ton entendeu que ela não queria falar sobre aquilo, então não ia perguntar mais. Ela se levantou e caminhou pra porta.
- Voltarei na hora do almoço. - Disse, abrindo a porta.
- E se eu precisar de algo? - Ton perguntou, observando a mulher.
- Tem tudo de que precisa aqui neste quarto. - Ela respondeu e saiu. Ton ouviu quando ela trancou a porta.
O quarto realmente parecia equipado com o que ele fosse precisar, era muito maior do que qualquer quarto que Ton já viu. Em uma parede havia um armário de livros empoeirados enorme, uma escrivaninha, tinha um roupeiro em outra parede, o chão era todo forrado com um carpete cinza, ou talvez fosse de outra cor e só estivesse empoeirado. Também tinha um banheiro no quarto. Caitlyn tinha razão, o quarto tinha tudo. Mas, Ton queria sair dali.
Ele voltou a admirar a paisagem sombria fora da janela, a sensação de pertencer àquele lugar crescendo dentro dele.
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Filhos Da Natureza - A Prisão Das Trevas
ФэнтезиAudrey Jansen "Audrey caminhou lentamente até o portal, e levou a mão até a névoa. Uma corrente gelada atravessou seu braço e percorreu todo o seu corpo quando ela a tocou. O lugar, alguma coisa, alguém que havia do outro lado, a chamava. Então ela...