GREGORY CLOVE

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SEGUNDA PARTE: CHANDRA


Meia milena de soldados realizava uma marcha penosa no trilho infectado pela neve. A aliança entre o cansaço e a temperatura negativa fornecia peso adicional às armaduras, especialmente naqueles carenciados de montada: a infantaria. Cuja armação era deveras defeituosa quando equiparada com a dos outros postos.

As fileiras dianteiras prosseguiam em Snowdens, o animal melhor preparado para lidar com o inverno infindável de Winther, a montada de eleição para campanhas invernais no norte do continente. A sua presença era abundante no reino de Winther, cujo preço da sua compra rondava cinquenta Shinnes, por cabeça.

Quem os cavalgava durante aquela manhã pertencia a uma classe superior, cavaleiros juramentados a um senhor. Como membros da baixa-Ventura detinham abastamento financeiro para adquirirem cavalos, vestir cota de malha debaixo das túnicas negras, demandar o melhor aço para os elmos, manoplas a servirem de resguardo para os membros e capas enlaçadas às costas, onde desfilavam as cores, símbolo e o lema da casa do general.

O lorde-general liderava a procissão, seguido pelo porta-estandarte: portador do cabo de madeira, longo e atolado de lascas, de bandeira negra, caracterizada pelo trevo encarnado de cinco folhas desenhado no seu centro. Era o símbolo da casa Clove, cujo lema consistia na seguinte frase: "que as cinco deusas da sorte te sorriam!"

Gregory Clove debatia-se internamente há horas, incapaz de manter distanciado uma sensação desconcertante, como se a desgraça espreitasse na esquina, aguardando para o atirar da sela abaixo e devorá-lo.

Clove enxotou as ideias parvas, tinha outras preocupações. Movimentara uma força considerável para se livrar de bandidos. Como senhor de Ferr, que compunha um quarto do reino, impunha impostos mensais a quem ocupasse as suas terras. Quando alguém atacava uma das povoações no seu território precisava de enviar uma mensagem, senão seria visto como débil e os desafiantes ao seu governo não tardariam.

Esta situação era peculiar. A vila de Cefull fora assaltada por, segundo os relatórios, pelo menos uma centena e meia de indivíduos revestidos por gibões de peles, equipados com espadas e arcos. Chamavam-se os ladroes de Ferr. O ataque a Cefull não fora uma ocorrência isolada, já conhecia o grupo pelo nome, célebres por atacarem viajantes na estrada de Winther. Se as testemunhas fossem credíveis, então tinham quadruplicado o número de intrigantes. A ousadia do ataque mascarava a sua loucura, deveriam saber que o lorde interviria. Com uma tropa de quinhentos atrás deles estavam condenados.

O filho de Gregory, Derren Clove visitava Cefull na hora do assalto e fora levado. Eles tinham sequestrado os rapazes e raparigas da vila, antes de a fazerem arder até às cinzas. Derren escapulira até o vilarejo, vestido de camponês. Era pouco provável que descobrissem a sua identidade.

O senhor de Ferr engendrou uma teoria. Os membros dos Ladroes eram novos, recém-adultos. Provavelmente tentavam converter os raptados à causa, e as raparigas teriam outro uso. Amaldiçoou o filho maldito. A sua ida ao vilarejo devia-se a uma camponesa. Foi raptado por ir brincar com uma maldita camponesa! É bom que estejas vivo, seu ingrato, para eu te açoitar pessoalmente. Agradece por vires da minha semente, caso contrário estarias morto quando te metesse a vista em cima. Espero que a rapariga esteja viva para veres o que lhe vou fazer, contigo a olhar.

Na distançia avistavam o desenho de um vilarejo modesto, na margem da estrada de Winther. A comitiva prosseguiu a marcha, fustigada pelos ventos que uivavam que nem um lobo, aos quais se juntavam pedaços de neve.

- Aproximasse um Nevão, meu lorde. – Referiu o sujeito possante a seu lado, Andrej, vassalo da casa Clove, herdeiro da casa Brier, integrante da classe prestigiada dos Ventura. Andrej vestia constantemente uma expressão desconfiada, Gregory mantinha-o a seu lado pois admirava a sua honestidade e capacidade com uma espada.

- Maldita seja a Cether! – Bradou com asco, escutara todos os contos que podiam haver sobre os Condor, repugnando cada um deles, porém tinha uma aversão especial para com Cether, a Condor que afogara o reino de Winther em neve e gelo. Séculos depois a sua influência ainda era demasiado patente na natureza, uma prova do poder inigualável dos Condor.

- Devíamos procurar abrigo naquela aldeia, senhor. – Acrescentou Bardos, outro integrante da comitiva de Gregory. Conhecia Bardos desde sempre, um sujeito desprovido do menor fio de cabelo, carrancudo por natureza e detentor de uma mente táctica que envergonharia o mais distinto dos generais.

Gregory olhou para trás, avistando a fileira de homens que se estendia para lá do seu olhar, o frio picava-lhe a pele e manchas de vapor formava-se sempre que respirava. Várias carroças acompanhavam a marcha militar, puxadas por Snowden, que deixavam trilhos de duas linhas rectas na neve. Era nos veículos onde estava albergada a comida.

Mirou para cima, encarando o céu pintado em tons claros, invadindo por nuvens cinzas, do sol não se via um único vislumbre, só o vira uma única vez, ao visitar os reinos do sul. Existia um ditado célebre: "O sol evita Winther, se por lá passar congela-se também."

Aproximava-se da aldeia, a neve ocultava por completo a estrada, nas suas terras ele demandava que escavassem a neve depois de um nevão para a estrada estar sempre visível, quem não acedesse às suas ordens estava sujeito a pagar uma multa pesada. Queria descobrir qual era o Baixo-Ventura responsável por gerir aquela aldeia, para o castigar devidamente.

A povoação enclausurava-se no interior de alguns muros pálidos, revestidos por camadas de gelo. A escassas centenas de metros havia um lago, completamente congelado e com um pequeno matagal nas costas.

- Senhor. – Soltou a voz trémula de Andrej, por entre as centenas de murmúrios dos soldados e dezenas de relinchares dos Snowden. Apontou para o topo do muro, com um corpo de vários metros, onde jazia algo, Gregory quase caiu da montada quando notou que era um braço humano, a temperatura ajudara a torná-lo roxo e o sangue pintava o muro, servindo como um sinal de perigo. Gregory deixou-se influenciar pelo medo, ao reparar que a neve estava borrada por várias manchas carmesim.

O escudeiro de Andrej, um rapazinho de treze anos de boas famílias, vomitou, lamuriando-se. Andrej ordenou que este se acalmasse, desembainhando a espada de Barilli.

- Às armas! – Ordenou Andrej, colocando o elmo, em uníssono com Bardos. Seguiu-se, o eco do ruido soltado pelo gesto em massa dos soldados, libertaram a lâmina dos seus suportes, preparados para um eventual defronte. Gregory receava, deliberando se não seria melhor prosseguirem viagem e esquecerem o que tinha acabado de ver, sentindo-se, de novo, observado. Porém, ninguém era louco o suficiente para viajar num Nevão, aqueles que se aventuram neles não tornavam a ser vistos.

- A sorte sorri-me sempre. – Murmurou. Era uma frase poderosa, entoava-a sempre que se via necessitado de invocar coragem.

Os Snowden ficaram nervosos, debateram-se contra os seus cavaleiros, tentando, a todo o custo, livrarem-se deles. Muitos homens caíram no solo, inclusive Gregory, praguejando:

- Seu inútil, como te atreves a atirar-me para o chão, criatura estupida! – Rugiu, quando o seu Snowden, a par de maioria deles, fugiu sem olhar para trás. Andrej e Bardos eram os únicos a manterem-se no dorso das suas montadas.

Subitamente, o portão de madeira, enfaixado no centro do muro, rebentou, fragmentando-se em milhares de pedacinhos, juntamente com porção da pedra. O olfacto de Gregory captou um cheiro que o homem considerou horrível. De joelhos na neve, agradecendo por estar aconchegado nas suas roupas de lã, caso contrário teria sofrido queimaduras irreversíveis, olhou para a brecha no muro e o seu coração quase parou. Uma coisa, à qual apenas podia caracterizar de monstro, fitava esfomeadamente as tropas. Rugiu e encarou Gregory com um olhar semelhante ao rubi mais brilhante, antes de se lançar ao senhor. O homem ainda gritou, mas não serviria de nada. 

A Canção Da Natureza(UM CAPITULO POR SEMANA)Onde histórias criam vida. Descubra agora