NOAH 2

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NOAH REMES

Vongraida

Noah marchava pelo passeio, onde ocasionalmente brotava alguma erva, analisando os edifícios, sem se deixar perturbar pelas lamurias dos cidadãos. Já se havia contado o número de feridos, demasiados para o seu gosto, agora necessitava estudar o efeito do terramoto nas construções. Não fora um terramoto tradicional, mas não o partilharia com o povo. " Quem desconhece a desgraça não é afligido pelo desânimo que a verdade aflige." Kara proferira estas palavras quando se conheceram. A esposa apreciava o uso de frases marcantes, o pai de Noah partilhara esse traço peculiar.

Linhas de água subiam e separavam as ruas, ramificando-se em várias direcções, percorrendo a maioria da cidade e, a cada cem metros ou pouco mais, existiam pontes arqueadas que ligavam as duas margens. Se não fosse pela presença dos Fo'eaf, Vongraida seria assolada regularmente por inundações durante o inverno, a conexão deles com a Natureza tornava o arquipélago imune a catástrofes naturais, tornando o evento daquela tarde inexplicavelmente bizarro. Noah sentira-o: o arquipélago inteiro tremera, em cinco ou seis séculos de existência nunca houvera o singelo abalo de terra no Arquipélago das Oito.

- A Quarta será a última! – Revelara Elaina, poucos instantes antes de soltar o derradeiro suspiro, algures na última semana da terceira era. Desde então escondia-se daquela frase, temendo a sua veracidade, apesar de Elaina jamais ter errado uma previsão.

Fendas extensas ornamentavam uma porção diminuta das habitações. A pedra branca era resistente, a maioria da cidade fora construída com ela, impedindo que os estragos atingissem uma extensão mais avassaladora, para seu grande alívio. Uns quantos telhados rolaram para o solo, danificando a pedra, e para o rio, enfeitando os canais, a esse sobejo de tijolos juntavam-se estilhaços das janelas quebradas, subterrando o passeio com autenticos tapetes de vidro. Noah debatia-se contra uma multidão de corpos para avançar na direcção de um prédio caído. Mal o reconheciam, as pessoas davam-lhe o espaço necessário para se livrar daquele sufoco e passar confortavelmente.

Trespassou um beco estreito para alcançar uma das praças, o centro via-se decorado por uma grandiosa árvore branca, os ramos e a copa suplantavam o círculo de casas que a rodeavam. Procurara chegar ali: o piso superior de uma taberna ruíra, reduzindo-a a ruínas, fios de poeira pairavam sobre os escombros.

- Metherel Noah! – Exclamou um homem corpulento, o dono do estabelecimento, utilizando referência na voz áspera. – Ajude-me! – Rebaixou-se, colocando-se de joelhos frente a Noah e aos presentes na praça. – A minha filha e a minha mulher estão ali presas. – O dedo trémulo apontou para os restos da estalagem.

Noah aproximou-se, averiguando bem a situação, o prédio de dois andares não passava de um emaranhado de blocos de pedra, só podia considerar um milagre a família do homem não ter sido esmagada. Contudo, escutava pedidos de ajuda vindos do interior, um grupo de homens tentava abrir espaço para as retirar mas sem sucesso, as ruinas não se mexiam.

- Afastem-se. – Ordenou e todos acederam.

Foi desnecessário pedir, a Natureza reagiu ao seu desejo. Manifestou-se uma lufada de vento que espalhou uma cortina de folhas pálidas sobre suas cabeças e afastou as nuvens de pó. Depois, arrochou os escombros, levitando os restos de pedra, projectando-as para longe, criando uma brecha por onde a família do estalajadeiro atravessou de cócoras, cobertas de pó mas desprovidas de ferimentos. O homem corpulento apressou-se a abraçá-las, ignorando a sujidade, os espectadores soltaram uma onda de aplausos.

Noah preparava-se para partir mas o homem aproximou-se, cujo olhar castanho cintilava de admiração.

- Obrigado, Metherel Noah. – Tornou a ajoelhar-se. – Eu faço o que desejar para o compensar.

A Canção Da Natureza(UM CAPITULO POR SEMANA)Onde histórias criam vida. Descubra agora