PRÓLOGO

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A rapariga segurava a ferida, tentando ignorar a dor excruciante, bem ciente do seu futuro: estava prestes a soltar o último suspiro. Caminhava, quase arrastando a perna esquerda, totalmente ensanguentada, enquanto segurava as entranhas. Tentava enxergar o que quer que fosse, afogada na escuridão do túnel subterrâneo. Um dos braços procurava tactear algo mas apenas tocava no vazio. Encontrava-se à beira de um ataque de pânico, detestava o escuro. Tropeçou e caiu violentamente, libertando um grito moribundo, sentindo o sangue a escorrer para fora do seu corpo.

Sabia-o: não podia fazer nada a não ser aguardar. Cumprira a sua função, poderia partir em paz e aguardar o dia em que regressasse. Agora estava ciente da verdade escondida: renasceria algures no futuro, poderia ser dentro de um dia ou no seguinte milénio. Desconhecia quando, apenas tinha uma certeza, regressaria.

Cerrou a vista, ainda escutando os tambores da guerra, o metal a retalhar carne e os gritos de guerra. Deixaria a vida com orgulho, fora uma das grandes responsáveis em destronar os odiosos Condor, principalmente ao acabar com o último deles, minutos antes. Detestava matar, porém fá-lo-ia, e assim o fizera, sem pestanejar se a vitima fosse um Condor. Apenas Noah era parvo o suficiente para os poupar.

Recordou a sua última missão, tentando erguer-se. A dor retornou, privando-a das suas forças. Não conseguiria fazer nada, morreria ali, só e sem conseguir passar uma das mensagens mais importantes na existência da humanidade. Nem era capaz de se mexer, desesperando, amaldiçoando a sua inutilidade.

Subitamente, a sua visão acomodada à escuridão, captou o nascimento de uma luz frágil, que se expandia no final do longo corredor.

- ELAYNA? – A audição entorpecida reconheceu imediatamente a voz, as lágrimas vieram, percebendo o que iria perder. Com o pouco ar que lhe restava gritou:

- Noah. – O som saiu-lhe murmurante, receou que o amigo não a escutasse.

A claridade foi afastando o negrume, até ser possível verificar que o espaço era mais amplo do que imaginara e deparou-se com o rosto de Noah. Este abaixou-se vestindo uma expressão pouco característica, enquanto segurava uma tocha.

- Elayna. – Fitava o ferimento dela, choramingando. Conhecia Noah fazia anos, vira-o perder familiares mas ele jamais demonstrara-se tão abatido.

- Que fazes aqui? – Murmurou com dificuldade. – Vou-te dizer pela milésima vez: és louco. Tu tens que...

- Estar a teu lado. – Cortou, apertando a sua mão. – Preciso de te tirar daqui! – A jovem sentia o frio a alastrar-se pelo corpo.

- Não podemos fazer nada, vou morrer Noah.

- Não vais não! – Ele rugiu, ignorando as evidencias. Iniciou o seu canto, tão belo quanto qualquer outra coisa que Elaina jamais escutara. A melodia nascera com um objectivo.

- Pára! Ela não te vai responder, nunca te respondeu.

- Ela tem que responder, pelo menos desta vez. Ela pode salvar-te! – Retorquiu Noah, prestes a retomar a cantiga. Elaina fitou o rosto enlutado pelas lágrimas, amansando o timbre.

- Abaixa-te. – O jovem adulto ajoelhou-se diante da companheira, que sussurrou algo ao seu ouvido. Elayna viu o seu rosto contorcer-se de horror.

- Tens a certeza? – Ela acenou. Pela primeira vez viu Noah absolutamente aterrorizado, queria abraçá-lo e dizer-lhe que tudo correria bem mas mal conseguia arranjar forças para abrir os olhos.

- Aproxima-te, por favor. – Pediu, o jovem assim o fez, ficando com o rosto próximo do seu. Elayna deu-lhe um último beijo. – Adeus. – Soltou, cerrando a visão para a vida.

A Canção Da Natureza(UM CAPITULO POR SEMANA)Onde histórias criam vida. Descubra agora