■ Capítulo 40 ■

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Os meses passavam voando de uma forma quase incompreensível, mal conseguia acompanhar a forma como tudo mudava.

Aysha corria pela praça mas não estava com seu belo sorriso de sempre. Era aqui que Vitor a trazia quase todos os dias. Sento na grama ao seu lado e pego em sua mão.

- Você quer ir pra outro lugar? - pergunto.

- Não. Eu gosto daqui, mamãe.

- Tudo bem então. Quer que eu compre algo?

- Algodão doce...

- Azul. - completamos em uníssono.

Sorri e fui em busca do algodão doce azul que ela tanto amava. Quando retornei lá estava ela, na mesma posição olhando para um ponto fixo no chão.

- Mamãe, por que o tio Matheus voltou e o Vitor não?

- Eu não sei, Aysha. Eu realmente não sei.

- Ele, depois o Pedro... Quem vai ser depois? - ela me indaga e eu fico sem saber o que dizer. Era dolorido explicar algo tão complexo, para uma garotinha tão pequena que parecia saber de tudo. - Eu não quero que ninguém mais vá embora.

- Não posso te prometer isso, filha. - ela me olha triste e eu penso em uma explicação melhor que não causasse tanto dano. - Você vai viver muito, e durante toda a sua vida, várias pessoas vão chegar, ficar e depois ir embora. Óbvio que algumas delas ficam, mas outras, só vem pra te ensinar algo, Aysha.

Ela assente em compreendimento e eu respiro fundo, sabendo que durante um pequeno tempo, levaria o que eu dissera com ela.

- Podemos ir pra casa agora, mamãe? - ela pergunta e eu assinto em confirmação. Sem me esperar, ela anda com cuidado pelas ruas metros à frente. Caminho observando todos os seus passos e ao mesmo tempo perdida nos meus próprios pensamentos, eu precisava de longas horas de descanso para conseguir recapitular tudo o que acontecia de forma tão rápida nos últimos dias.

Aysha correu na frente, passando reto pela porta de casa e invadindo o quintal do Lehandro. Sabia perfeitamente o que ela faria.

A mesma, assim que entra, vai diretamente até Letícia que estava sentada no sofá segurando a pequena Lua nos braços.

Lua havia nascido bem antes do previsto e ficado algumas semanas na incubadora. Para compensar, todos os dias Aysha estava aqui, olhando de longe todo o cuidado que Leh tinha com a bebê.

- Mamãe? - Aysha chama depois de um tempo enorme encarando a menininha.

- O tio Lehandro e a tia Leh são bonitos, por que ela é feia? Ela tem cara de joelho, mamãe. - diz inocentemente.

MEU DEUS!

- É porque ela nasceu tem pouco tempo, Aysha, e bem antes do dia certo. Mas ela vai ser linda assim como você, ou até mais... - tento minimizar o clima.

Letícia ficava sorrindo como boba, era engraçado como ela havia perdido toda a postura que tinha por uma bebê de semanas.

Recebi uma mensagem de Matheus, avisando que me esperava na entrada. Sorri feito idiota e caminhei até a porta, com muita despedida, Aysha veio. Descemos o morro e como informado, lá estava ele. Arrumado até demais. O mesmo sorriu e selou nossos lábios em um selinho demorado.

- Tá indo pra onde? - perguntei ao entrar no carro.

- Na verdade, tô voltando. Fui até o litoral procurar um apartamento pra Bruna. Não quero que ela fique por aqui, não com uma criaturinha a caminho. - Por incrível que pareça, sim, ele passava os dias preocupadissímo em como Bruna se sentia. Era até engraçado ver todo o cuidado que o mesmo tinha por ela.


Quando chegamos no complexo, Aysha quase saltou em cima da bolinha que a Bruna se tornou. Sorri e sentei no sofá, ao lado da garota que com o passar do tempo, tinha se tornado minha maior confidente.

- Vou dar uma passada ali na esquina. Já volto. - Matheus avisa. - Vem comigo, moça? - Ele estende a mão pra Aysha e ela sorri aceitando.

Alemão coloca a garotinha nas costas e sai caminhando para fora de casa. Eu amava aquela sensação de ter conquistado o mundo inteiro em tão pouquíssimo tempo.

Virei-me para Bruna e lá estava ela, me encarando como se já soubesse o que eu pensava.

- Então, como tá o Rafinha? - indago mudando de assunto e ela sorri ainda mais.

- Chutando pra caralho. Parece que quer abrir minha barriga nos chutes. - Solto uma risada alta e ela continua quieta. Algo a incomodava e eu me perguntava o quê.

- Bruna...? - sem precisar continuar ela assentiu.

- Talvez eu tenha me precipitado.

- O que quer dizer com isso?

- Não é do Lucas, Larissa. - Ouvir aquilo era como o pesadelo que eu tentava evitar todas as noites.

- É sério isso?

- Eu não posso desmentir agora. Não quando Lucas já assumiu pra meio mundo o garoto.

- Sabe disso há quanto tempo, Bruna? - indago já sabendo a resposta.

- Desde o início. - ela soltou um riso em desespero. - É do Lehandro, Lari. E eu não tenho idéia do que eu vou fazer da minha vida nos próximos dias.

- Eu tô aqui, tá?

- Não conta pra ninguém, por favor. É só o que eu te peço.

- Relaxa. Tá guardado o seu segredo. - ela balança a cabeça positivamente e eu a abraço.

- Vamo ver o que Matheus tá fazendo? Quero andar, não aguento mais ficar nessa casa. - ajudo a bolinha a se levantar e saímos por fim.

Estávamos descendo o complexo, Lucas e Matheus estavam logo à frente sentados na calçada, bebendo com alguns vapores. Aysha brincava com uma menininha na rua e eu ria da palhaçada que Bru dizia.

E em um piscar de olhos, tudo desabava novamente. As risadas pararam, a palhaçada se pôs fim, a conversa boba acabou. O carro vindo na nossa direção em alta velocidade conseguiu cessar com qualquer mísera felicidade que sentíamos naquele instante.

A batida foi forte, o impacto maior ainda. Tiros soaram por todos os lados enquanto eu me mantia caída no chão, presa àquela imagem aterrorizante de sangue espalhado por todo lado. Eu pedi imensamente, e de todas as formas possíveis, eu supliquei com todas as minhas forças que aquele sangue fosse meu, porque eu era incapaz de desejar qualquer mal para qualquer outra pessoa próxima que estivesse ali.

Quando a sirene da ambulância soou, eu finalmente tive coragem de levantar. Pessoas gritavam aterrorizadas enquanto eu me mantia paralisada. Era horrível aquela sensação de perda e medo antecipado. Eu não tinha chão, parecia flutuar e tinha a sensação de que a qualquer momento, levaria uma enorme queda, levando com ela, todos os meus sonhos, metas e planos.

Meu corpo estremeceu ao pensar na possibilidade dela não resistir. Todos os seus sonhos estariam perdidos e eu estaria completamente perdida por perder alguém como ela.

E eu chorei, eu chorei como nunca havia chorado antes.

Entre FacçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora