Ato I
Encontrei ele em uma peça de teatro
Caxias que sou, estava lá, na porta
Uma hora antes da abertura
Pegar um bom lugar, ao centro
Era essencial para mim.No portão, ele estava de camisa meio aberta
Calça risca de giz, cigarro aceso
Sorriso de muitas vidas
Olhar de quem não se reconhecia.Sorriu para mim.
Fingi que não vi.
Caxias, quadrada, certinha demais.Ele apagou o cigarro com o sapato
Entrou no teatro.
Perdi ele de vistaA peça começou, quase cai da cadeira
Quando na pele de um dramático
Ele surgiu.
Cresceu no palco. Iluminou.
Me fez chorar. Rir. SentirAplaudi com furor
Ao final da peça
Fiquei esperando, queria elogiar
Dar parabéns, desejar sucesso.Ele me enxergou no meio da multidão
E era a primeira vez que eu me sentia
Como se realmente estivesse sendo vistaEle se aproximou.
Eu elogiei.
Ele riu e acendendo um cigarro, falou:Amanhã, as 15, aqui na porta ok?
E saiu.
Havia mais gente para falar.Caxias que sou, fugi.
Entendam:
Meu mundo é no lugar.
Ato II
Do primeiro encontro até hoje
Mil coisas havia mudado
999 com certeza, dentro de mim.Agora eu acendia meu cigarro com o dele
Eu também bebia gim
Acompanhava ele nas cochias
Ouvia poesias a meia noiteEle me falava de Sartre,
Shakespeare Garcia Lorca,
E 5 faces de Fernando Pessoa.
Eu lia Drummond, Buarque, Hilda.Eu ajudei ele a construir personagens
Ao mesmo tempo que me reconstruía.
Eu não estava no palco, mas me sentia parte dele.
De Iracema peguei a coragem
De Joaquina peguei o penteado
O modo de falar, misturado.E ele? Ele era mil homens dentro de um
Cada dia eu amava um diferente
Paixão nova todo o dia faz bem pra pele
Ele repetia isso todo o dia.
Ato III
Já eram 3 da manhã
Com gosto de gim e cigarro misturado na boca
Olhos pesados, caídos
Abri a porta do teatro e senti aquele pesar.Quando se vê o avesso do palco
Parece que perde a magia do lugar.Eu ia para o nosso quarto
Direita, esquerda, esquerda, sexta porta
No meio do caminho
Ouço barulhos,
Volto às coxias.Em meio a gemidos abafados
De gozos contidos, ele estava lá
No meio das pernas de uma garota linda.O vestido dela, bem dobrado na cadeira ao lado
Ri da ironia.
Uma caxias.Ataquei os panos que estavam próximos
Larguei tudo que tinha no quarto
Fugi.
Voltei para a casa da vida antiga.
Ato IV
O cabelo cortei conforme a moda
Pintei de preto, séria
A roupa, discreta
A voz, monótona
Só os olhos não mudaram
Porque não tinha como apagar
Tudo que eu havia visto
Sentido. Pensado.Mil vezes ela o acusou
De, bom ator que era, fingir
Ele nunca rebateu ou argumentou
Ela gritava, batia, ele quieto
Ouvia, não se defendiaUm dia chegou para ela uma carta
A caligrafia dele rabiscada de maneira torta dizia:De mil mudanças, 999 eram tuas
Porque só eu fingia?"
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Teorias do Imaginário #Wattys2016
PoetryTeorias do Imaginário é uma coletânea de poemas, contos, sentimentos e sensações. É a tradução do olhar e sentir de alguém acostumado a andar pela linha que divide a fantasia, a realidade e uma dimensão que ainda não tem nome, alguém que fez um pact...