Poema nº 50 - Represa

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Ela esta sentada na praça acompanhada do caderno de anotações com a capa pintada de um país que ela não conhece.
Ela esta sufocada, sozinha dentro de si com aquele sentimento de não pertencimento que acompanha ela desde criança.
Ninguém nunca entendeu isso.

Então ela abre o caderno e joga para o papel o turbilhão dentro dela
Com o furor e a pressa de alguém que tem tanto para escrever, transbordar, transmutar e escoar de dentro de si.

Ela é um rio, jorro interminável de sentimentos e sonhos.
Ela tenta, de tempos em tempos, interromper esse fluxo.
Porque dizem que ela não tem mais idade de viver no mundo da lua
Porque dizem que ela deve se prender mais à realidade

Então ela vai montando por dentro uma represa
As pedras pesadas de um trabalho que ela não gosta mais
A culpa pelas decisões que ela resolveu tomar
Todas as coisas que ela não pode ser mais como irmã ou filha
Todas as coisas que ela deve ser mais: profissional, feminina, real.

Ela esta lá sentada na praça se inclinando sobre o caderno de anotações com a capa pintada de um país que ela um dia quer conhecer
Pesada pelas pedras da represa que montou
Do outro lado, tentando submergir esta uma garotinha de cabelos loiros
Que teve de aprender a se esconder em livros e histórias para não enlouquecer
Que cresceu nos corredores de Hogwarts porque ninguém olhava por ela

Ela se refugiava dentro dos livros. Ela neles que viajava, sobrevivia ao caos de sua família desestruturada.
E foi crescendo, metade no mundo dentro dos livros e metade no mundo que se dizia real.
Ela nunca achou um lugar ao qual pudesse chamar de lar.

Ela esta lá sentada, lendo tudo que escreveu no caderno de anotações com a capa pintada de um país para qual ela quer fugir.
Ela esta tentando contar a história de uma menina que foi abandonada mesmo estando cercada de pessoas, porque ninguém se preocupada em ouvi-la.
Uma garota que cresceu procurando um lugar no mundo real que ela pudesse chamar de lar
Uma garota que foi sufocada pelas responsabilidades da vida e pelas expectativas de pessoas que ela amava.

Uma garota que aprendeu a respirar escrevendo.
Tirando as palavras de dentro de si e transcrevendo-as no papel
Uma garota que precisava urgentemente de alguém que a salvasse.

Então um dia ela viu um vídeo chamado Ressurreição de algo que a tocou profundamente
Era a primeira vez que ela ouvia falar de Poetry Slam
E foi ai que ela descobriu que mais libertador que escrever era dizer em voz alta tudo que ela prendeu dentro de si ou aprisionou no papel.

Ela estava lá, sentada em uma praça com um caderno de anotações com a capa pintada com imagens de um país que ela um dia vai viver fazendo uma promessa,
Que ela não quer mais construir represas dentro de si
Que não quer deixar de viver entre o mundo real e uma dimensão que ainda não tem nome
Que ela vai chorar, sorrir, sentir cada linha que ler sem medo de ser quem é
Que ela não vai mais deixar aquela garotinha se afogar num mar de confusão

Ela não mais se sufocar.

E é por isso que ela esta em um palco, falando em voz alta
Tudo o que gritava no silencio de sua alma
Ela vai continuar a procurar um lugar para chamar de lar
Ela vai se libertar e com a promessa feita nos moldes
De um poema chamado Ressureição

Eu vim aqui prometer
Reviver a poesia dentro de mim
E nunca mais deixa-la calar-se ou morrer.

Teorias do Imaginário #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora