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Para ela, tudo o que acontecia naqueles dias, era como um aviso. No seu entender, havia um aumento na proximidade entre o Paraíso e o Inferno. Não exatamente entre os lugares, mas entre os seus integrantes. Ela não saberia explicar detalhadamente, mas além de sentir isso, ela via coisas estranhas, já que o seu poder, quando tinha energia, permitia que fosse a vários lugares. Tudo isso a deixava pensativa, reflexiva no motivo de ninguém dizer ou fazer nada.

"Talvez não haja o que possa ser feito."

Deitada numa projeção sobre um grande buraco, ela olhava para o lado de baixo do Inferno. Tinha a visão perfeita de toda a estrutura que parecia flutuar livremente sobre o lugar onde estava. Mas isso era uma mera impressão. Sempre teve essa certeza. Já sobre o Abismo, ela estava acostumada àquele lugar e o tinha como seu. Possivelmente tinha essa sensação pelos milhares e milhares de anos que passava sozinha ali, e talvez esse era um dos problemas: tanto tempo para reflexão. Mas, com aqueles últimos acontecimentos, ela passou a se recordar não do seu antigo lar, mas de suas origens.

"Archos..."

A palavra lhe veio tão nítida que não sabia se ouvira ou se era a sua mente lhe pregando uma peça. Era algo que ela quase esquecera.

"Quase."

Mas talvez não houvesse como, já que muitas coisas ao seu redor e no seu cotidiano, vivificavam essas recordações. Por exemplo, quando passava pelo segundo círculo e observava a forma como era, a grandeza dos espaços e o posicionamento das construções.

"Tem de ser proposital." — Assim ela pensava.

Pegou uma fuligem maior em sua mão e a apertou. Quando abriu, viu o pó ser levado pela brisa quente do lugar. Então teve uma recordação:

Há muitas coisas a serem reveladas, mas o foco da questão é o palácio de Belial, que fica bem ao centro daquele platô, cercado por vales e montanhas, tudo completamente árido e corroído. E também há a segunda construção mais importante: um Preposto. Que inicialmente era apenas uma fortaleza. Mas qual a importância de um simples preposto? Bem, foi logo depois da Queda que tudo aconteceu. Muita coisa precisou ser reestruturada, inclusive a ordem dentro da hierarquia. Belial seguia como supremo dentro da classe dos arcanjos mas, abaixo dele havia os seus sete secretários e essas eram (e sempre foram), posições muito cobiçadas tanto pelo destaque, quanto pelo estatus, pelo "poder". Por isso a disputa para se assumir uma dessas vagas foi ferrenha, e seria decidida em um "todos-contra-todos". Os últimos sete que restassem de pé, seriam os eleitos. Foi na última vaga, que se chegou a dois candidatos: Aduquistes e Guerudina-Zã. Ora. Aduquistes foi ferido gravemente pois, o seu oponente tinha uma essência bélica bem maior, conquistando assim a vaga. Para não cair em desgraça e esquecimento, assim como tantos outros arcanjos, Aduquistes, no momento em que via a ascensão do sétimo secretário, clamou por servidão ao próprio Belial. Este não deu ouvido de início, mas assim que o derrotado citou:

"— ...Afinal o meu senhor deve ter o mais eficiente gerenciamento de entrada e saída de pessoal..."

O príncipe entendeu que isso seria uma vantagem tática, e lhe deu ouvidos. Após longa conversa entre ele, seus secretários e Aduquistes, ficou decidido pelo Preposto. Pessoal e informações seriam filtrados e direcionados diretamente para quem fosse de direito. Até aquele momento, nada demais, contudo Guerudina-Zã estava ressabiado com tamanha presteza vinda de Aduquistes e, logo que pode ficar a sós com Belial, pediu para cuidar pessoalmente da implantação física desse preposto, ao qual lhe foi concedido. Incomodado como estava, o sétimo secretário lançou as bases do Preposto de Aduquistes na fortaleza oeste, na linha limítrofe do ermo, em rochas incrustradas na própria muralha. O que necessitou de muito poder para ser executado. A ideia era minar a eficiência do trabalho de Aduquistes, mas não foi bem o que aconteceu.

Com essa história em mente, ela rolou para o lado, deixando o braço pendurado, como se apontasse para o que havia no fundo do Abismo. O brilho alaranjado agora refletia em seus olhos e, por vezes, ela se sentia hipnotizada. Como se, o que estivesse naquele fundo, a chamasse. Rolou de volta, ficando com a barriga para cima, focando em nada, agora recordando do último sonho.

"Porque ele acessa tais lugares com tamanha facilidade?"

E havia outros e outros questionamentos sem resposta. Foi depois de longo tempo que decidiu:

"Vou procurar por ele. Talvez conte algo que possa me ajudar."


BOIN - Amor das ProfundezasOnde histórias criam vida. Descubra agora