XXXII

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         A cada degrau subido, Chie virava-se para trás como se quisesse certificar minha fidelidade ao não sair de seu lado. Ela tinha um sorriso no canto dos lábios, quase imperceptível, mas observá-la de tão perto me fazia ter certeza que estava.

        — Você parece feliz. — Disse, meio sem pensar e com um tom mais calmo do que esperado.

       — É porquê eu estou. — Chie respondeu prontamente, sorrindo. — Porque... Eu... Precisava de uma folga daquele trabalho pesadíssimo, é, isso.

       Ri nasalado, lembrando-me do quanto aquele trabalho de meio período não era pesado. Na maioria das vezes, ficávamos atoa, apenas à mercê de clientes fáceis de ser atendidos e que raramente causavam alguma dor de cabeça.

        — A única parte pesada daquilo era a mão de seu pai acertando minha nuca como punição. — Ela subiu o último degrau, virando-se para mim que estava logo abaixo. Olhou-me por um curto período de tempo, pensativa, até que tive que perguntar. — Chie?

Ao invés de responder, ela continuou a me encarar. Já deveria saber o quão sem jeito eu ficava ao ser olhado assim por tanto tempo. Virei a cabeça para o lado, forcei uma tosse e antes de voltar a olhá-la, Chie começou a falar. Agradeci mentalmente.

        — Desde que você saiu, ficar sozinha lá se tornou tão chato. —Tombou a cabeça pro lado, parecia estar escolhendo as melhores palavras. — Quando voltarmos da viagem, você podia... Sabe, voltar a trabalhar na loja, não é?

Então era isso?

         Dei um passo à frente, ficando apenas um degrau de distância de Chie. Ela, como de costume, tinha uma briga interna com si mesma entre se aproximar ou afastar, fazendo nenhum dos dois. Por fim, acabávamos sendo completamente parecidos, de maneiras diferentes.

          — Sim, eu adoraria voltar.

          Ela sorriu largamente dessa vez, dando as costas para mim no instante seguinte e passando a andar no segundo andar do galpão que possuía uma enorme sala com nada além de cadeiras encostadas nos cantos, cobertas por lençóis velhos e outros panos. Mais para frente havia uma grande sacada, e me perguntei se o motivo deles não usarem aquela parte era o medo de seus alunos insanos como eu quererem pular dali e sair correndo daquele acampamento.

— Wow, que grande. — Chie disse, impressionada.

— O oposto de você. — Pisquei para a garota, que entreabriu a boca.

— Haha. — Ela deu alguns passos para trás apenas para que ficasse ao meu lado e pudesse pisar sem dó em meu pé.

— Chie, por que você me odeia tanto? — Disse entre risos, escondendo a verdade que realmente havia machucado.

          — Mas o céu está lindo. — Respondeu, ignorando totalmente minha pergunta. — Não acha?

          — Sim, está lindo. — Todos os clichês de filme de romance passaram em minha cabeça, como se pudesse selecionar minha fala. "Sim, Chie, assim como você". Agradeci por ter rejeitado todas opções e apenas ter elogiado o céu, assim não faria com que ela risse tão alto ao ponto de todos acordarem.

          — É bem diferente do céu na cidade. Eu nunca havia tirado tempo para reparar nessas coisas.

           Concordei com a cabeça, em silêncio. Podia ver perfeitamente o céu através da janela ali, almejando poder sair lá fora e ver com mais detalhes ainda.

Chie deve ter pensado a mesma coisa, já que andou até mais perto da porta que nos separava da varanda, tentando a abrir sem sucesso. Virou-se para mim, os queixos batendo e os braços em volta de si mesma para se aquecer do seu jeito. Estava assim há algum tempo, mas apenas fui notar com a tremedeira de seu corpo.

mangirly ➳ nakamoto yutaOnde histórias criam vida. Descubra agora