Cap. 13

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Kiara

Sua moto está do outro lado com o farol aceso apontando para o norte, o que me desperta. Ainda acho que estou sonhando, foram coisas tão surreais para uma dia só, tantos baldes de água, ela estava completamente afetada com tudo. Preciso ver seu corpo.

Não aceitar a morte é uma das características mais fortes de nós humanos, andamos por aí desviando, protegendo quem amamos, mas não temos tantas opções.

Me levanto e deixo o Apolo estirado, que agora está com os olhos fechados e a falta de coragem de ir ver se ela está lá, e o medo de ela não estar mais.

Ando até o outro lado do caminhão com as mãos tapando o rosto, parece infantil, mas não sei se estou preparada para ver seu corpo no chão, ou talvez pedaços dele.

Desço as mãos lentamente e sinto um frio na espinha, um brisa gelada toma meu corpo e meus olhos contemplam uma Hauana apagada cheia de ferimentos, porém inteira.

Corro em sua direção, me agacho e balanço seu corpo quente, e sinto seus batimentos, uma esperança nasce dentro de mim, posso sentir o quanto estou ansiosa para que esses olhos abram, nunca senti tanta falta desse monstro.

"Hauana.." removo o capacete com rapidez e balanço ela que abre seus olhos lentamente, o suficiente para perceber que tem alguém em sua frente.

"Kiara.." ela diz baixinho enquanto olha dentro dos meus olhos, isso me afetou um pouco.

"Você está viva Hauana, pensei que.. você veio em alta, não conseguiu freiar, seu corpo.. sua moto.." tento acompanhar os fatos desesperada, acabo chorando e ela põe o dedo em minha boca para eu me calar. Ela e suas manias.

"Não tive tempo de freiar.. então joguei a moto embaixo.. do caminhão.. e consegui escapar.. atravessando junto.." ela diz baixinho com os olhos quase fechados, sua fala está pausada e creio que é por conta das dores, ela está muito ferida.

"Eu vou ligar para ambulância e pros seus pais, vou chamar o Apolo, eu.. vou arranjar um jeito de te tirar daqui." ela me segura.

"Não! Não avisa.. não chama merda nenhuma.. fica aqui.." ela pede colocando minha mão em seu rosto, esqueço a realidade mais uma vez, está tudo tão errado.

"Você vai precisar de cuidar disso tudo aí, não acha? Pode ser que tenha quebrado algo ou.."

"Está tudo bem.. não preciso de nada.. como veio? Como veio até aqui? Eram vocês na moto?" ela alisa minha mão e eu acho que estou retribuindo.

"Sim, nós vimos que sua situação não estava muito boa para sair por aí de moto.."

Ela fica calada me observando e fecha os olhos novamente.

"Hauana! Fica acordada por favor, não faz isso.. você está me ouvindo? Eu vou chamar a ambulância, okay?" balanço seu corpo mais uma vez.

"Por favor.. não quero pessoas.. não.. preciso voltar pra minha casa." você é tão difícil Hauana.

"Kia.. ela..?" o Apolo pergunta vindo em minha direção um pouco assustado.

"Está viva."

"Isso foi um tipo de milagre?" ele se agacha rapidamente ao meu lado e observa ela estirada, seu peito sobe e desce lentamente, seu corpo totalmente ferido, sem camisa, com o torso todo cortado, seus braços ralados e sua calça rasgada, me comove ver isso.

"Essa estrada está bloqueada, por isso que aqui é gramado, e esse caminhão deve ser do proprietário. Tinha uma placa logo ali, mas passamos direto.. vamos fazer algo Kia, ligar pro meu pai ou algo do tipo, urgente!" ele diz analisando a Hauana desacordada.

"Sem sinal! Droga!" ele xinga.

"O meu também.."

"Fica aqui, eu vou atrás do meu pai! Vou tentar encontrar alguém."

"Okay, mas por favor cuidado." ele corre para montar a moto.

O céu estrelado ilumina toda a noite, a lua hoje está perfeita. Me sento ao seu lado e ponho sua cabeça em minha perna. Ela se mexe um pouco mas logo se acomoda.

"Não faz isso comigo Kiara.." ela implora e não sei ao que está se referindo, aliso seu cabelo, acaricio a parte cortada e ela continua com os olhos fechados. Eu não sei explicar como estou me sentindo.

"Te machuquei?" pergunto preocupada.

"Nunca.. não você.." sinto um pouco de pena da Hauana, depois de tudo no restaurante ela ainda sofre um acidente desses.

"Quer falar sobre?" tento mas sou interrompida.

"Um um.." ela nega baixinho.

Continuo acariciando seu rosto no silêncio, não quero forçar muito, sei que ela está totalmente machucada, e daqui percebo seu esforço para segurar a dor.

"Ouvi a voz do Apolo."

"Ele foi chamar o pai.. você precisa ir pro hospital."

"Merda.. quando estiver com meu pé funcionando.. eu vou acertar.. o rosto daquele ordinário.. " ela reclama e um pequeno sorriso se forma em meu rosto.

"Uma hora ou outra teria que ir, creio que quebrou algo, não existe possibilidade de voltar para sua casa assim." explico para a figura.

"Quanta humilhação.." ela resmunga. E até nesse estado ela é orgulhosa.

"Aonde dói?" pergunto.

"Tudo.. mas em potência o pé esquerdo.. o que ficou por baixo.." ela explica com dificuldades na respiração.

"Okay, fica quietinha agora e tenta segurar a dor, logo logo você estará funcionando novamente."

"Como consegue?"

"O que?"

"Depois de tudo.."

"Você foi incrível comigo aquela noite, te falei que quando precisasse eu estaria. " explico e ela permanece sem mover um membro, a única coisa que se move são as gotas de sangue que escorrem sua pele.

"Sacanagem do destino.." ela resmunga e eu sorrio.

"Acontece. Mas qual o problema em ser ajudada?" pergunto.

"Por que sempre cheia de perguntas..?" ela pergunta.

"E por que nunca me responde?" pergunto de volta.

"E por que sempre me pergunta..?" ela revida.

"Perguntei primeiro." sorrio.

"Sua voz.."

"O que tem ela?"

"Quando usada para cantar.. é linda.. fora isso enche o saco.." ela brinca e geme de dor logo em seguida.

"Tudo bem? Aonde foi?" pergunto.

"Sem ponto específico.." ela morde o lábio inferior.

"Você é forte." pego em sua mão.

"Eu quero acreditar nisso.." ela se contorce e aperta minha mão.

Um farol forte ilumina a gente e sinto um sensação que precisa ser aliviada, espero que sejam eles. Assim espero.

Quando mundos colidem |ACASOS|Onde histórias criam vida. Descubra agora