" É preciso estar pronto para dizer adeus"
Eu sou Sol"Capítulo 2
A despedida veio logo após o reencontro, e a dor da despedida é sempre a mais cruel. Um novo buraco se abriu no meu peito: meu tio Toni se mudaria para a Califórnia. Hoje, todos estávamos em lágrimas.
Ele conseguiu um bom emprego na área imobiliária e agora ganharia em dólares.
O valor daquela nova moeda, eu sabia, nem sempre refletia o verdadeiro custo das coisas — especialmente das grandes esperanças. Saiu pela porta da frente usando seu jeans velho, e no rosto levava o sorriso de quem carrega um futuro melhor no bolso.
Prometeu que iria conseguir um tratamento para mim no Stanford Health Care. Havia saído uma matéria nos jornais nacionais sobre um grande feito cirúrgico desse hospital na área de coluna vertebral. Mas o tratamento era caro. Muito caro.
— Assim que eu me aprumar por lá, você vai morar comigo, e faremos o impossível pra te ver andando de novo.
Essas foram suas palavras, ditas com uma firmeza que quase me fez acreditar. Ele entrou no carro, o taxista deu partida e sumiu pela esquina, deixando um silêncio pesado para trás.
Agora, nessa casa imensa, restamos apenas eu, meus avós e meu tio Tito. Esse, pelo jeito, não vai se mudar nunca. Diz que se sente responsável por mim e pelos meus avós, que somos incapazes de ir até a esquina sem incomodá-lo. E, de certa forma, não deixa de ser mentira.
— Ouvi dizer que os Lorritos venderam a casa ao lado pra pagar tratamento de câncer. É verdade? — perguntou tio Tito, com um tom seco, ignorando nossas lágrimas pela despedida de Toni.
Meu avô cruzou os braços e balançou a cabeça em negação, apertando os olhos como se não enxergasse um palmo sem aquele gesto.
— Realmente venderam! Ma smetti di essere inxerido! — resmungou, fazendo um movimento brusco com as mãos, como quem quer encerrar o assunto. Em seguida, saiu dali, e minha avó o seguiu, deixando apenas eu e Tito na varanda.
Ele começou o mesmo discurso de sempre:
— Você precisa sair mais. Socializar...
E tudo o que eu queria era sair correndo. Mas não podia. Estava presa à maldita cadeira de rodas.
Percebendo meu desespero com aquele velho assunto, minha avó nos chamou para dentro:
— Venham, está ficando frio.
Entramos. Meu tio empurrou minha cadeira, e eu me senti ainda menor.
A Rotina e o Vazio
Não havia muito o que fazer naquela casa. Meus avós passavam as tardes fazendo tortas e doces, que distribuíam à noite em cultos para crianças menos favorecidas. Meu tio Tito não fazia nada além de reclamar.
— Sou enfermeiro, mas não trabalho porque você ocupa todo o meu tempo e suga minhas forças!
E, mais uma vez, ele não mentia. Eu era um incômodo para todos. Sentia isso desde o acidente.
Tito contratara uma cuidadora para mim — uma jovem senhora que beirava os trinta e poucos anos, ríspida e fechada. Nós a chamávamos de Senhora Zangada. Eu tentava puxar assunto, mas ela raramente respondia.
Não tinha amigos. Estudava em casa desde o acidente. Multidões, trânsito, barulho — tudo me dava pânico.
Às vezes, eu me imaginava levantando da cadeira. Correndo. Vento no rosto. Braços livres.
Mas, quando abria os olhos, lá estava eu. Presa. Imóvel.Durante meses, eu não consegui me olhar no espelho.
Havia algo de monstruoso em ver meu próprio corpo reduzido à metade. Minhas pernas imóveis, finas, como se não me pertencessem mais. A cadeira refletida atrás de mim — constante, fria, indesejada.
No começo, minha avó cobriu todos os espelhos da casa. Dizia que era por causa da luz, que fazia mal aos meus olhos, mas eu sabia. Ela queria me proteger daquilo que ninguém conseguia esconder: a ausência.
A ausência do que eu era.
A primeira vez que ousei levantar os olhos diante do vidro, me vi como uma estranha. Meu rosto estava ali, mas meus olhos… meus olhos tinham ido embora. No lugar deles, havia um apagamento. Como se minha alma tivesse desbotado.
Fechei a tampa do espelho e vomitei na pia.
Desde então, evito meu reflexo como quem foge de um fantasma.
Naquela manhã, o amanhecer veio diferente. Entre o canto dos pássaros, um barulho ensurdecedor de caminhões.
Meu corpo travou.
O som dos motores ecoava dentro do meu crânio como se o caminhão do acidente estivesse de volta. Meus dedos se enterraram nos cabelos. As unhas deixaram marcas vermelhas na pele.
— Não, não, não... — sussurrei, mas minha voz se perdeu no ar.
O coração batia tão forte que doía. O peito apertava, como se alguém estivesse sentado sobre mim.
— Sol? SOL! — Alguém gritou meu nome, mas eu já não conseguia responder.
Tudo escureceu.
Quando acordei, estava no hospital.
— Sol, você tem tomado seus remédios regularmente? — o médico perguntou, iluminando meus olhos com aquela luz irritante.
Antes que eu pudesse responder, meu tio interveio, pronto para exibir seus conhecimentos médicos. Uma hora depois, fui liberada.
No carro, meu tio já estava com os fones de ouvido e a venda para meus olhos — seu método para me levar a exames sem crises.
— Depois do acidente, você meio que ficou com aversão a tudo, como se estivesse vivendo numa bolha — disse, entre risadas.
— Sério, tio? Isso não é coisa pra brincar.
— Por que adolescentes são assim? Foi só uma piada, meu Deus! — Ele revirou os olhos. — Para de me olhar assim. Tô me sentindo sendo arrastado pro inferno.
— Coloque a venda e o fone. Vamos embora.
Ao chegarmos em casa, o barulho que me causou a crise de pânico naquela manhã agora fazia sentido. Eram caminhões de mudança trazendo as coisas dos novos moradores.
— Viu? Eu disse que tinham vendido a casa! — disse meu tio, triunfante.
Havia uma movimentação intensa na antiga casa dos Lorritos.
Envergonhada, hesitei em sair do carro. Mas meu tio não ligou. Abriu o porta-malas, pegou minha cadeira de rodas e me tirou do banco.
Senti meu rosto queimar sob os olhares curiosos dos novos vizinhos. Fechei os olhos com força. Não queria encará-los. Não queria estar ali.

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Eu Sou SoL
RomantizmSoL, uma jovem de 17 anos, tornou-se paraplégica aos 16 e, desde então, encontra refúgio em seu quarto, isolando-se do mundo exterior. A ausência de afeto romântico e a inexperiência de um primeiro beijo pesam sobre ela. No entanto, o destino reserv...