21 de julho de 2022
Estou vivo, exausto e sem esperanças traumatizado pelo resto de meus dias; mas vivo. Ontem à noite logo após escrever aqui eu fui até a cozinha iluminada por meia dúzia de velas, peguei o copo e enchi de vodka. O gosto é horrível, pensei que iria vomitar no primeiro gole mas persistir. Ao cabo de 20 minutos de grunidos da coisa lá fora eu havia ingerido pelo menos um terço da garrafa então tomei uma coragem artificial, segurei o martelo com firmeza e me dirigi até a porta da frente, movi a mesa e o sofá que bloqueavam-na e avancei até a varanda.
Estava tudo escuro e no entanto a criatura apareceu notar minha presença pois elevou sua fúria a um outro nível. Os ferros do portão produziam um som metálico e estridente ao chocarem-se com os ferrolhos. Enquanto seguia pelo caminho de cascalho até ele, gradualmente, meu cérebro foi adquirindo a consistência do algodão. Meus passos tornaram-se incertos; a moldura do mundo desencaixou-se e por um instante pensei estar andando pela coberta de um barco em alto mar. Uma a uma, as correntes mentais que limitavam meus atos afrouxaram. A moralidade, medo e angústia afogaram-se no álcool, viajando por minhas veias, eu parei de frente para o homem, zonzo.
Seus dedos esticavam-se na minha direção rasgando o ar. Ele emanava um cheiro pútrido, como de um animal a dias morto na beira da estrada, e quase cai de joelhos para vomitar. Precisava acerta-ló na cabeça para liquidá-lo, mas os braços estavam no caminho tentando me agarrar. Não podia arriscar ser arranhado. Sem outra alternativa ergui o martelo acima da cabeça, e possuído pelo ódio comecei a atingi-lo nas mãos e dedos.
O primeiro golpe veio acompanhado de um som seco de galhos partidos, pegou em cheio na parte de cima da mão quebrando seu pulso. De imediato eu sabia que se parasse não conseguiria ir até o final, por isso, continue batendo.. batendo.. batendo... e batendo. Depois de alguns minutos ofegante e excitado com linhas de suor delineando as costas, parei e observei a obra da minha fúria.
Suas mãos eram uma polpa vermelho-escura pingando no cascalho. Os antebraços estavam caídos, balançando como dois troncos apodrecidos. O homem não havia dado qualquer sinal de dor apenas continuava rosnando com a cabeça entre as grades.
Não conseguia ver os traços de seu rosto na escuridão, ele batia os dentes de uma maneira tão medonha ainda consigo ouvir. Desejando terminar logo com aquilo levantei mais uma vez o martelo e o descarreguei com toda força, miranda em sua cabeça.
Ele passou direto, cortando o ar sem acertar nada. A bebedeira começava a me afetar mais do que o programado. Tentei novamente. Dessa vez foi certeiro.
Seu rosnado vacilou, e ele ameaçou desabar. O atingi de novo, e dessa vez pude ouvir claramente o barulho do seu crânio rachando, afundando para dentro, cedendo ao martelo. Preso entre as grades ele parou de se mover. Meus braços chacoalhavam mas eu não parei... De novo, de novo, de novo...
Após o golpe especialmente forte, o martelo subitamente acertou algo mole e uma substância pegajosa explodiu em minhas mãos, então o corpo do homem deslizou do portão e capotou no chão, com o som molhado. Repugnante, eu abandonei o martelo e trotei cambaleante para dentro de casa, encerrei a porta e desmaiei no sofá.
Acordei junto do sol e de uma dor de cabeça atroz. Minha primeira ressaca, para comemorar o meu primeiro assassinato.
Sentei-me com os cotovelos apoiados no joelho e me esforcei para organizar o caos em minha mente. Eu havia matado alguém, outro ser humano, com minhas próprias mãos. isso está certo? Quem seria aquele homem? Não teria ele também uma família? amigos? Uma namorada que prezava pelo seu bem-estar antes dessa merda toda?? Mas... que outra opção eu tinha? Ele não era mais ele, estava doente, morto, transformado. Era um monstro, uma besta, um animal. Sim sim sim. Não foi minha culpa, não foi.
Pesadas e frias, lágrimas rasgaram meus olhos e correram por minhas bochechas, pingando no chão.
Após alguns minutos, havia me acalmado. Foi então que reparei em minhas mãos e roupas o sangue havia coagulado e secado cobrindo as calças e moletons. Encontrei até alguns fios de cabelo grisalho do homem entre meus dedos, além de um pedaço de massa cinzenta que só fui entender o que era quando fui até a varanda e vi a cabeça aberta de minha vitima espalhada pela calçada.
Essa vista, acompanhada da náusea da bebida foi um coquetel forte demais para o meu estômago. Cai de quatro e vomitei ali mesmo, na varanda.
Joguei fora as roupas sujas e gastei mais de uma hora no banho, higienizando cada centímetro do meu corpo. Agora vejo como fui imprudente, devia ter me protegido, com óculos e máscara. E se algum fluido infectante entrou em contato com meu sangue, ou entrou na minha boca? Meu Deus.. meu Deus.
Desde então, estou checando nervosamente meu pulso e temperatura a cada 20 minutos. Disseram na televisão que febre e taquicardia são os primeiros sintomas, se eu estiver infectados, terei determinação? Espero que sim.
E falando em televisão, afora só a CNN e a BCC continuam no ar. Canais abertos exibem somente o logotipo e uma mensagem de problemas técnicos e voltamos logo. Nunca gostei desses canais, mas vê-los dessa forma, depois de terem estado sempre presentes, é sinistro.
Ah, quase esqueço de mencionar, ontem a noite enquanto abatia aquele pobre ser, acho que vi alguém na casa da frente. Foi só um vago movimento das cortinas do segundo andar, e eu estava bêbado, o que talvez comprometa essa observação, mas vale apena checar. O homem é, por natureza, uma criatura social. Não ouço a voz de outro ser humano a semanas, converso sozinho com cada vez mais freqüência, um indicativo da urgência de encontrar alguém. Escrever aqui tem ajudado, mais preciso de mais, preciso do calor de outro ser humano, da interação direta com uma forma de vida que não esteja babando sangue e rosnando...
Estarei mais preparado da próxima vez que confrontar um deles e talvez eu encontre algo de útil para meu refúgio explorando as casas vizinhas. É só uma ideia por enquanto, mas não tardará e eu terei que fazer isso também. Preciso fortificar as defesas, reparei no muro dos fundos, está rachando nas beiradas, temo que uma chuva forte vá desestabilizá-lo o suficiente para o menor dos empurrões ser capaz de derruba-ló. Preciso dar um jeito nisso.Regra.5
Duas vezes: nunca confie em um zumbi, golpe duplo. E volte la na regra 4 (2 em 1).
![](https://img.wattpad.com/cover/159578818-288-k380165.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Diário De Um Sobrevivente - Concluído
JugendliteraturQuem você seria em um apocalipse zumbi? Se sua resposta foi um singelo e confuso... Nao sei. Venha, se desenrrole, e descubra quem você realmente seria em um apocalipse zumbi. Aqui o protagonista terá que enfrentar não apenas os mortos, mas também a...