Desordem Interna II

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Mais alto do que um trovão, o som ecoou em meus ouvidos e pela casa, ensurdecedor. A cabeça do velho rebentou para trás numa constelação de ossos e miolos e ele desabou no piso, de costas, os labios retorcidos numa careta de medo e os olhos abertos fitando o teto.
Meu coração parecia prestes a atravessar o peito. Levantei devagar me apoiando na geladeira, apertando a mão ferida. Ela latejava com uma dor surda, não tinja coragem de olha-la. Sabia que era meu fim, mas não podia confronta-lo. Avancei cambaleando pela casa, a mente parcialmente ausente, investigando.
Aquilo já não fazia sentido, eu morreria pela infecção muito antes de perecer pela fome, mesmo assim, joguei numa sacola uma dúzia de latas de sardinha em conserva e algumas garrafas de água que encontrei debaixo da cama do velho.
Ainda verifiquei se havia alguma abertura no portão da frente da casa, mas tudo estava seguramente trancado, inclusive a porta de entrada. Então, sentindo a placa de ferro apertando meu cérebro, retornei para meu lar sobre a chuva torrencial, com um pano enrolado no ferimento.
Larguei os mantimentos sobre o balcão e cambaleei até o sofá, onde estava este caderno, agarrei-o e me tornei a escrever, é isso. O fim. Não sei quanto tempo me resta, mas, é o fim, minha concentração está fraquejando, não consigo sequer focar direito nas linhas, nas quais escrevo. Não faço ideia de quanto tempo estou aqui, escrevendo isso... Provavelmente horas.
Não consigo sentir tristeza nenhuma, nem dor ou alivio. Não sinto nada. Talvez já esteja morto, talvez já esteja me transformando em uma daquela coisas, vagando por ai, e isso esteja apenas na minha mente, no que se mantêm da minha consciência. Estou desvairando.
Não. Isso é real, não fuja disso também.
Vou retirar o pano de cima da mordida e dar uma olhada, decide que, pelo menos antes do fim, terei coragem para encarar meus próprios erros e quem sabe assim encontrar alguma paz de espírito que me fortaleça o bastante para fazer o que preciso para acabar com isso.
Com os dedos tremendo, segurei o pano encharcado de sangue e afastei-o da mão.
Por um segundo, o mundo inteiro saiu de foco e uma vertigem agitou o mundo a minha volta. No instante seguinte, abaixei os olhos para minha mão e fitei o ferimento.

Mas não havia nada.

Nenhuma mordida.

Nenhum arranhão.

Nada. Nem o menor indicio de um ferimento.

Não entendo o que esta acontecendo. O que isso significa?. Eu vi, eu vi ele mordendo, eu senti a dor, o calor pulsante do sangue... Eu juro! E no entanto... Eu tenho certeza! Ele me mordeu... Ele me... Mordeu... ?

Regra.13
Fique quieto, seja esperto, precisa de mais explicações, caso não queira virar refeição viva?. (Volte na regra 9)

Diário De Um Sobrevivente - ConcluídoOnde histórias criam vida. Descubra agora