Levi

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Como se fosse algum item amaldiçoado, eu soltei o martelo e ele caiu no piso do mercado com um ruido.
- Não, não fui eu! Eu nunca mataria outra pessoa, nunca. Meus olhos se encheram de lágrimas. - Eu nunca faria isso, nunca, nunca, nunca... Meu olhar recaiu no rapaz diante de mim. - Levi, o que você fez comigo?.
Sem nenhuma expressão ele se aproximou de mim, enquanto falava.
- Com uma mochila a menos, não vai sobrar comida nenhuma para eu levar pra Elice, se chegarmos a padaria, eles vão pegar tudo! Por que tenho que passar por tudo isso pra sair sem ganhar nada? Rogério me humilhou, Rogério é um filho da puta que merece morrer. Um sorriso feroz cobriu seu rosto. - No fundo esses eram seus pensamentos, não eram? La no fundo... Bem parceiro, eu sou o seu fundo! Eu sou a máscara que você resolveu criar para enfrentar esse mundo! Eu sou a desculpa que você usou para não ter que encarar o que você se fez! Eu sou a sua mentira mais nervosa.
Eu apertei meus cabelos até quase arranca-los.
- Não não não não não não não não.
- Isso já aconteceu antes, lembra?.
- Não... Não... Eu nunca fiz isso.
- Lembra, não é?.
- Pare, pare, pare!.
Você
Lembra
Não
É?.
Subitamente, eu estava de pé em uma sala, o lugar estava escuro como um poço. A poeira era tão densa que, num surto de tosse, fui forçado a abrir a porta e deixar o vento circular. Um pouco de luz então entrou e pode distinguir os móveis ao meu redor... Geladeira, fogão, microondas e armários estavam reunidos pelas paredes.
Como um possesso, fui de porta em porta, abrindo-as, a procura de comida, a procura de qualquer coisa, mas não encontrei sequer um grão de arroz, nada além de teias de aranha e as próprias aranhas, gordas e satisfeitas.
- Não, não, não, não, não.
A garoa lá fora transformou-se numa chuva furiosa, martelando o telhado acompanhada de terríveis trovões que faziam vibrar a casa inteira.
Desesperado, corri até a geladeira. Puxei a porta. Vazia, a não ser por uma caixa de leite aberta, lambi os lábios, agarrei-a e apertei-a até o leite encher minha boca. De súbito, a caixa escapou de meus dedos, enquanto eu caia de quatro, vomitando. Estava coalhado, azedo e fedorento.
Concentrado nisso, só o vi tarde de mais.
O velho emergiu das sombras, pálido e raivoso em seu pijama cinzento, e atirou-se direto na minha direção. Só tive tempo de me jogar para trás, batendo com as costas na geladeira e me protegendo com a mão. Ele mordeu-a, apertando com uma força descomunal os maxilares até rasgar a carne da palma. Gritei dentro do capacete. Com lágrimas nos olhos, tateei o chão usando a mão livre, até meus dedos roçarem no metal frio do revólver. Tremendo, engatilhei-o, apontando o cano prateado entre os olhos repletos de veias vermelhas dele e puxei o gatilho.

Bang.

Bang bang bang bang ...

Num canto da cozinha, Levi sorriu, apenas seus olhos azuis me fitavam da escuridão.

- Tem certeza disso, parceiro?.

Ao som de sua voz, uma rachadura surgiu a minha frente, no meio do ar, como um espelho quebrado, e se expandiu até toda a realidade a minha volta fraguimentar-se desabando no vazio caindo caindo caindo...
Subitamente, eu estava de pé em uma sala.
A garoa lá fora transformou-se numa chuva furiosa, martelando o telhado acompanhada de terríveis trovões que faziam vibrar a casa inteira.
Desesperado, corri até a geladeira. Puxei a porta. Vazia, a não ser por uma caixa de leite aberta, lambi os lábios, agarrei-a e apertei-a até o leite encher minha boca. De súbito, a caixa escapou de meus dedos, enquanto eu caia de quatro, vomitando. Estava coalhado, azedo e fedorento.
Concentrado nisso, só o vi tarde de mais.
O velho emergiu das sombras, pálido e raivoso em seu pijama cinzento, e atirou-se direto na minha direção. Só tive tempo de me jogar para trás, batendo com as costas na geladeira.
- O que está fazendo aqui?!. Berrou ele, agarrando meus ombros. - O que quer na minha casa?? Saia já.
- Água. Falei, com os lábios rachados - Por favor, um pouco de água! Comida, qualquer coisa...
- Não tenho. Disse, empurrando-me para a porta. - Não tenho nada! Vai embora, vai embora!.
Em um gesto frenético, peguei o revólver e apontei para sua cabeça coberta de rugas.
- Onde está a comida, velho?. Cerrei os dentes. - Onde está a água? Me fala! Me fala ou eu vou explodir sua maldita cabeça.
Com os olhos vidrados de terror, o velho me soltou e cambaleou para trás.
- Não tenho comida. Gaguejou. - Não tenho nada! Saia daqui, saia daqui!.
O desgraçado está mentindo, eu posso ver em sua cara. Eu estou quase morrendo de fome e o maldito não vai sequer me dar um copo de água. Esse verme, essa barata velha e nojenta pensando apenas em si mesmo. Alguém assim não merece viver, alguém tão depravado e mesquinho não merece viver! Não merece!.
- Por favor. Implorou, seu rosto inteiro se contorcia. - Eu não tenho nada, não tenho nada.
Levantei o revólver e mirei entre seus olhos.
- Mentiroso.

Bang

Mais alto do que um trovão, o som ecoou em meus ouvidos e pela casa, ensurdecedor. A cabeça do velho rebentou para trás numa constelação de ossos e miolos e ele desabou no piso, de costas, os lábios retorcidos numa careta de medo e os olhos abertos fitando o teto.
Enquanto eu contemplava o corpo do meu vizinho, a arma escorregou de minhas mãos e caiu no chão com um ruido.
- Não..
-Tsc... Tsc... Tsc.
Lentamente virei o pescoço e encontrei o rosto de Levi a centímetros do meu.
- Por que a surpresa, parceiro?. Disse ele, sorrindo sobre meu ombro. - Não é isso que você sempre fez? Não é só isso que você sabe fazer?. Aproximou os lábios da minha orelha e sussurrou: - Mentir?.

Diário De Um Sobrevivente - ConcluídoOnde histórias criam vida. Descubra agora