7 de Agosto de 2022
Segunda-feira. Eu sequer saberia que é uma quinta-feira, se não fosse esse diário. Os dias da semana agora importam tanto quanto dinheiro, aquelas folhas coloridas pelas quais tanto lutavamos. Ou seja, nada. É surpreendente como as coisas que regiam nosso velho mundo perderam completamente seu valor. Escola, trabalho, casamento, preocupações cotidianas... É como voltar a uma época anterior ao significado da sociedade. Um salto de milhões de anos ao passado, para quando éramos acossados por animais mais fortes, ágeis e adaptados ao seu meio. Bem, nesse caso, resta-no reagirmos como nossos ancestrais fizeram.
Criando novas formas de nos protegermos e contra-atacarmos, mudando nosso modo de pensar, tornando-nos cada vez mais espertos e hábeis nas esferas necessárias para sobreviver. Isto é, evoluindo.
Compilando meus atuais conhecimentos adquiridos tanto pela midia, quando por experiência própria, é que as criaturas lá fora, antigos seres humanos, agora transformados em algo abominável, são atraidos por barulho, são mortos quando arrebentamos suas cabeças, podem nos infectar com o menor de seus fluidos corporais, além de serem mais fortes, mais resistentes, e, nas devidas circunstâncias, provavelmente mais rapidos do que nos.
O que nos deixa com sua maior (e unica) fraqueza: são burros, pouco mais do que animais violentos seguindo seus instintos mais básicos de fome.
Resumindo, estes são meus inimigos, bestas implacáveis e destrutivas altamente infecciosas...
Ótimo.. Me sinto mais estável agora, ter me alimentado e me hidratado certamente ajudou nessa questão. Sem mencionar, é claro, a companhia de outra pessoa. Apesar de Levi ser um sujeito meio estranho, com suas súbitas mudanças de humor e os discursos agressivos e ofensivos, ele é melhor companhia do que nenhuma.
Ontem a noite, apesar de eu ter insistido para ele usar o quarto dos meus pais, afinal, não era como se eles fossem aparecer de repente, mesmo assim, ele decidiu ficar no sofá.
Sinceramente, apesar de termos nos conhecido ontem, é como se eu já podesse contar com ele como nunca pude com nenhum de meus amigos. Sinto que ele me conhece, de verdade, sem que eu sequer precise explicar meus motivos. Não sei se isso é porque eu estava isolado até agora, ou por que é natural se conectar aos outros quando estamos todos na mesma merda. Enfim.
Hoje pela manhã quando levantei, isso eram amas 7h, Levi já estava de pé. Encontrei na cozinha, devorando uma lata de sardinha enquanto analisava um mapa das rotas dos ônibus e fazia anotações num caderno. Me aproximei e vi que estava traçando linhas no mapa.
- Ei. Falei. - Bom dia... O que está fazendo?.
- Procurando a melhor rota. Disse, com a boca cheia sem desviar os olhos da folha. - E também outras, caso não de pra gente passar.
Eu estava sem fome, então sentei lá apenas observando-o.
- Acha que vamos conseguir?. Perguntei, depois de um tempo.
Levi me lançou um olhar questionador, franzindo o cenho.
- Por acaso tenho cara de deus apolo? Morador do monte olimpo? Senhor dos oráculos e das musas imaculadas?.
- Aah..
- Foi o que pensei. Disse, e voltou a escrever. - Mas, vamos sim... Nada nem ninguém, vai ficar no nosso caminho, nem mortos, nem quase-mortos, nem vivos. Se lembre disso, parceiro. Sorriu, fitando-me com seus olhos invernais. - Enquanto estiver totalmente comprometido com seus objetivos, nada vai nos parar.
A confiança absurda dele talvez fosse descabida, mas conseguia ser contagioso. Me levantei e fui preparar a mochila, abandonando-o as sua anotações. Levantei vagamente o simbolo de espadas do baralho.
Algumas horas depois, eu voltei para o primeiro andar e o peguei sentado nos degraus da varanda, contemplando o céu plúmbeo com uma expressão vazia. Sentei-me ao seu lado.
- As vezes me pergunto, porque isso tudo teve de acontecer. Disse ja ao seu lado.
Ele me dedicou um olhar sereno, então voltou a encarar o céu.
- Sabe. Disse Levi. Os mortos andaram pela terra muito antes do apocalipse, parceiro.
- O que quer dizer?.
- O que eu quero dizer? Bem... Já não era preciso viver pra estar vivo, onde quer que fôssemos, estávamos dominados pelos nossos rótulos. Entranhados até a medula em nossas máscaras, que se mantinham firmes em nossos rostos pelo barbante da vaidade. Ah, e toda aquela merda da televisão, aqueles rostos menos humanos do que porcos, sendo constantemente vomitados na nossa frente, decidindo nossos desejos, nossas ideias, nosso futuro.
Ninguém era ninguém. Éramos números, números em sistemas invisíveis coordenados pelos vivos-mortos. Bilhões e bilhões de pessoas como camadas de tintas pintadas sobre camadas de tintas, desbotando lentamente pelas paredes monótonas da existência. E só dentro de nós mesmos e coisas assim, éramos capazes de encontrar alguma intensidade verdadeira na vida, mas mesmo essa pobre chama era, a todo momento, soprada pelo vazio e indolência de nossos cotidianos.
O céu nublado foi refletindo em suas pupilas e ele sorriu, feroz.
- Mas isso acabou, tudo bem... O apocalipse foi a melhor coisa que poderia ter acontecido a humanidade, agora... Agora estamos todos vivos de verdade.
Diante de euforia violenta desenhada em seu rosto, não tive coragem de protestar e preferi me manter calado. Havia algo de errado com ele, eu sentia isso mas ao mesmo tempo é verdade, estava feliz por tê-lo como aliado.
Não demorou muito, ele se levantou e voltou para dentro da casa.
- Temos muito a fazer, parceiro. Disse, batendo em meu ombro enquanto passava por mim. - Vamos partir amanhã de manhã, aproveitar o quanto pudermos a luz do sol.
- Você devia devolver minha jaqueta de couro. Falei, me pondo de pé e seguindo-o. - Não é legal se apropriar das roupas dos outros assim, sabia?.
Ele riu.
Bem, creio que da próxima vez que escrever aqui já estarei longe de casa. Confesso, é uma perspectiva assustadora, até agora essa casa foi meu porto seguro, mantendo a morte afastada enquanto me permitia a ilusão de que poderia continuar aqui para sempre, vivo. Talvez por isso mesmo precise sair daqui, confrontar o que esse mundo tem de pior, e no processo, quem sabe, encontrar meu novo eu, ou seja, o verdadeiro eu.
Para quem achar esse caderno, meu nome é Caleb, sou um sobrevivente de uma cidade do interior de São Paulo e este é o começo da minha história.Regra.15
Use a sua cabeça e corte a deles fora. ( Volte na regra 8 - Não estar sozinho é importante. Pense, você já tem os zumbis como inimigos não deixe que outros sobreviventes sejam inimigos também).
VOCÊ ESTÁ LENDO
Diário De Um Sobrevivente - Concluído
Teen FictionQuem você seria em um apocalipse zumbi? Se sua resposta foi um singelo e confuso... Nao sei. Venha, se desenrrole, e descubra quem você realmente seria em um apocalipse zumbi. Aqui o protagonista terá que enfrentar não apenas os mortos, mas também a...