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Me acostumei com a incerteza ideal

(Scalene )

  Minha sapatilha riça no chão, de um lado para o outro, pra frente e para trás, enquanto estou sentada em um lugar alto para mim. Meus pés costumam se mexer assim quando estou nervosa. A dupla que acabou de se apresentar é muito boa, assim como as outras 3 que se apresentaram antes dela. Agora é a nossa vez. As audições estão sendo gravadas. Novamente naquele mesmo teatro, perante a mesma mulher graciosa, confrontamos nosso futuro.

  Já fantasiei várias vezes como será seria fossemos aceitos, mas as coisas nunca são como fantasiamos. Subimos no palco e a música começou a tocar. Ter esse espaço todo para dançar é surreal. A apresentação pareceu menos fantástica do que quando estávamos treinando, mas o salto foi perfeito! Os aplausos depois do salto encaixaram perfeitamente com a música e com tudo o que eu tinha imaginado!

  Então terminamos e um estrondoso som de aplausos tomou conta do teatro. Nós fomos o último casal. Disseram-nos que depois entrariam em contato com o casal ganhador

  O silêncio entre mim e Diego ficou cada vez mais constrangedor. Cheguei na casa dele e senti cheiro de omelete. As omeletes da mãe de Diego são os melhores.

– E aí?

  Perguntou Celina, levantando-se nas pontinhas do pé para beijar a cabeça do filho e depois se abaixou para me beijar as bochechas. Respondi por ele:

– E aí que temos que esperar.

Ela jogou a omelete para cima e a pegou de novo com a frigideira e disse:

– Paciência... algo que aprendi a dominar.

  Lembrei dos tristes problemas para engravidar dela. Demorou muito para ter dois filhos, foram gravidezes complicadas e arriscadas. A paciência que temos que ter agora nem se compara ao que ela teve que passar.

  Almocei lá e fui embora para casa e quando cheguei minha mãe já estava lá. Abracei-a e notei o quanto minha mãe é solitária depois que se separou do meu pai. Percebi que o fato de eu não estar com Tomás não era apoiado por ela simplesmente porque o rei fez um decreto, mas também porque ela tinha medo de perder sua garota, sua filha, sua companhia. Eu nunca a abandonaria.

  Acordei cedo no sábado e disse a minha mãe que iria sair. Ela ficou feliz pois como ela mesma já disse, eu pareço uma velha, só fico em casa. Mal sabia ela que eu não iria para nenhum lugar badalado. Coloquei um vestidinho azulado e uma sandália com pedrinhas brilhantes. Meu cabelo estava rosa claro. Coloquei óculos de sol redondinho e sai andando pela rua. O dia estava magnifico, o canto dos pássaros, os arco-íris que se formavam perto da mangueira que aguava as plantas, todas aquelas pequenas coisas fizeram aquela nuvem negra de problemas desaparecer de cima de mim.

  Passei entre as flores e o parquinho de diversões abandonado estava lá, ou como intitulamos: o parque da rua 94. Tirei da minha bolsa rosa um lençol com estrelinhas e estendi embaixo da árvore. Sentei e olhei para frente e me lembrei de algo: o primeiro sonho que tive com Tomás foi em um parque como esse. Será que isso significa alguma coisa?

  Abri o livro que peguei na biblioteca outro dia, esse tinha uma garota de vestido vermelho como capa.

  O tempo passou voando. Peguei minhas coisas e fui embora para a casa. Apesar da horas agradáveis em outro mundo distante e rodeada por um mundo mais florido ainda, pensei que ia me satisfazer, não me satisfiz. Deitei no sofá e liguei a televisão enquanto minha mãe fazia comida, mas eu não prestei atenção em nem uma palavra. Então resolvi ir dormir. Com certeza aquele foi o pior fim de semana da minha vida. No domingo fiquei o dia todo jogando videogame com meu irmão. Pensei que o êxtase, a emoção, que tudo aquilo ia me fazer ficar melhor mas nada disso.

   A decepção que sentimos com o tempo é maior que qualquer coisa boa que possamos sentir. O sentimento de ser frágil e estar impossibilitada de mexer no próprio presente ou planejar o próprio futuro é algo desesperador!

  Mas, faltavam só cinco dias para eu ouvir a voz dele de novo. Ouvir tudo aquilo que eu mais amo. Aquela voz de manha, aquelas lindas declarações que me fazem ficar vermelha de amor. Tudo aquilo que eu mais sinto falta. Tudo aquilo que eu sei que está lá me esperando.

  Olhei de novo a frase no meu mural e tentei me concentrar nas coisas boas que aconteceram e não nas coisas que aconteceriam.

***

  O telefone tocou, era umas 15:00, e eu já estava saindo de casa para ir trabalhar. Atendi:

– Alô, quem é? – Eu disse.

– Boa tarde, quero fala é Louise Lane?

– Sim! – Disse já com meu coração batendo o mais rápido que o normal. Aquela voz... Eu conhecia aquela voz.

– Você e o... Diego... Foram selecionados para ser nossas estrelas do nosso espetáculo. Preciso que compareçam no endereço contido na mensagem que acabamos de mandar, amanhã às 14:00. Pode ser?

– Eu tenho que conversar com Diego para ver se ele pode, mas por mim tudo bem.

– Qualquer mudança pode ligar para esse mesmo número. Parabéns, vocês são as nossas estrelas!

***

  Sentamos nas cadeiras vermelhas atrás da mesa de madeira bonita. A sala era pequena, os tacos no chão e as muitas prateleiras abarrotadas de livros pareciam ser da mesma madeira da mesa. Havia um quadro do casal a nossa frente na parede principal, emoldurado de ouro, lindos riscos com o pincel. As cadeiras que eu e Diego sentavamos eram simples, com estofado vermelho bonito, enquanto a do homem na nossa frente parecia um trono escarlate. A mesma mulher do primeiro dia de audições estava lá, de pé atrás do homem de cachecol sentado em uma cadeira triunfal.

– A química de vocês é algo impressionante! Parecem que são um só!

– Obrigada! – Eu disse. Já sei disso, pensei.

– Valeu! – Disse Diego logo em seguida sorrindo de orelha a orelha.

– Então, meus jovens, aqui está o roteiro completo do nosso show. Vocês interpletarão dois guerreiros que se apaixonam, parece uma história normal, mas vocês são rivais e vão ter um longo e delicioso confronto físico e mental. Por isso preciso de dançarinos expressivos como vocês.

  Respirei fundo e fechei os olhos com força. Sorri tão forte que o homem de cachecol sorriu. Aquilo estava mesmo acontecendo?

O senhor continuou:

– Que falta de educação a minha! Estamos tão animados que esquecemos de nos apresentar. Meu nome é Malcolm Colins e o da minha esposa é Isadora Colins.- segurei para não rir. Ela não só ama Colins, Isa adora Colins. – nasci e fui criado na França. Isadora é daqui do Brasil mesmo. Nos conhecemos na universidade de arte de Paris. – nesse momento os dois se olharam como se lembrassem com carinho daquela parte da vida. Um dia eu e Tomás nos olharíamos assim. Ele continuou: enfim, esse vai ser o nosso grande projeto juntos. Contamos com vocês para nosso total sucesso.

– E quando começamos, senhor Malcolm?

– Amanhã.

Apaixonada por um anjo - Segundo livro da trilogia AnjoOnde histórias criam vida. Descubra agora