Kings Aderio cambaleou um pouco até recuperar o melhor de suas forças. Bastava andar, uma caminhada sem que preocupasse com demônios o revigoraria. A estrada, encoberta por neve e folhas caídas, levou-lhe por uma trilha que cortava a floresta mais ao sul. Qual seu novo destino? Nem Ade sabia, apenas seguia mais uma vez com a estrada sendo sua guia. Os flocos brancos continuavam a cair riscando o ar.
Entre dores e incômodos, um arrepio percorreu sua espinha. Um vento mais pálido do que a neve alçava anéis ao ar. De súbito, Aderio ergueu sua espada diante do rosto.
Não será necessário, disse a voz que vinha da direção de onde a espada apontava. Aderio media mentalmente os passos da pessoa misteriosa. Se aproximava com o cuidado de pisar bem o chão fofo de neve.
— Dê-me razão para não ver minha espada retinta em vermelho — desafiou friamente Kings Aderio.
— A distância entre nós eu julgo já ser razão o suficiente — respondeu a ele insinuante e sem se aproximar.
— Conhecendo bem as coisas devo dizer que desta distância — disse Aderio esticando ainda mais a espada, girando a lâmina de uma face para outra, ameaçadoramente —, poderia fazer algo.
— Há uma nova distância: aquela entre fazer algo e não fazê-lo. E eu prefiro acolher-me à segunda opção... dracus.
— Então Alguém sabe sobre mim — concluiu Aderio ainda em posição de defesa. — Estou lisonjeado.
— Usou âmago do morto contra o demônio. Uma bela amostra de poder, realmente. Muito perspicaz usar os ossos da própria criança para despertá-la do âmago de seu parasita — ao ouvir isso Aderio apertou ainda mais o punho da espada. Os olhos de Eberlen piscaram — O saber não deveria ser motivo de censura ou desconfiança, dracus. Você melhor que ninguém deveria pensar assim. Tamanha desconfiança é infundada, já lhe disse. Estamos trocando palavras humildes, nada de muito sofisticado, não há ameaças nem incúria com nossos caminhos. Nosso encontro seguirá em brevidade. Rápido, será assim e nada mais.
— Esteve me observando — sibilou o dracus. — E isso em nada me agrada. — Alguém mexeu em um galho que estava à altura dos seus olhos. Escondia sentimentos nostálgicos no olhar, Aderio pensou.
— É admirável a sua busca — a misteriosa pessoa tirou o capuz deixando cabelos negros caírem. Vestia=se de indumentária peculiar, uma roupa muito diferente das que se usa em dias de frio, com runas bordadas nas vestes que apenas cobriam-na no tronco, as pernas completamente nuas de roupas, mas vestidas de tinta que brilhava mesmo sem a luz, impedida pelas árvores mais altas no bosque. Aderio sabia do que se tratavam aquelas vestes, o não sentir frio ou calor, brincando com as sensações de forma displicente. A mulher agitou a capa para tirar os focos que a cobriam. Olhou séria para o dracus que observava nela tamanha beleza.
— E desde quando vocês se interessam por minha busca? — indagou ele baixando finalmente a espada. Eberlen uivou enquanto se alimentava da neve. Recebia agora o olhar da misteriosa.
— Desde que ela talvez seja uma das mais belas, senão, a mais bela das buscas, contanto que realmente exista o que tanto quer reaver. No mais, pode já estar perdido para sempre tornando seu caminho para uma outra direção.Kings Aderio se apoiou na espada, o hálito irritado se perdia no vento gelado.
— Sabe demais e eu não gosto disso. Faça sentido! Diga-me seu nome!
— Nomes só fazem sentido quando se tem apreço envolvido, dracus. Ainda nos encontraremos, Kings Aderio de Seta Ambel. Tudo no momento certo. Saiba que minha ordem está ciente de seus passos, e só.
— E deveria me sentir mesmo honrado com tamanho olhar dos além-mares?
A mulher parou e caminhou até estar bem próxima de Kings Aderio e sua espada vertida no chão. Aderio pôde ver cada traço do rosto. Ela tinha magia, mas o frio já começava a castigar-lhe nas orelhas e abaixo dos olhos. Um semblante sério, normal à sua ordem, pensava Ade. Para espanto do dracus, sua mão foi envolvida pela mão macia da misteriosa feiticeira. Ade pensou se ouviria algum corvo ao redor, ou um gesto da noite acusando a presença de Mangura. Aguardou, mas nada veio. Apenas ficaram ali, observando um ao outro, feiticeira e dracus. A feiticeira encostou-se na espada sem se mover mais, deixando Eberlen tocar-lhe as pernas. Até que as chamas que envolviam Eberlen se apossaram da mão da feiticeira, o que apenas aumentou o conforto junto ao dracus.
— E sei, certamente que será na tormenta onde as árvores crescem em segundos e o céu decai difuso.
Foi como se Kings Aderio sentisse o rosto da feiticeira no seu. Em seu corpo. Em sua mente. Em seu coração. Dentro de pensamentos teve o vislumbre de uma mancha dourada irrompendo em direção ao céu. Ela voava depois de arremessada por outras seis lanças em cores diversas, surgidas de um campo de batalha vazio, sem vida. Depois, um terreno verdejante que subia em direção às nuvens numa forma imensa. Não era o Ístimo do Mundo, pensava Ade. O espaço entre a forma enorme e a lança dourada tornou-se ínfimo. O dedo de uma criança, a mancha dourada era este tamanho de dedo que buscava outra luz. Uma muito poderosa irresistível ao olhar, ao desejo de se apoderar. Algo que o mero vislumbre trazia lágrimas a quem tivesse o menor contato... e mais. Um sentimento de nunca mais ser o que era tocou Ade.
A lágrima assim o fez caindo dos olhos do dracus morrendo numa linha de vapor. Ainda assim, ela brilhava mais que o corpo de Eberlen ao chão.
— Eu espero que não — respondeu franzindo o cenho a contragosto da emoção. A feiticeira lhe tocou o rosto sem hesitação dela ou reprimenda do dracus.Teria ela visto o mesmo que Kings Aderio? Seria tento dela, do contato entre os dois através da espada? Era a feiticeira a responsável por um vislumbre tão estranho? Ade
— Quando sua procura, esta com intangível admiração, estiver em sobre seu vislumbre e de uma coroa, entre todos nós será feito.Dito isso, a mulher virou-se, deixando Eberlen às suas costas. Ade viu a feiticeira tomar um rumo mais distante que os olhos nus podiam descrever na nevasca. Aderio não precisou segui-la para saber que ela já havia desaparecido no sopro do ar. Desde que a vira não sentiu-se seguro quanto de sua identidade. Não pôde indagar seu nome, não teve tempo de censurar a mulher por tê-lo observado. Mas isso faz parte do valor e da maldição que carregamos. Suas vontades sumiam junto à neve derretida no fio de sua lâmina. Não obstante, a esperança, um dia, responderia às suas perguntas. Alguém iria regressar, e não estaria sozinha.
O dracus só queria entender ao contemplar os fios da nevasca se isso era bom ou ruim.
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Kings Aderio e O Sopro que Dobra a Morte
Fantasy🥇🥇 🥉 "Algo vem" De todas as expressões desta terra fantástica, estas são as palavras que mais atormentam Kings Aderio, rei de Seta Ambel e dracus. Diferente dos outros dracus da história, Ade foi forjado por três chamas ancestrais do formidável A...