A Vela Queimando ao Mar: Parte III - Lahana

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      Kings Aderio levantou-se coberto de murmúrios do ar marinho e uma salva de palmas morosa vindo da direção do leme.

      — Sempre exibido, dracus — gritou Lahana de lá de cima. Ade se aproximou envolto por olhares de espanto. — Vai longe sua arrogância, sabia?

      — Quis sentir o vento do mar — disse desinteressado.

      — Sentirá o sal dele — ameaçou a capitã com uma sobrancelha bem arqueada. — Quero ver se você nada tão bem quanto gosta de mergulhar do impossível.

      — O mar é belo, bravio e não me convém desafiar tanto quanto ao fogo.

      — Vá falar essas coisas de druidas das praias em sua cidade, Kings Aderio. Não são bons dizeres durante o melhor da maré.

      — Não é coisa de druida — Aderio notou Ladenio encostado ao molhe. Apoiava-se ali escrevendo algo num pequeno caderno de couro. Diferente dos outros, este já estava acostumado com o dracus e seus feitos. — Bateu nele de novo? — questionou meneando na direção de Ladenio.

      — E você tem um dedo de razão nisso para indagar? — disse Lahana.

      — Bom ele está aqui por minha causa, também — comentou Ade.

      — Ah, é? — disse ela surpresa encostando lânguida o peito ao leme. Ade poderia jurar que o Raspadora teve ainda mais vontade de seguir em frente. — Não foi bem o que ele me disse.

      — Ele ou lhe disse a verdade ou nada, Lahana.

      — A segunda opção.

      — Pois bem, então contente-se com a minha palavra. Lad veio aqui por minha causa — Aderio repetiu e isso despertou uma veia irada no rosto da capitã.

     — Insinua o quê?

     — Tempo não é de certezas, Lahana. Não gosto de falar dentro das incertezas. Não sou uma certa pessoa em Nianda — disse Kings Aderio batendo um dedo na acima das têmporas como quem quer dizer inteligência. 

      Lahana largou bruscamente o leme e o deixou com o imediato. Os punhos estavam cerrados e um deles tocava a espiga da cimitarra. Entretanto, a indiferença de Aderio desta vez surtiu efeito. Viu Lahana aproximar-se do tombadilho, se encostando despretensiosa, a capitã esfregava-se como um gato nas pernas de seu dono.

      — Você ainda gosta destas frescuras com a Universidade? — indagou afinal mencionando a Universidade de Nianda, na qual um grande amigo de Aderio vivia desafiando a mentalidade dos homens.

      — Mais de algumas do que de outras.

      — Compreendo — desdenhou Lahana. — E qual a certeza que tem agora, já que é necessário alguma para vir a este barco? Foi Tistein quem deu-lhe esta? Bedaya e seu olhar que se comporta como se pudesse ver o que o céu enxerga?

      — Em verdade os dois conseguem olhar muito mesmo, mas...

      O horizonte se alargava sobre os olhos do dracus. Kings Aderio sentia o vento que o levara ao mar viajando ainda mais distante. A superfície do da água palpitava a luz ondulante trazendo calma à sua alma. Então, ao observar o olhar do dracus, aquele que ela se acostumou a ver tão profundamente, Lahana baixou levemente a guarda, sabia o que Ade guardava naquele momento e muito mais coisas dele em tempos antigos. Tempos estes de ameias e corredores opulentos; de cortejos e galanterias; da queda de reis. 

      Companheiros se conhecem, pelos mais breves gestos, por mais escondidos sejam, se conhece. 

      — O que se passa? — ela perguntou. Aderio mexia em seu anel de prata com dois adornos, uma pequena folha de um lado e uma adaga de outro.

Kings Aderio e O Sopro que Dobra a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora