A Vela Queimando ao Mar: Parte I - A Dama e o Bêbado

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      Após outra longa jornada frustrante nas ilhas de Felenalora, Kings Aderio molhava sua garganta numa das tavernas mais inglórias da península do Aborreão localizada no extremo noroeste de Seta Ambel, sua terra natal.

       O Bar de Bardobebendo servia regato da sereia, uma mistura de abacaxi, liquor de maçãs e vodka triplamente destilada. Do balcão, Aderio contemplava várias faces voltadas para a escada, de onde seu grande amigo Ladenio brasDieler despencava escada abaixo seguido por uma mulher. Ela estava no alto da escada, em pé, os olhos fixos no pobre homem esticado em meio aos degraus.

       Vinha a passos duros e furiosos, procurando algo mais macio e quebradiço do que o chão para seus pés pisarem. Uma mulher de encantar marinheiros e sereias, digna das canções mais voluptuosas dos bardos bebendo. Bela, de fato, os cabelos vermelhos ondeavam-lhe as costas desaguando elegantemente da cabeça à parte superior dos seios, deixando linhas finas das ondas ruivas caindo em sua fronte. Seus olhos, Aderio observou bem, vestiam-se de fúria, viva calidez de quando retirados da candura inocente que ele muito conhecia.

       Perfurantes, duas joias negras, era como se os senhores do mar tivessem escolhido as pérolas negras mais lindas das abissais oceânicas e escolhessem o rosto daquela jovem onde pô-las.

       Descendo alguns degraus, a mulher virou-se à plateia da taverna: uns estavam em pé; outros estavam sentados; mas nenhuma alma deixava de olhar para a moça ou o coitado rolando pelos degraus, o sujeito contorcendo-se desbaratado à sua frente. O homem tinha os cabelos caindo-lhe desmantelados na altura dos ombros; as vestes de baixo muito chamativas, bastante coloridas em púrpura e verde, bordadas com pássaros negros voando. Seu chapéu de aba pontuda estava mais reto do que a cabeça entortada contra as ancas. De pernas ao ar, sua cabeça roxa buscava por fôlego da queda, ou ainda, quem sabe, um refúgio contra a mulher. O  rosto do camarada de Kings Aderio era esculpido lindamente: a barba cortada na forma de labaredas afinava junto à curva baixa do maxilar. Os olhos seduziam por seu verde esmeraldino. Famoso por tamanha beleza, e pelas estapafúrdias entradas nos lugares mais variados, este era Ladenio brasDieler.

       O bonachão levantou-se com dificuldade. Arriscando-se, tentou usar da beleza em seus olhos para seduzir novamente à jovem. Num movimento rápido, puxou-a buscando-lhe os lábios. Foi o bastante para ser presenteado com um tabefe apagando as labaredas de sua cara. Aderio, que não tirara os olhos da multidão por ser bastante desconfiado quanto às armas escondidas entre os piratas do Bardobebendo, voltou-se para o regato da sereia. Mal levantou o copo aos lábios, ouviu que alguém se aproximava. 

       Vinham ali olhos ardentes, lembravam-lhe a flama sorvida por sua garganta. Sem chamas esta, puramente líquida.

       — Kings Aderio! Dê um jeito nesse... esterco que você chama de amigo! — a donzela da escada ralhou batendo as mãos na bancada. Alguns copos quiseram fugir dela e parar direto na pia quando não pelo chão. Despreocupado, Ade ergueu seu copo, observando o pouco volume lá dentro.

       Pausando bem as palavras, se pronunciou meneando o copo de um lado a outro como um bom bêbado.

       — Os dois caíram na cama lá em cima... Pelo que percebi, a culpa não deve cair só sobre ele, somente. E, também devo acrescentar, não tenho um fio de parte nela. Um fio, está me entendendo.

    — Pouco me importa de culpas! Ele está bêbado! — ralhou para o menos bêbado a mulher . — Já passou dos limites do suportável.

    — Ele urinou nos lençóis? — indagou Aderio.

    — Não!

     — Cagou em você?

     — Claro que não! — bufou irritada. — Ele que se atrevesse a uma merda dessas...

Kings Aderio e O Sopro que Dobra a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora