Jeissa era filha de Nianda, e isso dizia muito. Jeissa era uma filha verdadeira da história de Nianda. E isso, dizia muito.
A senhora de Nianda andou pelos corredores do Monte até chegar à passarela fina que levava ao pé da montanha. O pé da montanha também chamado de Agulha. Abaixo, oitenta metros de altura separavam a passarela das calmas águas do lago. Como uma tripa saindo das entranhas da colina do Monte, a passarela não tinha espaço para mais de uma pessoa passar lado a lado. A construção, assim, tornava a Agulha um monumento quase impossível de ser alcançado por um exército. Tal característica se via também em outros monumentos dos tempos do Erguimento. Os pináculos da montanha impediam que alguém viesse do sul. E a altura quanto ao lago e as pedras como espigas impediam que fossem escalados. A única maneira de um exército humano poder entrar na Agulha era pela fina e extensa passarela que Iala atravessava naquele momento. Jeissa em nada sabia disso, apenas em ser o ósculo saboroso de Iala.
Com cuidado e elegância, a senhora de Nianda aproveitara-se da reclusão de Oromergius para ela mesma se enfurnar na Agulha para decifrar os escuros de seus temores. Atrás dela, vinha Jeissa, que não conhecia nada da história de Nianda. Mas era filha da cidade, e isso significaria mudança.
A noite estava escura e a neblina impedia-as de enxergar o que estivesse acontecendo no limiar da floresta na distante margem. Um pássaro passou voando muito baixo ali na frente de Jeissa, o que fez a companheira de sono de Iala praguejar à neblina.
— Terminantemente, senhora, nunca vou me acostumar a passar por aqui.
— Nem eu, Jeissa. Nem eu — Iala seguraria o toque das mãos tom de topázio da mulher, não fosse uma tocha estar firmemente erguida com o braço direito aberto.
— Podiam fazer essas muretas menos vazadas pelo menos. Meus pés escorregarem daqui, sei que morro. Sei que tem um lago lá embaixo, mas não o enxergar me convence a ter ainda mais medo.
— O que me dá medo é arriscar olhar para o topo da torre, Jeissa. Isso nunca mais faço enquanto ando por aqui.
— Mas a neblina não há de deixar.
— Não deveria. Mas essa neblina tem um gosto por enganar e querer matar quem ouse olhar lá para cima.
— Por que ela não cessa, minha senhora?
— Uma vez numa palestra da Universidade disseram ser por conta do bafo de um dragão ancestral que ronda nossas terras, e que ele mora no lago. Diziam que a neblina sai de dentro do lago da boca gigante deste dragão em sono eterno, roncando a todo tempo.
— Se fosse o caso, estaríamos ouvindo o bicho roncar — disse Jeissa segurando-se à sensação de proteção de uma queda tocando com o indicador as costas nuas de Iala. — Que história ridícula até para mim.
— Se tem algo que aprendi é que muitas das histórias mais ridículas na verdade são as mais reais também.
— A senhora acredita em tal coisa?
— Acredito que ninguém é detentor de toda a verdade.
A neblina estava mais grossa em Nianda. O vento mal levantava as folhas caídas dos pomares. As tabuletas das tavernas não balançavam. Uma calmaria navegava nas ruas da cidade. Olhares pouco serenos, vozes menos ocupadas que o habitual. Nos lares as velas não se agitavam. Nem cães nem gatos se manifestavam. Havia ali um silêncio que nunca se manifestara. Nunca.
— Chegamos.
A ponte encostava em uma parte que não era a verdadeira base da Agulha. Esta crescia lá de baixo, na base da colina banhada pelo lago. Uma estrutura de pedra branca que parecia subir e afinar lá em cima num lugar possuído pela névoa. Iala colocou o fogo nos dois archotes ao lado do portal e as portas se afastaram para frente deixando as duas mulheres entrarem.
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Kings Aderio e O Sopro que Dobra a Morte
Fantasy🥇🥇 🥉 "Algo vem" De todas as expressões desta terra fantástica, estas são as palavras que mais atormentam Kings Aderio, rei de Seta Ambel e dracus. Diferente dos outros dracus da história, Ade foi forjado por três chamas ancestrais do formidável A...