A Vela Queimando ao Mar: Parte VII - O Fogo e o Mar

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     O que estava se debatendo tinha beleza, raiva e desespero, e todos na mesma medida. O sangue que deixava na água enquanto apanhava das ondas e se debatia indicava que estava presa em algo mais do que uma rede. Os cabelos negros eram uma bagunça no meio da água, o corpo estava todo ensanguentado enquanto a barbatana tentava se desvencilhar do gancho que a prendia. O mar não ouvia dela nenhum canto e Aderio sabia que a sereia não sairia dali sozinha.

     Guardou boa distância observando ela agonizar enquanto Lahana, indignada com a decisão do dracus, se esforçava para ajudar a sereia.

     — Não vai ajudar? — indagou a capitã.

     Kings Aderio já tivera contato com outras sereias. Há muito uma delas, certa rainha dos mares dos arredores das Narvais, fora capturada por uma embarcação comerciante que viu seus tripulantes morrerem. Os corpos foram cortados rápida e furtivamente. A rainha fora colocada com muito custo dentro de um tanque usado para colocar os caranguejos coletados no mar. Ele ajudou a rainha a não matar mais ninguém. Mas as mortes continuaram envolvendo seus passos.

     No momento em que se aproximou o belíssimo e desesperado ser jogou um jato de água forte. Lahana foi alçada pela água e tombou ali mesmo. A ira da sereia ao ver Lahana era tal que se esqueceu por instantes de que estava presa. A sereia empunhou garras que estavam escondidas em suas mãos. O ar foi cortado pelas navalhas zunindo ferozes.

     Ao lado de Lahana o mesmo ar ficou quente. Eram as mãos de Aderio que ardiam em fogo. Era uma esfera de chamas atraentes, envolvendo o ar. A sereia se interessou por aquilo. Era bonita a esfera, uma bola queimante nas mãos de um homem. Seu interesse cessou quando percebeu que aquela coisa lhe dava medo, pois os olhos do dracus brilhavam.

     — Você vai matá-la? — questionou a capitã indignada levantando-se da pancada. — Ela precisa de nossa ajuda!

     Aderio novamente não se importou com as objeções de Lahana. Ouviu o fio de duas espadas tocarem o ar e mesmo assim continuou fitando a sereia. De repente, o barulho se vestiu de silêncio e a sereia não se debatia mais. Estava fraca demais. Parecia na verdade um ser vencido entregue à sorte da morte.

     Vinha o mar e suas ondas quebrando no litoral. E também vinham os passos cambaleantes de Lahana, pega completamente desprevenida pelo ataque da sereia. Aderio, por sua vez, não mirava a sereia. Em vez disso, lançou sua chama na rede. Esta se desfez em dois pontos em que a água batia levemente. A barbatana da cauda continuava presa. Exausta, a sereia não podia lutar contra o mar revolto; já tinha perdido muito sangue, seu corpo pedia por descanso e algum zelo da areia fofa. Prontamente, ao sentir um pouco de liberdade enfim, se arrastou até a areia. Ambos, Aderio e Lahana, se puseram a cortar a rede. Era feita de cordéis de prata, e quanto mais ela fizesse força, mais rápido perderia sua energia vital. Prata, estanho, bronze, eram materiais que as sereias e a maioria dos seres do mar odiavam. Isto segundo os compêndios de alquimia lidos por Aderio há muito tempo, quando Seta, sua cidade e reinado, nada mais era do que um povoado. E agora via com seus próprios olhos o quanto letal a prata poderia ser para aquela espécie.

     — Aderio — Lahana estava maravilhada e tentou tocar nos cabelos da sereia que chorava como uma criança, baixinho, de jeito pausado, ranhoso. — É uma mulher, Aderio. Como é possível, elas realmente existem.

     — Existem sim, e já adianto que trolls também. E outros monstros mais que você já ouviu também.

     — Que coisa horrível, como alguém poderia fazer algo contra ela?

     — Não viu o tamanho das garras? As presas retráteis? O quão afiadas são as escamas? Cuidado, Lahana, elas são assassinas.

     — Ela só quer ajuda, Aderio!

Kings Aderio e O Sopro que Dobra a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora