A estrada que vem do nordeste para a cidade de Nianda, situada na região oeste, viaja com particularidades em sua paisagem até chegar aos tão famosos pomares. Há muitos lugares em que um aventureiro poderia gostar de embrenhar-se como cavernas infestadas de aranhas e outros gigantes de pinças peçonhentos, templos de seitas e povos antigos - há muito perdidos -, bosques curiosamente formados por árvores tortas, belamente curvadas pela natureza em busca de água, florestas de árvores frondosas, altas, de onde sentinelas encapuzados poderiam estar à espreita de estafetas e viajantes desavisados. Até que as novas paisagens ficassem úmidas, brejosas, decaídas. E em meio a esses pântanos, dobrando uma curva que chamavam Vista da Agulha, a imponente Nianda aparecia no alto de um grande monte em cuja base dormitava um lago do qual subia a impressionante névoa que nunca descia, nunca esvanecia, nunca se dissipava. Muitos pensavam que talvez fosse a mesma neblina a responsável por embeber a água com saúde suficiente para frondejar os pomares em meio a tanta região alagada e podre. Hm, contraste nos sabores, pensava Kings Aderio caminhando pela estrada. Vinha de uma estrada longa. Sua visita a Seta fora bastante produtiva, mas alguns acontecimentos lhe trouxeram um caminho mais longo.
Em Seta descansou, reinou e teve de exorcizar alguém. Era uma menina, uma camponesa, cuja casa ficava a quatro horas do Castelo de Ambel, o seu castelo. Achava que descansaria em demasiado, mas o demônio que enfrentaria tinha outros planos. Como derrubar uma casa inteira, por exemplo. Fora o primeiro caso de exorcismo da região que era tão pacífica a exceção do ocorrido com o próprio Kings Aderio há muito tempo e o que o levou a ser rei, mas isso, está escrito em outro lugar. Quando levou-o a cabo, Kings Aderio teve de acalmar a menina que lhe agradeceu fincando os dentes em seu braço. Dali ela arrancou-lhe um pedaço. Pele e carne eram mastigadas detrás de um sorriso vermelho pela menina de quatorze primaveras. Kings Aderio era um misto de raiva e dor. Dor mais mental, cardíaca, pois a menina já não era mais um demônio. Mas nada fez com a pirralha. Seu sangue descia lânguido enquanto ficou sentado e um lobo translúcido acalmava a pequena. Quando voltou a seu castelo, o rei foi recebido com um tapa em frente à toda a corte. Neiva, a rainha, deixou claro a Kings Aderio, muitos outonos atrás, que toda vez que voltasse ao castelo manchado de sangue, ou pingando sangue, seria recebido assim senão com um soco. Neiva era uma mulher de estatura baixa, franzina, de cabelos agitados em louro quase branco. Uma das mulheres mais belas com que Aderio já teve a felicidade de observar o momento que antecede um beijo frugal, mas é uma história que pouco importa agora, pois Neiva e Aderio são tão amantes quanto não são irmãos.
No quarto de Aderio, o príncipe de Mangrensis já o aguardava. Ali recebeu seu segundo tabefe na cara. Não sabia qual doera mais, se o golpe da rainha de Seta ou o do quase-gigante rei de Mangrensis. Para sorte dos dracus, Mangura tinha capacidades notáveis de cura. Assim, poucas infusões depois, o braço se recuperara, não sem imensa dor. A última coisa que ouviu foi para que ele não dormisse com mais ninguém durante um bom tempo, ou falharia monstruosamente e seria uma vergonha enorme de se ver. Não terá sangue para foder nem mesmo uma rosca feita de trigo, disse o príncipe e rei de Mangrensis. Pare de me observar, dizia Aderio. Mangrensis já estava distante, dentro de um portal. Palavras soaram para o vento lá fora e para as velas queimando a seu lado na escrivaninha. Havia uma carta com os dizeres: Ambel não gostaria disso, sua rainha, Neiva. Antes de adormecer, lembrou de alguém em seu colo, alguém que o dizia para ser levada a seus pais. Ao menos isso ele conseguira.
Quando acordou já tinha recuperado energia o bastante para uma viagem através dos portais.
Mas não o bastante para descer nos arredores de Nianda. Teve de caminhar pelo largo da Praia das Taides, a cinco horas de viagem a pé de Nianda, carregando uma grande bagagem na estrada em que teve de enfrentar homens que queriam mais do que o trabalho das mulheres trançadeiras de conchas e mariscos. Pensou se não fora nenhuma ideia de Mangura levá-lo àquelas praias de águas verdejantes e malditos estupradores. Que Eberlen estava sedenta por sangue medíocre, isso Kings Aderio tinha certeza. Principalmente quando a espada viu o monstro violando uma menina de apenas oito primaveras. Uma morte rápida para um braço recém-nascido usar a espada à melhor maneira.
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Kings Aderio e O Sopro que Dobra a Morte
Fantasía🥇🥇 🥉 "Algo vem" De todas as expressões desta terra fantástica, estas são as palavras que mais atormentam Kings Aderio, rei de Seta Ambel e dracus. Diferente dos outros dracus da história, Ade foi forjado por três chamas ancestrais do formidável A...