O Monte e o Cálice: Parte II - Olbett, o Tistein

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     O cabelo vistoso, branco, descia em tranças por uma carinha de bronze com olhos grandes e irritadiços. A carinha era chupada e cuspia uma barba que escorria-lhe até o peito onde guardava uma série de rolos de pergaminhos nos braços com afeto paternal. Vestia sua roupa de praticamente quase sempre, um sapato baixo de ponta curva, e as vestes vermelhas com um pequeno brasão de ouro no peito. Por dentro do casaco vermelho havia uma camiseta xadrez que pouco retirava, só quando fedia, sabia bem Kings Aderio.

     — Olha, meus livros! O que o hoje trouxe de volta do que só a lua consegue ver. Eu o esperava, rapaz!

     —  Temos um agendamento de quatro meses... Mas pelo cheiro que sinto, não parecia estar sozinho.

      —  Ah, de você não conseguirei esconder muitas coisas.

     Embora fosse pelo menos vinte anos mais velho que o dracus, Olbett Tistein gozava de longevidade física e se aproveitava bastante disso com suas companhias.

     — É um cheiro que, no seu caso, tomaria com bastante cuidado a responsável por ele.

     — Cheiros, cheiros... Ora, rapaz! Rosas cheiram bem, não cheiram? Elas só machucam se você for imbecil o suficiente parase acidentar nos espinhos ou ter predileção por isso.

     — Mas por experiência própria você tem de dar o pescoço a uma dessas...

     Tistein escapou uma risadinha enquanto afastava o casaco deixando a pouca luz da lareira iluminar os dois pequenos furos escuros no pescoço.

     — Não espalhe aos corvos, rapaz.

     — Se está feliz, não tenho por que pensar em me preocupar.

     — Mas venha cá!  — o homem deu um abraço forte em Aderio que era um pouco mais baixo e ficou escondido em felpudo vermelho. — É mesmo bom te ver, bom mesmo! Ainda que já o aguardasse. Como sabe, eu não erro.

     — Não erra, ele diz. Vejamos sobre isso, Olbett.

     Uma verdade sobre Olbett Tistein é que o homem, em toda a sua história, ao menos a que Ade e ele próprio conheciam, nunca esteve errado. Criado em Danvania, que ficava há alguns dias de Nianda, Olbett Tistein sofreu entre as pessoas que não compreendiam o homem que indagava e nunca errava. 

     Seria isso sobre tudo: as condições de chuvas e ventos; os animais prestes a morrerem de algum mal pelos traços apresentados nos modos de andar ou de olhar;  o número de ladrilhos no chão de toda a Danvania num rasgo de olhos, a quantidade das árvores nas florestas na velocidade de um piscar, das frutas em seus pomares e do ilusório aparecimento das estrelas no céu, apresentando fórmulas complexas de cálculos desenhados no chão em giz, carvão ou graveto, e que ninguém, absolutamente ninguém em Danvania, entendia sorte tão estranha de numeralha. Isso tudo o gênio já fazia com apenas seis anos de idade. E o pequeno inspirado cresceu até se tornar jovem e paciente. Dominou línguas em meses. Leu livros em minutos. Conhecia o melhor e o pior das pessoas em segundos. 

     Quando adulto foi tido como aberração e preso sete vezes ao desafiar a consciência de toda Danvania apresentando conclusões perfeitas acerca de coisas que, por vezes, tratar-se-iam por um tanto mundanas. É que na região de Nianda a adivinhação era proibida, e, qualquer manifestação estranha do normal, repudiada. Assim, quando jovem sua primeira prisão ocorreu ao acertar — e não adivinhar — o número exato de uma ninhada que uma galinha botaria. Não qualquer número, mas um absurdamente longe do normal. Vinte e sete, dos quais os bons seriam apenas três, além da morte da galinha vindo em seguida,  resultado de uma completa exaustão. 

     Ele é feiticeiro, essa coisa não era permitida ali, e blás, e mais blás. O cárcere durou pouco, e a liberdade também. A segunda vez que foi preso ocorreu quando Tistein prenunciou a vinda de uma forte chuva que traria fartura e estio da terra. E essa última parte duraria muito tempo. E a seca durou, o trigo não vigorava, e os morangos pareceram esquecer de florescer; nada cresceu e o culpado por alertar ao povo de tudo isso foi preso por ser ele o responsável pela maldição em Danvania que nunca terminava. E logo quando saiu de sua jaula fria, a porta das masmorras fechou-se novamente à sua frente. 

Kings Aderio e O Sopro que Dobra a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora