A Vela Queimando ao Mar: Parte II - À Barlavento

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      Deixaram o Bardobebendo sem mais nada falar com a irritada Ouhan. Indignada, lançou aos dois o desejo de tragédias na desventurada aventura que os aguardaria pelo mar. Ainda assim, Ouhan não conseguia continuar com as maldições relacionadas ao mar. O respeitava, e isso significava também respeitar o azar marinho. Tão logo, arrependeu-se dos desejos. Guardava belos sentimentos por ambos. Mal sabia ela que de nada seu arrependimento valeria mais. O que rogara, a mãe dos mares haveria de cobrar.

      No caminho pelo enorme porto de Caramuçã, no Aborreão, Aderio ainda comprou uma boa quantia de peixes e queijos frescos com o comerciante perto da embarcação Raspadora de Corais — o cais só abrigava ela naquela manhã — um navio enorme de madeira singular, em cujo beque guardava uma figura com dorso de grifo e barbatana caudal de sereia.

      O semblante derrotado indicava a Aderio que o homem não estava vendendo bem. Não só isso: os peixes estavam quase para apodrecer, o queijo ia deixando a coloração azul, cobrindo-se pela cor cinza esguia do bolor. E o homem não estava sozinho. Foi o que Aderio, com certo pesar, notou: um bebê numa manjedoura improvisada em caixotes e um menino mais velho que gritava, em vão, com os peixes erguidos com dificuldade sobre sua cabeça.

      Aderio viu a luz no horizonte. Um brilho que faltava ao olhar daquele menino. Dando um peteleco no chapéu do menino Aderio estendeu-lhe a mão. A saca de dinheiro nela pagava a mais pelos queijos e pelos peixes. Afinal, não era cobre ou ouro normal o que depositara pelo alimento. Ali dentro deveriam ter, ao menos, duas dezenas de moedas de ouro de Luniestra. Sacodindo a saca de moedas, o vendedor sentiu o peso da riqueza em suas mãos. Só fez arregalar os olhos e quase desaguar no mar. Mal sabia o pobre homem e seus dois filhos de que aquela saca mudaria a vida dele e dos seus para sempre, mas esta é uma outra história.

      Em hipótese alguma mostre estas moedas tão cedo nesta região, meu caro, disse Ade ao ouvido do vendedor que tinha os olhos dentro do brilho do saco. Não se esqueça que aqui à beira da água rondam piratas. O homem assentiu com a cabeça e um sorriso desdentado. Pediu para alguns marujos, conhecidos seus, carregarem os queijos. Aderio disse que não e fez questão de levar os peixes mais pesados ele mesmo.

      O menino ficou fascinado, pois o homem carregava seis garoupas enormes embrulhadas em trapos como se fosse tão difícil quanto carregar anchovas. Pensou se seria um tenerà, vai ver fosse. Peixes em mãos, Aderio seguiu o levemente menos bêbado Ladenio rampa adentro da grande embarcação Raspadora de Corais que antes não tinha este nome, mas as novas mãos sobre o leme preferiram dar mais ênfase ao poder do casco daquele navio de lendas.

      A própria quilha, diziam, teria muitos corais para cortar tanto o gelo grosso quanto os corais caso o navio se aventurasse pelos arrecifes. Kings Aderio sabia que isso era de todo verdade, e por isso cortava gelo como se fosse nuvem. Um trabalho bastante caro capacitar um navio daquele porte a transformar chão duro em pedra macia para os cascos.

      Kings Aderio deixou seus pacotes no convés e disse para alguns marujos da tripulação para levarem ao porão do navio. Rumando ao castelo na popa, aproximou-se da entrada da cabine principal junto ao companheiro brasDieler. O navio ia zarpar. Estava já com as velas à barlavento e resgatariam, assim, o melhor incentivo em direção à saída da Baía das Narvais onde se encontrava a Península do Aborreão.

      O dracus não via a hora de sair daquele lugar, já fazia três longos dias que estava ali: no primeiro teve um sério problema com o banco e, as notícias que vieram de Naverana, cidade próxima à sua Seta, não eram das melhores. Seu rei acabara de ser deposto e morto em seguida por um movimento do rei da Setunda. Eram vizinhos de reinado, Kings Aderio e Daizer de Naverana, além de bons amigos, e Aderio pensava o tempo todo se Seta não receberia um ataque em algum momento enquanto estava longe da cidade.

Kings Aderio e O Sopro que Dobra a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora