O Monte e o Cálice: Parte VII - Os Julgamentos Sentidos

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     Dentro das nada modestas dependências de Tistein começaria a silvar, como de costume, uma chaleira.

     — O chá já será servido — Tistein se interrompeu nas palavras ao reparar numa mulher distinta, bela, malvestida e completamente imunda adentrar em sua casa. — E temos visita! Já falei o quanto me incomoda não conseguir fazer deduções sobre sua pessoa, meu valoroso dracus? Embora... aguardasse a dois não por dedução minha.

     — Tistein...

     — Dracus — murmurou Ellera deixando uma solidão úmida no pescoço de Ade. — Eu já vi isso em algum lugar. De um tempo que se perde no próprio tempo. Nunca me contou isso. Claro... Na verdade queria me matar...

     Tistein tomou a frente erguendo pouco a pouco a surpresa junto aos olhos.

     — Matar?! Pelos céus, Kings Aderio, que história é essa?

     Olbett Tistein analisou aquela mulher pisando em seus tapetes. Tão suja e machucada. Mas a conhecia de algum lugar. Bom, Olbett Tistein nunca se esquecia de um rosto. Buscou alguns panos na dispensa e encarou Ellera enquanto era deitada numa poltrona. E, como se aquela lembrança que forçava-se a lembrar finalmente ficasse clara em sua mente, desenfreou aos balbúcios.

     — Ela... Ela? Ela! Não me diga que ela...

     Aderio soltou um muxoxo para o baú na mesa.

     — Ellera do Covil Vermelho — disse o dracus. 

     Rapidamente, e olhando para a janela que evidenciava a lua, Ade levou um pano por cima do Infinite strelatom completamente aberto. Algo estranho aconteceu quando o fez. Um chiado que ele pensou melhor não ter ouvido. Aquilo poderia esperar. O amigo anfitrião da casa estava ali ao lado e era um misto de curiosidade e preocupação. 

     Imediatamente os outros dois repararam no pequeno baú. Antes que os homens pudessem explicar o que o objeto perguntava, a voz de Ellera tomou a noite.

     — Do Covil Vermelho. Na boca dos homens sou posse de um lugar, não posse de mim mesma. Agora este baú. Reconheço, pois o mesmo era de uma de minhas mães, um presente muito querido de uma amiga dela, e que me deu quando completei anos que desconheço, há muito tempo. Tempo que nenhum dos bebês aqui era nascido, até passar para minha filha. E agora está aqui no lugar onde tramaram a morte dela, visto pelo dedo que o saco guarda. Foi isso que obteve como troféu?

     A língua de Ellera era uma navalha muito bem amolada. E Aderio não queria ver a sangrenta poesia que ela poderia entoar.

     — Homem! Vá trabalhar! O chá mais frutado que você tiver. Ela irá gostar, e pra já!

     — "Ela irá gostar" — repetiu Olbett Tistein desdenhando o sabor das palavras. — Há algum tempo você estava destruindo à ela e seu chamado Covil.

     — Tistein, a hora não é agora!

     — Não minto, meu rapaz, não minto.

     Não era o caso, mas se Ellera tivesse forças, poderia fazer com que ambos tremessem em receio. Derrotada, contudo, guardou apenas aquelas palavras em algum lugar no qual os dois não poderiam alcançar. Os sentimentos dela continuavam confusos. Muito provável que pensasse estar no limiar entre a vida e a morte. Bastava um último chá. Depois, o sal do metal certamente abrasando-lhe o sangue.

     — Devo lembrá-lo de quem me levou até lá? Você e seu pedido — disse Aderio rasgando a espada para fora de sua bainha direita. — E você se esqueceu do chá.

Kings Aderio e O Sopro que Dobra a MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora