Capítulo III

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Era como se eu emergisse de um lago escuro, depois de ficar muito tempo prendendo a respiração. Como um dia de sol depois de semanas de chuva. Respirar o ar puro depois de cem anos respirando o ar de Silver Coast era como a lubrificação nova para uma máquina. Era tudo muito novo para mim, e muito diferente. Cem anos haviam se passado e com certeza o mundo estava totalmente distinto do que era quando fui presa. Seria como uma criança que conhece o mundo pela primeira vez. Reaprender a andar, a viver.

Havia uma carruagem à minha espera. O homem que acompanhou Markus, que eu não lembrava o nome, desceu dela e manteve a porta aberta para mim. Havia dois guardas junto a ela, com suas balestras apontadas para o meu pescoço.

— Por que não usamos o limbo? — Perguntei confusa.

O homem me olhou com certo desprezo.

— Graças a você, Markus e o senado proibiram esse meio de transporte — vociferou ele.

Ergui as sobrancelhas, mais surpresa pelo impacto que eu causei do que com a grosseria do militar. Qual era o nome dele mesmo? Subi na carruagem e me ajeitei no assento defronte ao homem. Ele parecia estar odiando manter-se no mesmo recinto que eu.

— Você vai chegar no castelo e vai direto para a ala médica — informou ele, usando o mesmo tom ríspido.

— Não estou doente — retorqui.

— Vamos retirar a poção do seu corpo, quimera — rugiu ele. — Ela limita seus dons e o rei quer que você esteja em seu melhor estado.

— Obrigada, Jarbas — respondi, apenas.

Ele fechou a cara mais ainda. Será que eu errei o nome dele ou ele simplesmente odiava falar comigo?

Jarbas, ou algo parecido, não falou comigo pelo restante do caminho. A carruagem era totalmente fechada, não me permitindo admirar a paisagem. Passei um século sem poder admirar a paisagem, um dia a mais não iria me matar.

Meu coração batia com força, descontroladamente. Livre finalmente! Tudo bem que ainda tinha de caçar o inimigo do governo, mas eu só conseguia pensar na minha tão esperada liberdade.

Depois do que pareceram horas, a carruagem parou. Um guarda abriu a porta, informando que havíamos chegado. O homem militar desceu primeiro e eu o segui. Os guardas mantiveram suas balestras apontadas para mim, mas o que me chamou a atenção foi a cidade que se estendia diante de mim.

Na verdade, as sombras do que um dia foi a imponente capital Ravena. Conforme fui adentrando a cidade, cada vez mais parecia a grandeza da cidade tinha ido embora. Ravena, a capital do poder e a cidade da união agora era um território formado por grupos de casas, alguns edifícios com claros sinais de abandono (inclusive uma das casas abandonadas tinha a frase "vida curta ao rei" pichada com tinta vermelha), outros agrupamentos com belas casas e poucos comércios.

Eu lembrava claramente de existir quilômetros de ruas, casas simples e mansões, grandes lojas e lojinhas e todo o tipo de estabelecimento que pudesse existir. Ravena parecia mais um acampamento de guerra do que uma cidade. As pessoas que circulavam vestiam de forma muito simples e não havia mais as jardineiras cheias de flores e as feiras cheias de produtos frescos. Nada do aroma sempre presente de comida recém servida. Apenas um clima lúgubre.

Guardas estavam por todos os lugares, observando os habitantes. Eles bateram continência a Jarbas (ou algo parecido) e o povo me olhou com curiosidade quando passei. Mais à frente, estava a ponte de pedra que conectava o castelo à cidade. Atravessei ela seguindo os guardas, sentindo as muralhas do castelo avultarem-se sobre mim.

Havia guaritas sobre a muralha, com guardas fazendo vigias. Nos portões havia mais guardas, que conversaram com Jarbas (ou algo parecido) baixinho, quase sussurrando. Como a poção ainda corria pelas minhas veias, eu tinha uma audição básica, nível comuna. Senti falta dos meus dons. Poucos minutos de conversa e eles logo abriram os portões.

As Crônicas de Ravena - A Ascensão da QuimeraOnde histórias criam vida. Descubra agora